Topo

Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Homens chocados com estupro em sala de parto, saibam: abuso é todo dia

Enfermeiras desconfiaram de quantidade de sedativos usada pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra - Reprodução
Enfermeiras desconfiaram de quantidade de sedativos usada pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

12/07/2022 11h47

"Estou chocado! Inaceitável!". Desde a manhã de segunda-feira, quando tivemos a péssima notícia de que o anestesista Giovanni Quintella Bezerra estuprou uma mulher inconsciente na sala de cirurgia depois de ela ter tido um filho por cesariana, esse tipo de comentário está sendo feito por homens heterossexuais nas firmas, nas redes sociais e, esperamos, nos bares. Falem mesmo sobre isso.

Que bom que vocês estão chocados. Mas, quer dizer, isso é o mínimo, não é? E só ficar chocado, gritando "isso é inaceitável", também não serve para muita coisa. A situação é extrema. Nós, mulheres brasileiras, estamos sob ataque.

Desde que me entendo por gente, ser mulher no Brasil é infernal, já que, por exemplo, sofremos nosso primeiro assédio quando ainda somos crianças, com 11, 12 anos. E o inferno não para.

Mas, nas últimas semanas, estamos sendo bombardeadas por notícias terríveis e reais. Uma menina de 10 anos foi estuprada e humilhada por uma juíza, que ainda a afastou da mãe para tentar impedir que ela fizesse um aborto. Uma procuradora apanhou de um subordinado na repartição. Uma atriz foi exposta e contou que foi estuprada e engravidou e encaminhou a criança para adoção (e foi atacada por covardes por isso). E, agora, temos isso, o médico estuprador, que atuava desde abril como anestesista e já sabemos que ele fez mais vítimas.

Outra mulher procurou ontem a Delegacia de Atendimento à Mulher de São João do Meriti para denunciar o médico. Segundo sua mãe, a mulher voltou do parto "suja", com "casquinhas secas brancas no pescoço".

Não está fácil. Está insuportável.

E se vocês querem ajudar, só ficar gritando que estão chocados e que é inaceitável não é o suficiente.

Ou como disse "Joanna Coração Selvagem" no Twitter:

Quem dá dicas de como se livrar de um abuso não tem a menor ideia de como a coisa acontece. Meu amigo, é no exame médico, é no ônibus rodeada de gente, é no trabalho, é em casa, é em TODO lugar. A gente não deveria se defender. Vocês que precisam parar de nos atacar.

Sim. E falar "inaceitável" não ajuda. Vocês precisam agir, assim como nós, mulheres, estamos fazendo. Giovanni só foi preso porque enfermeiras corajosas o filmaram e assim salvaram muitas mulheres. Onde estavam os homens que cruzaram o caminho de Giovanni? Se fazendo de loucos, como geralmente fazem nesse tipo de situação?

Pois chega. Não dá mais para passar pano. E não, o problema não é só o médico, mas também aquele seu amigo que faz piadinhas sobre "ninfetas" (e objetifica adolescentes e crianças), aquele "maluco", que quando bebe passa a mão em mulheres, o que é assédio. Aquele que te contou que transou com uma mulher muito bêbada sem saber se ela queria ou não (o que é estupro).

E, sim, esse sujeito pode ser você.

É incrível que homens ainda se surpreendam com o fato de que no Brasil somos atacadas desde crianças e isso não para. Mas vou repetir: para nós, mulheres, o caso do anestesista estuprador elevou o horror e aumentou o medo. "Tenho que fazer endoscopia, e agora?", perguntou outra no Twitter, com medo de ficar inconsciente durante o exame. Ou seja, o medo de ser estuprada anestesiada é mais um que vai entrar na lista das mulheres brasileiras. A lista é gigante. E inclui qualquer esquina de uma cidade durante a noite, e também uber, táxi, aulas de ioga.

Já passou da hora de os homens que estão chocados ajudarem de verdade a combater esse horror. Não vai ser só com posts no Twitter. Vai ser rompendo com comportamentos e brigando com amigos. Vão encarar?