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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Machismo ao vivo: Faustão presta desserviço ao falar de "assédio do bem"

Faustão na Band (Reprodução - Band)  - Reprodução / Internet
Faustão na Band (Reprodução - Band) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do Universa

02/02/2022 14h07

A conversa era sobre passarinhos. Mas o apresentador Fausto Silva aproveitou o gancho para destilar machismo em seu programa "Faustão na Band" na terça-feira (1). Ao entrevistar Paulo Passarinho, que falava sobre os diversos cantos dos pássaros e suas utilidades, como atrair a fêmea, Faustão comentou: "No mundo dos passarinhos ainda tem a conquista, o assédio no bom sentido. Se não cantar, não tem chance!"

O machismo muitas vezes aparece dessa forma. O sujeito não aguenta e solta a pérola. Faustão não é o primeiro nem o último a cometer esse tipo de "sincericídio''. E nem o único homem do Brasil a demonstrar certa nostalgia dos "bons tempos" em que um homem podia, por exemplo, chamar uma mulher de gostosa ou olhar para a sua bunda na rua numa boa. Não que isso tenha parado de existir no Brasil. Infelizmente, isso ainda acontece milhares de vezes todos os dias.

A diferença é que até pouco tempo esse tipo de assédio era considerado uma "cantada", coisa da qual as mulheres, inclusive, deviam gostar e se orgulhar.

Há um bom tempo martelamos na tecla de que cantada de rua, estilo "fiu fiu", é assédio. E que não existe assédio do bem. E não, ninguém aqui é radical ao falar uma coisa dessas.

Viaje pelo mundo e veja se em outros países é tão comum que mulheres não possam usar a roupa que querem para andar na rua por temer assédios. Pesquise e veja se é em qualquer país que homens se sentem à vontade para olhar para bundas de mulheres que andam na rua e ainda soltar comentários. Não é.

O assédio no Brasil é uma epidemia. 97% das mulheres dizem já ter sofrido assédio em transporte público, como passadas de mão e comentários indesejados, segundo pesquisa dos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva. Outra pesquisa, feita pelos mesmos institutos, revelou que 83% das mulheres evitam usar certo tipo de roupa quando se deslocam pelas cidades para evitar assédios.

Esses números podem assustar os homens, mas, para mulheres, não há nenhuma novidade. E infelizmente conhecemos esse tipo de violência muito cedo.

Outro dia, uma conhecida contou no Twitter que sua filha adolescente era assediada constantemente ao andar nas ruas em São Paulo. Como costuma acontecer, esse relato gerou uma onda de desabafos de mulheres contando que passaram por assédio quando eram adolescentes. Sim, é muito comum. Inclusive, essa é a fase em que mulheres mais sofrem assédio na rua.

Tenho certeza que Faustão não pretendia incentivar esse tipo de prática contra menores de idade. Mas os homens precisam ouvir as mulheres, nossos relatos e entender o quanto esse tipo de declaração estilo "nostalgia dos bons tempos do "assédio do bem" são danosos.

Se você fala sobre "assédio do bem" em um programa na TV aberta, você incentiva essa prática que transforma a vida das mulheres em um inferno. E, claro, vamos ao óbvio, não existe assédio do bem. Todo assédio causa trauma e medo.

Não estou falando de "bandidos", mas de homens comuns. Inclusive, muitos assediadores não se reconhecem como tal.

Existe um tipo de sujeito que assedia achando que não está fazendo nada demais e que as mulheres até gostam disso (não gostamos). Essa é uma confusão comum e que precisa ser combatida diariamente em um país machista como o Brasil.

Seria legal se os grandes comunicadores do país nos ouvissem e resolvessem nos ajudar ao invés de atrapalhar.