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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fotógrafa é algemada e detida por fazer topless. O Talibã é aqui?

Ana Beatriz Coelho foi levada com uma amiga para uma delegacia em Vila Velha (ES), no último sábado (29) - Reprodução/ Instagram
Ana Beatriz Coelho foi levada com uma amiga para uma delegacia em Vila Velha (ES), no último sábado (29) Imagem: Reprodução/ Instagram

Colunista de Universa

01/02/2022 11h37

Quando eu era criança, lembro-me de ver essas imagens perturbadoras no RJTV (o noticiário local do Rio de Janeiro). No verão de 1980, algumas mulheres corajosas decidiram fazer topless na praia de Ipanema e foram quase linchadas. E não é modo de falar, grupos de populares jogaram coisas nelas como se elas fossem a Geni da música do Chico Buarque (aquela que fala da mulher que "é boa de cuspir" porque "dá para qualquer um".). No fim, a polícia chegou e elas foram levadas para a delegacia no meio de um grande tumulto.

Na época, o fato foi tão emblemático que foi parar na novela que mais fazia sucesso na época, "Água Viva" (1980), de Gilberto Braga. Em um capítulo, as personagens de Tônia Carrero, Maria Padilha e Maria Zilda decidiam fazer topless e eram criticadas por banhistas que chamavam a polícia. A personagem de Tônia dava um tapa no guarda.

Essas imagens que não esqueço (traumas e lições do que nos esperam na vida adulta ficam marcados) têm mais de 40 anos.

Lembrei tudo isso ao ver que no verão de 2022, quarenta anos depois de o absurdo ser denunciado em plena novela das oito, a cena se repetiu no Espírito Santo. A fotógrafa Beatriz Coelho foi levada a uma delegacia, onde foi algemada pelos pés no domingo (30). Motivo: ela estava na praia com amigos e tomou sol na praia sem a parte de cima do biquíni.

Em que países mulheres levam pedradas, são quase linchadas ou acabam algemadas pelos pés por não obedecerem a um determinado código de vestimenta? No Afeganistão sob o regime do Talibã, por exemplo. Ali, mulheres não podem praticar esportes porque isso "as expõem" e têm que sair totalmente cobertas. No primeiro governo do Talibã, entre 1996 e 2001, mulheres que mostravam o tornozelo eram punidas com chibatadas.

Em outros países islâmicos, como o Paquistão e Arábia Saudita, mulheres ainda têm que andar cobertas. Para ir à praia, usam um burquini, uma roupa de lycra preta que cobre todo o corpo.

Em alguns desses países, mulheres também podem ser apedrejadas se cometerem crimes tipo "trair o marido".

O Brasil é conhecido mundialmente por ser um país tropical, de festa e mulheres lindas de biquini. Mas mulheres sendo algemadas pelos pés por causa das vestimentas parece ou não uma prática desses países que nos chocam com a falta de liberdade?

Ato obsceno?

No Brasil o topless não é um crime, mas pode ser considerado ato obsceno e render de três meses a um ano na prisão. Sim, uma mulher pode ficar presa porque "afronta" um código de vestimenta.

No caso dos homens, claro, eles podem tirar a camisa à vontade. No Rio de Janeiro, minha cidade natal, podem, inclusive, andar pela rua só de short sem o menor problema. É normal na cidade que homens que moram perto da praia saiam de casa para dar um mergulho só de sunga.

E não, não tenho nada contra isso, pelo contrário.

Absurdo é que mulheres sejam levadas para a delegacia e agredidas apenas por tirarem a parte de cima do biquíni.

Há alguns anos, moro na Alemanha, um país onde, no verão, você encontra centenas de pessoas peladas em parques e lagos (velhos, crianças, homens e mulheres). O nudismo é uma prática normal e o topless, claro, idem.

Todas as vezes que contei para alguém daqui que o topless é proibido no Brasil a reação foi de choque. "Mas como? O Brasil não tem Carnaval?" Para os alemães, parece absurdo que um país que aparece na TV todos os anos mostrando mulheres seminuas (e muitas vezes de topless!) proíba as mulheres de irem à praia como bem entenderem.

E, de fato, é absurdo. E mais ainda que elas, 40 anos depois das "musas de Ipanema" sejam presas por isso. Que país "livre" é esse?

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado, o caso da fotógrafa aconteceu no Espírito Santo

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL