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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cidades com prefeitas têm 43% menos mortes por covid. Por que será?

Segundo projeção dos pesquisadores, se metade das cidades tivesse prefeitas o Brasil poderia ter 15% a menos de mortes - Getty Images
Segundo projeção dos pesquisadores, se metade das cidades tivesse prefeitas o Brasil poderia ter 15% a menos de mortes Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

19/07/2021 12h57

"Para 90% da população, isso vai ser uma gripezinha ou nada."
"O vírus não afeta praticamente ninguém. É impressionante. Só os idosos com doenças cardíacas e outros problemas."

As frases acima vão constar nos livros de história como exemplos de como alguns líderes mundiais fizeram pouco do coronavírus. Além de serem negacionistas e fora da realidade, elas têm outra coisa em comum: foram ditas por chefes de estado homens.

A primeira foi dita por Jair Bolsonaro no início da pandemia. Como se sabe, não foi só uma gripezinha. Mais de 540 mil brasileiros já morreram. E, no momento, com um ano e meio de pandemia, mais de mil pessoas morrem por dia. A segunda foi dita pelo então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O vírus que não afetaria quase ninguém já matou mais de 600 mil americanos. Os dois também sempre se orgulharam de andar sem máscara...

Os maiores negacionistas do mundo serem homens não é coincidência. Quem fala isso são os cientistas. Nós, mulheres, agimos, no geral, de maneira mais responsável em relação à pandemia. E não foi só com a gente mesma e com o controle de pandemia em nossas famílias.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade de Barcelona concluiu que, em cidades brasileiras administradas por mulheres, o número de mortes por coronavírus foi 43% menor do que nas cidades governadas por homens.

Infelizmente, apenas 12% das cidades do Brasil são governadas por mulheres. Segundo a projeção dos pesquisadores, se metade das cidades tivesse prefeitas, o Brasil poderia ter 15% a menos de mortes. Ou seja, pelo menos 75 mil vidas teriam sido salvas.

E isso não aconteceria porque mulheres são super-heroínas. Pelo contrário, mas porque a gente, em geral, ao contrário de muitos homens, não acha que tem superpoderes. Por outro lado muitos homens, até hoje, com um ano e meio de pandemia, ainda agem como "invencíveis". Afinal, como eles, tão machos, poderiam temer um "viruzinho de nada"?

É ridículo que alguns pensem assim. Mas cientistas já demonstraram também que a masculinidade tóxica faz com que os homens obedeçam menos medidas de proteção, como uso de máscara e distanciamento social.

Não por acaso, os pesquisadores concluíram também que prefeitas colocaram mais a máscara como item obrigatório por lei, assim como exigência de testes para, por exemplo, quem iria entrar em uma cidade.

Surpresos? Confesso que não estou. Desde o início da pandemia, vimos que líderes como Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, e Angela Merkel, da Alemanha, só para citar duas líderes, deram exemplo de consciência e empatia para com os seus cidadãos durante a crise, enquanto alguns homens andavam (e ainda andam) por aí fazendo piada em momentos de luto da população.

Isso acontece também em esferas mais privadas. Conheço várias mulheres que se desesperam vendo a irresponsabilidade de pais, irmãos e maridos, que saem por aí sem máscara. Não por acaso, o personagem "homem com máscara embaixo do nariz" virou um dos estereótipos da pandemia, por sinal, um dos mais irritantes.

Não estou falando de forma alguma que todos os homens são negacionistas ou irresponsáveis. E nem todas as mulheres são exemplo de disciplina. Mas os números provam. Ser uma mulher que leva fama de chata porque pede que os outros usem máscara tem salvado vidas.