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Nina Lemos

Mulheres que seguiram exemplo de Marielle são ameaçadas de morte. E agora?

Mil dias após o assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, políticas negras sofrem ameaças de morte - Reprodução/Instagram
Mil dias após o assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, políticas negras sofrem ameaças de morte Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

08/12/2020 13h16

"Marielle virou semente". Hoje, no milésimo dia da sua morte, isso é mais que claro. Nunca tantas mulheres negras foram eleitas vereadoras. Marielle abriu portas, deu exemplo e fez escola. A parte trágica disso: mil dias depois de Marielle ser assassinada, algumas dessas mulheres são ameaçadas de morte.

É chocante e inaceitável que quem ousa seguir o destino de Marielle e entrar para a política seja ameaçada de sofrer o mesmo crime que aconteceu mil dias atrás e matou a vereadora e o motorista Anderson.

A vereadora Carol Dartora, a terceira candidata mais votada em Curitiba, mulher negra e de esquerda, compartilhou ontem nas redes sociais um e-mail com uma ameaça de morte que recebeu. O autor a chamava de "macaca" e dizia coisas como "vou meter uma bala na sua cara." Carol escreveu que desde que foi eleita recebia ameaças do tipo.

Semanas antes, outras mulheres negras receberam ameaças idênticas: Ana Lucia Martins, do PT, eleita em Joinville e a futura prefeita de Bauru (SP), Suéllen Rosim, do partido Patriota. As ameaças recebidas por elas têm o mesmo texto, com pequenas mudanças em relação as ofensas.

Em Belo Horizonte, a vereadora mais eleita em toda a história da cidade, Duda Salabert, do PDT, mulher trans, recebeu mensagens assinadas pela mesma pessoa logo após a eleição. "Vou invadir a escola e matar todas as vadias e todos os negros cotistas", dizia a mensagem.

Isso acontece menos de um mês depois da eleição. Ou seja, elas nem começaram a trabalhar e já são ameaçadas e ofendidas dessa maneira.

Isso é um sinal claríssimo de como mulheres negras na política despertam o ódio racista e misógino. O recado parece ser: "mas como elas ousam?". "Quem vocês pensam que são?".

Antes das eleições, outra mulher na política relatou sofrer ameaças de morte. A deputada Talíria Perrone, amiga de Marielle contou que teve que se mudar com a filha recém-nascida. A deputada anda com escolta policial e já pediu proteção à ONU.

São muitos os símbolos por trás disso. Vão continuar querendo matar "Marielles"? Querem matar também as sementes?

Entrar para a política não é fácil para uma mulher (se for negra, é mais difícil ainda, claro). Elas são deixadas para trás até dentro de seus próprios partidos (e isso acontece em todos os aspectos da política). No processo eleitoral, mulheres são mais alvo de ofensas e fake news. Até que ganham. E são recebidas com ameaças de morte.

Essas mulheres são muito corajosas e não vão desistir por causa disso. Mas é inadmissível e seríssimo que elas corram esse risco e recebam essas ameaças. Elas são representantes eleitas pelo povo. Elas precisam estar seguras e trabalhar em paz. Isso não pode ser banalizado de jeito nenhum. A sociedade vai proteger essas mulheres? Ou o horror do assassinato de Marielle não serviu nem para deixar claro que toda ameaça precisa ser levada a sério?