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Nina Lemos

"Eu estou falando": Kamala Harris ensina a lidar com "homem que interrompe"

Kamala Harris, candidata a vice-presidência dos EUA pelo Partido Democrata, ao lado de Joe Biden - Michael A. McCoy/Getty Images
Kamala Harris, candidata a vice-presidência dos EUA pelo Partido Democrata, ao lado de Joe Biden Imagem: Michael A. McCoy/Getty Images

Colunista do UOL

08/10/2020 13h21

"Senhor vice-presidente, eu estou falando". A frase foi dita por Kamala Harris, candidata a vice-presidência dos Estados Unidos, para seu oponente, Mike Pence, no debate que aconteceu ontem (7) nos Estados Unidos. O apelo foi feito depois de Kamala ser interrompida várias vezes por ele. "Se o senhor me deixar finalizar, a gente pode conversar", disse, ao ser novamente "cortada".

Nós, mulheres, ao ver a cena, sentimos vontade de entrar dentro da tela e gritar com o vice-presidente: "deixa a moça falar!". A maioria de nós já foi interrompida por homens em reuniões de trabalho, conversas, mesas de bar, na escola, na faculdade. A atitude tem até um nome: "Manterrupting" (algo como "homem que interrompe", em português). Ser interrompida é insuportável. Ver um homem tratando outra mulher assim faz subir o sangue.

Deve ser por isso que a frase "Senhor vice-presidente, eu estou falando" viralizou e é o momento mais comentado do debate. Nas redes sociais, mulheres agradecem à Kamala. A sua reação lavou a alma de muitas.

Se você for homem e acha que isso é "mimimi", não me interrompa e leia esse texto até o final. Imagina passar a vida sendo interrompida ou não levada a sério. É irritante.

Pence, segundo levantamento da rede de TV NBC interrompeu Kamala 16 vezes. Não satisfeito, interrompeu também a apresentadora do debate, Susan Page,

Todos os homens são como o vice dos Estados Unidos e interrompem mulheres? Não. Mas alguns fazem isso o tempo todo e na maioria das vezes nem percebem. E por que a gente se irrita com isso e acha esse comportamento inaceitável? Oras, porque quando isso acontece, o que sentimos é que não nos levam a sério, ou acham que o que falamos não tem importância, afinal, "eles sabem mais". Nós, bem, somos apenas umas "tolinhas" dizendo bobagens, mesmo se, no caso, a mulher em questão for uma ex procuradora e candidata a vice-presidência dos Estados Unidos!

Se para a gente o "manterrupting" é irritante, para os homens pode ser ridículo. Ontem, enquanto a comentarista Gloria Borger falava na CNN americana sobre as interrupções de Pencer, ela foi interrompida pelo ex senador Rick Santoro, que comentava as notícias com ela e decidiu insistir, interrompendo, que mulheres não eram mais interrompidas que os homens. Entenderam o absurdo?

Em 2018, a "interrompida" foi outra candidata a vice, Manuela D'Ávila, no programa Roda Viva. "Gostaria de falar, se vocês me permitissem". "Gostaria de retomar a palavra", disse Manuela, que na ocasião, segundo levantamento da campanha "Deixe ela falar", foi interrompida 62 vezes.

É horrível que isso aconteça? Sim, mas pelo menos estamos falando sobre isso. A verdade é que passamos a vida toda sendo interrompidas, ficando irritadas, mas nem percebendo o quanto isso era machista e inaceitável. Agora, que já sabemos, podemos responder com um: "desculpa, vice-presidente, eu estou falando" quando isso acontecer novamente. Chances não vão faltar, infelizmente.