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Conheça o TransEntrega, primeiro coletivo de entregadores trans do país

Tom Hackmann, de 28 anos, um dos fundadores do coletivo, participou em julho de 2021 do "Caldeirão do Huck" e trouxe visibilidade ao TransEntrega  - Reprodução/Instagram
Tom Hackmann, de 28 anos, um dos fundadores do coletivo, participou em julho de 2021 do 'Caldeirão do Huck' e trouxe visibilidade ao TransEntrega Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista de Universa

06/04/2022 04h00

Há dois anos, três amigos: Luana, La e Tom, decidiram trabalhar juntos fazendo entregas de bike na cidade de São Paulo. Nascia ali o primeiro coletivo de entregadores trans do país, o TransEntrega.

"Quando entrei, o coletivo tinha três meses de existência. Depois chegaram outros entregadores. Começamos a fazer captação de clientes e ir atrás de uma coisa", explica Eduardo Christian, de 29 anos, que é entregador há seis anos. Morador do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, há 19 quilômetros do centro da cidade, Edu já trabalhou como cobrador de ônibus, fiscal de linha, vendedor ambulante, auxiliar de limpeza e operador de telemarketing.

"Há seis anos resolvi trabalhar por conta. Fiz um curso de fotografia, que é o que gosto muito de fazer, e comecei a trabalhar na área. Só que, financeiramente falando, por eu ter filhos, não era suficiente. Então comecei a fazer entregas por aplicativo." O entregador também é mestre de bateria e dá aulas sociais de percussão para crianças em três escolas de samba da capital paulista.

Edu entrou na empresa quando o coletivo tinha três meses de existência. Antes já tinha trabalhado como cobrador de ônibus, fiscal de linha, vendedor ambulante, auxiliar de limpeza e operador de telemarketing. - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Edu entrou na empresa quando o coletivo tinha três meses de existência. Antes já tinha trabalhado como cobrador de ônibus, fiscal de linha, vendedor ambulante, auxiliar de limpeza e operador de telemarketing.
Imagem: arquivo pessoal

"Além de ser trans, eu sou o único negro do coletivo. Havia outras pessoas, só que sofreram acidentes, ficaram com traumas e foram fazer outras coisas. Depois da violência física e verbal sofrida por outro entregador do coletivo, fiquei com medo de sair na rua. E eu também já fui assaltado fazendo entrega. Esses motivos me deixam com bastante medo ainda, mas eu gosto do que faço, então não deixo o medo tomar conta", declara Edu.

Tato Fornazieri, de 26 anos, é outro membro do TransEntrega. Há dois anos no coletivo, ele diz que o trabalho no grupo foi um divisor de águas.

"Sou um trans homem, em transição há quase três anos. Descobri a minha transição em 2019, e isso revirou a minha vida. Perdi meu pai muito novo, e conheci a bicicleta aos 4 anos de idade. Na minha jornada dentro da transição, a bike foi fundamental, porque era um exercício que me agregava e eu amava fazer. Antes, andar de bicicleta era um hobby; hoje, é meu meio de trabalho", relata.

A história de Tato no TransEntrega começou em 2020, quando ele contatou o coletivo pelo Instagram. "Chamei eles porque eu tava em busca de um emprego, de uma oportunidade. Trabalhar com pessoas com histórias tão parecidas com a minha mudou a minha vida."

Até o ano passado, o perfil do TransEntrega era seguido por 3 mil pessoas no Instagram. Em julho, um dos fundadores do coletivo, Tom Hackmann, participou do quadro 'Quem Quer Ser Um Milionário?', do Caldeirão do Huck. No programa, Tom conquistou R$ 5 mil e amplificou o alcance do grupo de entregas. Desde então, chegaram 7 mil novos seguidores que participam ativamente contratando os serviços e compartilhando as informações do grupo nas redes.

"A ideia é crescer e dar mais espaço pra pessoas trans entrarem no mercado de trabalho", conta Tato, um dos intregrantes do coletivo - arquivo pessoal - arquivo pessoal
"A ideia é crescer e dar mais espaço pra pessoas trans entrarem no mercado de trabalho", conta Tato, um dos intregrantes do coletivo
Imagem: arquivo pessoal

O maior diferencial do coletivo frente a outros aplicativos de entrega é a remuneração mais justa aos profissionais. Uma encomenda de até três quilos, por exemplo, pode ser entregue num raio de um quilômetro por R$ 8. Ou levada por até 15 quilômetros por R$ 25.

Além disso, o valor cobrado é repassado integralmente ao entregador. Confeitarias, restaurantes e lojas famosas estão entre os clientes do coletivo.

O dia a dia dos entregadores, entretanto, é repleto de desafios. O maior deles é o trânsito caótico enfrentado na maior metrópole da América Latina. "Não respeitam os ciclistas. Nem quando a gente tá a pé, empurrando a bicicleta -porque dependendo do local é melhor atravessar empurrando a bicicleta do que pedalando -, é menos arriscado", expõe Edu.

E complementa: "E tem outras adversidades que complicam, principalmente quando tá chovendo muito forte. Eu trabalho muito no centro de São Paulo, onde há muitos pontos de alagamento, e é perigoso cair dentro de um buraco. Quando a chuva tá muito forte, eu paro a bicicleta, encosto e espero passar."

O profissional ainda aponta outros obstáculos no trabalho, como a falta de acesso à água para beber e lavar as mãos, e também fala sobre a rispidez com que é recebido em alguns lugares.

"Às vezes você chega com toda a educação do mundo, e o porteiro te trata de um jeito que às vezes dói, mas você tem que manter a postura pra continuar o trabalho."

Eduardo chega a percorrer até 70 quilômetros por dia de bicicleta. "É cansativo, mas também é prazeroso, apesar de todas essas adversidades que eu mencionei."

"A ideia é crescer e dar mais espaço pra pessoas trans entrarem no mercado de trabalho, terem pelo menos o pontapé inicial nessa nova vida, nessa jornada que não é fácil. Muitas vezes a minoria, como somos, acaba tendo outras fontes não legais de trabalho, então é muito importante que a gente cresça cada vez mais", projeta Tato.