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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que (e por que) temos que falar de sexo com nossos filhos e filhas?

monkeybusinessimages/Getty Images/iStockphoto
Imagem: monkeybusinessimages/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

07/08/2022 04h00

Há vários motivos que justificam falarmos sobre sexo com nossos filhos e filhas, inclusive na infância, respeitando a idade e a capacidade de entendimento de cada fase. Tem uma piada que explica bem o que quer dizer "entendimento de cada fase": a filha de 7 anos, aprendendo a ler, pergunta para a mãe: "Mamãe, o que é virgem?"; a mãe se embanana toda para responder, explica sobre a "primeira vez da mulher" e fica assustada com uma "pergunta sobre sexo" vindo da filha pequena. Daí a menina pergunta, lendo a embalagem de azeite: "E extra-virgem?".

Ao participar do podcast Sexoterapia aqui do UOL, com Bárbara dos Anjos Lima e Ana Canosa, aprendi algo a mais: devemos falar sim sobre sexo com os filhos, mas não necessariamente relatar nossa própria vida sexual, isso realmente não interessa para eles....

Por todas as entrevistas que já fiz sobre o tema e pela experiência que tenho com meus 3 filhos, entendo que o primeiro motivo para tocar no assunto é o mais simples: porque sexo é algo natural, é bom, e porque as pessoas nascem graças a relações sexuais. A palavra é essa: naturalizar o tema, inclusive para que pais e mães não se sintam envergonhados de falar disso (nem os filhos). Mas existe um outro motivo importante que é o de promover a prevenção: de doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a AIDS, de gravidez indesejada, de assédio, de abuso infantil. Importante também explicar esta diferença do que é o sexo seguro e com consentimento do sem consentimento e sem segurança.

Muitas vezes, especialistas falam em estabelecer o diálogo com crianças e adolescentes. Mas como promover este diálogo? Uma das dicas é propor assistirem juntos a um filme ou a lerem juntos algum texto sobre o que se quer conversar. A proposta pode ser feita tanto pelos pais quanto pelos filhos. Um dia fui fazer uma palestra para adolescentes e, no final do papo, um menino trans veio pedir minha ajuda como mãe. Ele queria muito falar com a própria mãe sobre ser trans, mas não tinha coragem e, em casa, ainda era uma menina. A situação provocava muito sofrimento. Minha sugestão foi justamente propor que assistissem juntos ao programa Papo de Mãe, que eu apresentava na TV Cultura, com uma família trans. Foram entrevistados neste programa um homem trans e uma mulher trans que tinham um bebê. O homem trans que tinha engravidado e o casal levou para a gravação o menininho fofo, que na época estava com 1 ano.

Falta de conhecimento gera preconceito e informar com respeito pode ajudar a combater isso. Tratar uma família trans de maneira natural, mostrar um lar construído com amor e carinho, poderia ali colaborar no entendimento da mãe e na abertura de um diálogo. Não falei mais com este menino, mas espero que a iniciativa tenha surtido um bom efeito.

Campanhas e o papel da escola

A primeira semana de fevereiro é conhecida como a semana nacional de prevenção da gravidez na adolescência e o dia 18 de maio é o dia nacional de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Datas assim são importantes também para promover o debate, a conscientização, o diálogo em família. Considerando o contexto brasileiro, enfrentar o abuso e a exploração sexual infantojuvenil é uma tarefa urgente: segundo dados oficiais divulgados em 2021, o Disque 100 recebeu 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes.

E aqui quero destacar também o importante papel da escola. Ao falar sobre todos esses aspectos com os alunos e alunas desde cedo, surge uma conscientização, inclusive, para que a própria vítima possa denunciar um abuso - pois ela precisa, em primeiro lugar, entender o que é, para identificar e denunciar. Isso não é ideologia de gênero, isso é educar.

Essa semana, uma menina de 11 anos que denunciou um estupro após ver uma peça de teatro que abordava o assunto. A apresentação aconteceu numa escola de Santa Catarina e o suspeito foi preso.

Infelizmente, existe no Brasil uma subnotificação dos casos de violência e exploração sexual. Pais, vizinhos, professores: toda a sociedade deve estar atenta para orientar e denunciar.

Temos que lembrar que cuidar de crianças e adolescentes e protegê-los de toda forma de violência é um dever compartilhado entre Estado, família e sociedade, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): "É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente".

O escritor Vini Campos, que tem 3 filhos adolescentes, já escreveu sobre o tema em sua coluna no site Papo de Mãe: "Pesquisas dizem que meninos com idades entre oito e nove anos, a maioria deles, já assistiu a algum vídeo pornô. Porém não falamos sobre sexo com os nossos filhos. Por que não?". Segundo ele, "vamos formando pessoas com tabus, medos, traumas, acreditando que aquilo que é o mais natural do ser humano, que mais dá prazer, que é o milagre da vida, merece ser escondido como se tratasse de algo sujo."

Como já mencionei em outros artigos, com a internet, a informação hoje em dia chega para todos e de qualquer jeito. Sabemos que até pedófilos podem se comunicar com as crianças. Então, como adultos responsáveis, temos que estar de olho e saber conduzir estas conversas da melhor maneira possível.

Sexoterapia #78 Uma pessoa quer, outra não: tem como alinhar desejo sexual do casal?