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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Verdade, tristeza e leveza: um guia sobre como falar de morte com crianças

Colunista de Universa

31/07/2022 04h00

Assim como nascer, morrer também faz parte da vida e é algo natural. Mas nossa sociedade não aprendeu a falar da morte, como se evitar o assunto pudesse evitar o destino de todos nós. Essa é a mais pura certeza que temos: todos vamos morrer. Claro que não é para lembrar disso todos os dias, mas acho importante naturalizar esta conversa, inclusive com as crianças.

Se morre alguém da família, por exemplo, não dá para esconder esta notícia com o objetivo de poupar um sofrimento. Aliás, também o sofrimento faz parte desta aventura que é viver. Por mais que seja triste, e que pais e mães com a melhor das intenções tentem poupar seus filhos e filhas de sofrer, isso é impossível. As frustrações e decepções precisam fazer parte do processo de crescimento e amadurecimento.

Gravei diversos programa de TV tratando deste assunto: como falar da morte com as crianças? Como dar a notícia? A criança deve ir ao velório? E ao enterro?

Especialistas explicam que, em primeiro lugar, devemos dizer a verdade. Que a pessoa morreu, que é triste, que ela não vai mais voltar. Claro que de acordo com a idade da criança e com o que ela é capaz de entender. Ouça também o que ela tem para perguntar, responda o que estiver ao seu alcance e deixe que ela fale sobre o que está sentindo. E você também seja sincera ou sincero sobre seus sentimentos. Pai e mãe também choram.

Acompanhar os rituais de despedida é uma decisão muito particular. É preciso sentir o momento, a situação. Mas participar pode ajudar no processo de aceitação do que aconteceu.

Crianças pequenas não precisam saber de todas as notícias de tragédias que acontecem, mas hoje em dia elas são bombardeadas de informações por todos os cantos, não dá para blindar. Então, é sempre bom conversar, explicar de um jeito simples.

Se o tema morte já costuma ser um tabu nas famílias, imagine se morre um pai ou uma mãe. Como conversar sobre esta dor? Um pai resolveu usar uma forma que hoje pode até parecer um pouco ultrapassada: escrever cartas. E assim nasceu cartasparamaria.com.br, de Rafael Stein. Ele é pai da Maria Clara e do Francisco e começou a escrever as cartas quando a esposa dele, mãe das crianças, morreu. "É para eles lerem no futuro", disse ele em entrevista ao Programa Papo de Mãe, que eu apresentava na TV Cultura. Stein é coautor do livro "Luto por perdas não legitimadas na atualidade" e do livro "Quando a morte chega em casa", voluntário na Casa Paliativa e membro do projeto Luto do Homem.

Uma outra dica de leitura é o livro De Mãos Dadas, recém-lançado pelo selo Paidós, da editora Planeta. Nele, Cláudio Tebas e Alexandre Coimbra Amaral tratam do luto com profundidade e leveza. O livro fala de acolhimento, de escuta e, acreditem, com bom-humor. Tebas é palhaço e educador pós-graduado em pedagogia da cooperação e Alexandre é psicólogo. Também aqui as cartas são um recurso utilizado, vejam que interessante!

Quando o terror atinge diretamente as crianças

Mais trágico ainda é quando as crianças estão envolvidas numa cena de terror, como ver a mãe ser assassinada pelo pai. Os números ainda alarmantes de feminicídios no nosso país mostram que a maioria das mulheres assassinadas por maridos, companheiros, namorados (ou ex) são mães.

Em geral, é o pai das crianças que mata a mãe. Criminosos que se recusam a aceitar o fim de um relacionamento, que praticam relacionamentos abusivos, violência psicológica e física. Deixam como vítimas mulheres que um dia disseram amar e seus próprios filhos. O Instituto Maria da Penha tem levantamentos assustadores sobre os órfãos da violência doméstica no Brasil. Para cada mãe assassinada são deixados órfãos 2, 3 filhos ou mais. E como ficam essas crianças? Onde estão as políticas públicas para a primeira infância? E o que os candidatos para as próximas eleições apresentam em seus programas de governo?

Nós, enquanto sociedade, precisamos nos unir em torno desses temas que são sim um problema de todos. Porque existe o drama individual, que mencionei no começo deste texto, mas existe também um drama coletivo de histórias de terror que não deveriam mais se repetir.

Viver também é tocar nas nossas feridas e nas feridas dos outros. Há coisas que não poderemos evitar. Mas outras são extremamente evitáveis com conscientização, prevenção, denúncias, cumprimento de leis, punição.

E quando falo de conversar com crianças, respeitando os limites da idade, é entender também que, conforme crescem, alguns assuntos não só passam a ser necessários, como também obrigatórios.

Diálogo pressupõe falar e também escutar. Como me disse o educador Rubem Alves numa entrevista: Sabe, eu vejo muito curso de oratória e pouco curso de escutatória.

Que falta nos faz Rubem Alves.