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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quando os pais deseducam

Consumo de álcool na adolescência: além de comprometer a saúde cedo, coloca o jovem em risco e é proibido por lei  - Getty Images/iStockphoto
Consumo de álcool na adolescência: além de comprometer a saúde cedo, coloca o jovem em risco e é proibido por lei Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

05/06/2022 04h00

Não é raro eu ouvir comentários de outros adultos dizendo que eu sou muito careta na educação dos meus filhos. São pessoas que me contam, muitas vezes rindo, seus "pequenos" deslizes propositais, pensando no que seria a alegria de suas crianças ou adolescentes.

Já tentaram me convencer, por exemplo, que fazer RG falso para o filho é ser uma mãe parceira, legal, moderna. Vamos dar o nome certo para isso? Chama-se crime. Crime de falsidade ideológica. Isso não é ser cuidador, é ser irresponsável.

Nós, como pais e mães, devemos assumir nossa condição de adultos na relação e ensinar o que é certo e errado. Aliás, é nossa obrigação. "Ah, mas adolescente tem que transgredir", me dizem. Só que não precisa transgredir cometendo crime, nem se colocando em risco e muito menos com a anuência dos pais.

Também já soltaram essa pra mim: "Sua filha fez todas as aulas da autoescola e já vai fazer a prova prática pela terceira vez? Mas que bobagem! É só "dar uma grana" que você consegue a carteira de motorista pra ela sem ter que fazer aula nem prova". Sim, mais de uma pessoa me deu este "conselho".

Ou seja: ensinam filhos e filhas que uma corrupção aqui outra ali não faz mal a ninguém, que o que vale mesmo é poupá-los de qualquer frustração e que papai e mamãe estão aí para o que der e vier. Um dia o rebento queima um indígena em praça pública e ainda vão culpar a vítima.

É deseducando assim que se cria uma próxima geração contaminada pelos mesmos horrores de hoje. É triste porque a maioria dos privilegiados pelos mimos não reage, não contesta —afinal, se beneficia deles e entende que está tudo bem, que vale a pena, que não tem problema.

Tenho sempre falado sobre os riscos do consumo de álcool na adolescência. Além de comprometer a saúde logo cedo, coloca o jovem em risco e é proibido por lei. Mas daí uma mãe coloca no grupo do WhatsApp que quando o filho de 14 anos chama os amigos, ela enche a geladeira de cerveja para eles se divertirem. Mensagem seguida de kkkkkkks. E seguem as pequenas corrupções do dia a dia, de quem acha que tudo se justifica. Menos a corrupção do outro, né?

Os que agem assim, normalmente são os primeiros a xingar os "políticos corruptos". Afinal, só uns mil reais por baixo dos panos para conseguir um RG falso ou uma carteira de motorista sem autoescola não faz mal a ninguém, né? Puro engano. Além de alimentar os esquemas do "jeitinho", do "tudo pode", do "leve vantagem", que estragam nossa sociedade, a pessoa estraga também todo e qualquer valor ou princípio que aquele ser humano em formação deveria ter.

Quando a criança é pequena, costuma acontecer a mesma coisa. Sem querer frustrar ou ouvir choro, os teoricamente responsáveis são capazes até de cometer bullying com outra criança para beneficiar um filho.

Ou furam a fila para tirar foto com o personagem na festa infantil, ou pegam uma lembrancinha a mais na saída do aniversário, mesmo sabendo que, com isso, outra criança vai ficar sem.

Pais e mães não devem ter medo de dizer não e de impor limites. Isso também é amar, educar, criar. Com respeito, é claro.

Não ache engraçado quando ouvir dos seus filhos uma piada sobre o colega que tem uma deficiência, nem o ache muito esperto quando ele te conta que colou na prova. Ensine, explique.

E não seja, por favor, aquele pai que no campeonato sub-13 do time de futebol fica gritando pra quebrar a perna do zagueiro do outro time ou a mãe que fica xingando o coitado do juiz.

Sejamos mais chatos com as crianças e adolescentes, mais caretas, mais responsáveis. O resultado certamente será positivo. Filhos e filhas até esperam isso da gente. Se sentem amados e cuidados.