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Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você também tem questionado as suas amizades durante a pandemia?

"Grace e Frankie", série da Netflix, retrata a amizade de duas mulheres após o divórcio  - Divulgação/Netflix
"Grace e Frankie", série da Netflix, retrata a amizade de duas mulheres após o divórcio Imagem: Divulgação/Netflix

Colunista de Universa

24/05/2021 04h00

De uns tempos para cá, têm surgido aqui e ali pessoas me falando sobre seus questionamentos a respeito das relações de amizade.

E adivinha? Eu mesma me encontrei atravessando esse processo de questionamento. Na real, mesmo antes da pandemia já vinha rolando isso, mas acredito que o isolamento ao qual os privilegiados foram expostos intensificou esse processo. Pelo menos por aqui. Não apenas do meu lugar, mas também vindo de depoimentos de gente ao meu redor.

Acho que nem precisamos entrar aqui no mérito sobre quanto a pandemia tem chacoalhado as estruturas das relações de modo amplo. Quantas separações e lavagem de roupa suja rolaram... E as relações de amizade, entram nessa dança? Opa, se entram! Algumas vezes, ouço questionamentos no sentido de "o que essa amizade me traz?" ou "essa pessoa não me motiva".

E me ponho a pensar no cabimento das amizades, na função. Do lado de cá, não costumo pôr meus amigos nessa relação de troca mercantil de "o que ganho com isso?". Não espero que meus amigos me deem ou ofereçam coisas ou saberes. É claro que muitas vezes isso acaba rolando. Mas, para mim (e esse é um artigo de opinião), essa não é a finalidade da relação. Quando tô interessada em conhecimento, volto-me à academia ou para pessoas que possuem os saberes que busco. O interesse é no xamanismo? Vou até um xamã. Quem é esse tal de Hegel? Vou ler (tentar) o cara e seus estudiosos.

Penso muito na figura no amigo como essa pessoa com a qual posso trocar de fato, me abrir tal qual mala veja, sem filtro. Quase como aquela relação do divã, mas sem o sofazinho e com uma boa dose de parcialidade e acolhimento. (risos)

Mas, como toda relação, tem o atrito, tem o desconforto. E eu tenho questões que se agigantam quando esses desconfortos não podem ser ditos e discutidos. Você pode virar para mim e dizer como disse a participante de um reality dia desses: "Ah, Fabi, tem diversos tipos de amizade. E para cada qual você endereça questões e modos específicos". A miga da zoeira, a miga das ideias, a miga salvadora que vem quando você está na fossa.

Em uma sociedade que enaltece a figura do especialista, o amigo também acaba assumindo esse papel. Amigos especializados em tal tema ou ação, como se existissem prateleiras de amigos

Eu acho que até consigo entender o conceito, mas não pratico muito bem. Ah, então todas as suas relações de amizade são iguais? Têm o mesmo padrão? Claro que não. Respeitamos a subjetividade e as idiossincrasias por aqui. Mas tem uma coisa a qual não consigo dispensar nas relações: o dito. Não tenho a ilusão, nem a pretensão ingênua de que tudo deve ser dito. Mas, idealmente, os incômodos precisariam ser ditos em algum tempo. Não no teu tempo ou no do amigo, mas algum tempo.

Basta um simples "Tô incomodada, tem um 'isso' que não sei dizer ainda o que é, mas tem. Vou elaborar e volto pra te contar".

Ao mesmo tempo, enquanto escrevo, fico pensando no quanto de exagero e ingenuidade tem nisso de achar que as coisas possam ser ditas. Talvez não.

Talvez aconteça do que não é dito permanecer em um tamanho que não incomoda e a relação segue. Mas e quando isso cresce? Quando, em vez de bode, o bicho se torna um elefante? E pensa em um elefante não dito? Risos. Ele se faz presente! Não tem jeito.

Bom, tudo isso para dizer que acredito demais nas lavanderias. Aliás, adoraria ter uma. Adoro aquele cheirinho, me traz paz e conforto. Por que a gente ainda tem tanta trava para falar? Por que discussões são ditas como algo ruim e negativo? Debate honesto de ideias é a coisa mais linda de se ver. E não, ninguém precisa concordar. Mas há muita beleza em dizer e escutar. Quanto alívio e tranquilidade surgem ao deixar aquilo tudo fluir? Mas, para isso, é preciso querer dizer, é preciso querer escutar e é preciso aceitar. Ou não, né?

Se não achar bom, nem aceitar, encerram-se as atividades. Não queria terminar o texto com algo que pareça negativo, mas o excesso de positividade pode ser altamente hipócrita e insalubre.