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Ana Paula Xongani

Ela constroi peças a partir do que já tem e faz arte de respeito

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

22/10/2020 04h00

O que primeiro me chamou a atenção em Beatriz Loren foram os dreads, claro! Não era qualquer dread. Eram dreads azuis, que sempre me transmitiram a coragem de uma pessoa que, com o sorriso mais perfeito que eu conheço, queria conquistar o mundo. Não qualquer mundo. O seu mundo.

Beatriz Loren, que é de Salvador, quer escrever sua história com o nome que veio à Terra, o nome escolhido por sua "mainha": Beatriz. "Não é Bia. É Beatriz!"

Formada em Negócios da Moda, ela tem carreira dedicada a todo o processo da moda, com vivência e experiência em todas as etapas: da pesquisa e compra de materiais até o desfile. Hoje, ela, que partiu da moda, se faz presente em muitos outros setores, sempre com o conceito UKI, sobre o qual conversei com ela para a coluna.

"UKI não é apenas pra aprendermos a ter "comportamentos sustentáveis", sabe? Pontuais, desconectados. UKI é para que a gente desenvolva uma mentalidade sustentável e responsável com a família, com a comunidade que a gente vive, com nosso entorno, com a cidade, o país e, consequentemente, com o planeta. E a ideia é fazer isso de forma humorada e acolhedora, para que todo mundo acredite que pode encontrar soluções criativas e conscientes para seu dia a dia e que isso seja orgânico, um hábito", conta.

Conversando com ela, quis entender, antes de tudo, como a moda passou a fazer parte da sua vida, em que momento será que a moda a atravessou. "Olha, no começo eu não gostava de dizer que gostava de moda não, pois parecia que era um padrão que eu tinha que ter, sabe? A moda que eu via era muito "padronizada" e eu não fazia parte daquilo. Na escola, no entanto, sempre diziam que eu era "estilosa" e eu relutava. Mas, a verdade é que sempre busquei ser a diferentona e usar coisas pequenas que me traziam uma certa originalidade, personalidade."

Beatriz me contou ainda que foi apenas na faculdade que "aceitou de coração" esse caminho, ainda que não tenha sido assim, imediatamente. "No início eu só achei que estava indo ali fazer uma coisa diferente. Tanto que na época fazia também faculdade de Recursos Humanos. Minha mãe queria saber que hora eu ia trabalhar e não apenas estudar. Então, comecei a trabalhar também como manicure para segurar todas as pontas. Me virei nos 30, mas deu tudo certo e consegui."

Antes da UKI, Beatriz estagiou na confecção do seu padrinho e entendeu uma perspectiva diferente da moda. "Não apenas o close, mas o corre", explica. Entendeu como funcionavam as coisas, qual era o caminho para que uma peça de roupa surja e a trajetória dela até as pessoas, cada loja, cada consumidor. "Eu tinha um papel de gerente de produção, foi uma experiência incrível."

Entendo muito essa negação da moda que ela me contou durante a entrevista e é até por essa razão que aceitei o convite de estar nesta coluna propondo novas perspectivas. A moda sempre foi - e ainda é muito - sinônimo de um padrão branco, magro e rico, deixando muita gente de fora. E o UKI, assim como esta coluna, mostra que não, que a moda é um lugar de pertencimento a todes.

Depois da faculdade, Beatriz se mudou para São Paulo e, por um tempo, quando caminhava pelas ruas dos bairros de Perdizes e Higienópolis, ficava inconformada com a quantidade de itens de qualidade e em excelente estado que via pelas caçambas e calçadas. Passou a reaproveitar tudo e realizar brechós para vender. Ficou conhecida e passou a ser indicada em grupos do Facebook para realizar seus trabalhos. Pra ela, esse momento foi a virada da chave.

"Foi uma coisa bem louca. Mas, acho importante mencionar que o UKI sempre existiu em minha vida. Olhando pra trás, entendo que é algo que veio da minha avó para minha mãe, que veio pra mim e que, certamente, irá para os filhos que vou gerar. Essa coisa de fazer com o que tem é muito comum para as pessoas que vem de onde venho, das favelas e comunidades. A gente faz muito uso da criatividade para reaproveitar as coisas e dar novas possibilidades a elas".

Depois, Beatriz começou a criar quadros em suas redes sociais sobre o conceito, com dicas, reflexões e humor. "Não queria que as pessoas pensassem 'lá vem aquela menina chata', mas sim que meu conteúdo mostrasse a elas que elas podem fazer as coisas porque terão benefícios com isso, que podem fazer essas escolhas com felicidade também, e não por obrigação. Quando começaram a me indicar, entendi que estava no caminho certo, que tinha encontrado meu propósito. E, hoje, entendo que UKI não é só moda. UKI se aplica aos móveis, à gastronomia, às dinâmicas do dia a dia. UKI é tudo!"

Para o futuro, Beatriz me conta que seu desejo é que este conceito se expanda e tenha um impacto maior e duradouro mesmo, algo para um novo tempo. "Eu quero que as pessoas abracem e façam isso como se elas tivessem tomando banho. Que seja uma coisa intrínseca, que seja como nossos comportamentos e hábitos mesmo, desses que a gente herda e faz assim, automaticamente. Que seja leve e tranquilo fazer esse movimento. Porque se a gente entende que dá pra fazer as coisas com o que a gente já tem, que dá pra reaproveitar muita coisa, a gente tem mais tempo na Terra, ao lado dos nossos. A gente tem mais condições de deixar esse território adubado e forte para as próximas gerações. Esse é o meu desejo", afirma.

E eu concordo com ela e como compartilho desse desejo, que já é meu também.

Pois bem, Beatriz Loren, agradeço demais pela inspiração, pela entrevista, pela conexão neste momento. Que UKI seja próspero e voe. E que esta coluna ecoe todas as coisas maravilhosas que você tem a compartilhar! Obrigada!