Ana Canosa

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Opinião

Estupro contra homens: como 'Bebê Rena' explora a vulnerabilidade masculina

A minissérie "Bebê Rena", sucesso estrondoso da Netflix, aborda um assunto pouco discutido: o estupro cometido contra homens. É muito automático associar a vítima de assédio sexual ou estupro com a figura feminina, até porque estatisticamente a violência sexual é maciçamente cometida contra mulheres ou pessoas que expressam 'feminilidade'.

Atestar que os homens podem ser vulneráveis sexualmente é macular a imagem social construída de uma masculinidade que "deve" ser uma potência fálica absoluta. É preciso desconstruir essa ideia, senão continuaremos falhando na prevenção de violência sexual perpetrada contra meninos e adolescentes.

Sexo sob drogas

Embora o estupro contra homens possa acontecer em variados contextos, o enredo mira na violência que pode ocorrer com praticantes de chemisex - a associação do sexo com drogas psicoativas - e no quanto pode ser difícil perceber a linha tênue que separa o prazer e a dor, a euforia e a depressão. Os estudos sobre chemisex têm mostrado que a prática tem curva ascendente ao redor do mundo e é mais prevalente entre homens que fazem sexo com outros homens.

A função é facilitar as sessões sexuais, que muitas vezes duram horas ou dias e com vários parceiros. Se de um lado drogas psicoativas amplificam sensações, quando os riscos não são calculados, podem gerar problemas metabólicos, psiquiátricos, sociais, criminais e levar à morte. A diminuição de consciência provocada pelas substâncias, aumenta a vulnerabilidade para contaminação de ISTs, e nubla a capacidade de consentimento, facilitando a violência sexual.

Embora o fomento ao prazer sexual seja o que mais motiva os praticantes, alguns pesquisadores apontam para outro componente: a homofobia internalizada devido ao estresse de minorias. Enquanto vivemos em uma sociedade que marginaliza e pune a homossexualidade, pessoas que tem essa orientação e também pessoas bissexuais buscam escondê-la, o que dificulta a formação de vínculo afetivo para o estabelecimento de relações de compromisso.

Como ter um namorado se ninguém aceitará a expressão desse afeto?

O sexo casual fica como a única maneira que a pessoa encontra para entrar em contato com outras da mesma orientação sexual, muito embora o desejo de ser amado em profundidade possa estar presente. Essa coexistência entre negação e vontade de estabelecer vínculo emocional pode não ser consciente e ser experimentada como uma contradição de difícil aceitação.

Além disso, fica complicado afirmar a identidade pessoal sem aceitarmos uma parte inerente que é a nossa sexualidade e essa integração pode ser bem mais difícil para pessoas LGBTQIAPN+. Às vezes é a própria identidade sexual que não consegue se alicerçar, noutras é o conjunto de habilidade e aptidões capazes de produzir e criar.

O homem vulnerável

Em "Bebê Rena" esses aspectos estão sempre se retroalimentando, em uma montanha-russa de sucessos e fracassos, que não são sustentados emocionalmente pelo protagonista. Se ele estivesse mais confortável com a sua identidade, seria mais fácil legitimar as experiências de prazer sexual com as suas parcerias.

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Ao abordar a vulnerabilidade masculina nesse campo, o enredo mostra também o sexo sendo via de "solução" para outras questões, como a necessidade de prestígio e poder, tão associada ao dinheiro e ao sucesso profissional.

A violência sexual contra homens é também atravessada por contextos hierárquicos, assim como os abusos morais que acontecem no ambiente de trabalho que são visivelmente um fenômeno dessa masculinidade tóxica, que pode não envolver sexo genital, mas a sexualidade na perspectiva de gênero.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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