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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Função ‘pronto para o date’ poupa energia de quem não quer só papo no app

Vincenzo Landino/Unsplash
Imagem: Vincenzo Landino/Unsplash

Colunista de Universa

22/04/2023 04h00

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Em uma passagem do livro "Coisas humanas", de Karine Tuil, o personagem Alexandre, interessado em uma relação sexual, usa um app de relacionamento para encontrar uma mulher, mediado por um contrato de "consentimento claro e inequívoco". Ao enviar uma 'solicitação' via funcionalidades do app para uma garota que lhe interessava, expõe suas preferências sexuais, como usar linguagem explícita, preservativo, mas recusar BDSM ou troca de vídeos e fotos. A garota, por sua vez, envia as preferências dela, bastante assemelhadas, mas recusa a linguagem explicita. Alexandre, visualizando que seus arroubos excitatórios poderiam levá-lo a soltar uma frase ou expressão que pudesse sugerir ofensa - colocando abaixo o acordo consentido - desiste dela. Ao encontrar uma outra jovem que também validasse a 'linguagem explícita', bem como suas outras prerrogativas sexuais, eles partem para o encontro no seu apartamento, que é deliciosamente narrado pela autora em uma sucessão de desejos, expectativas e humores desencontrados, tornando nebuloso o "[...] consentimento dado e recebido, tanto para os personagens, quanto para o leitor".

Embora pareça bizarra a necessidade de ser tão específico assim na proposição sexual das práticas e comportamentos desejáveis, as discussões sobre consentimento sexual têm fomentado a busca por soluções, ao menos no plano objetivo dos termos que possam ser acordados entre os envolvidos. O App happn, por exemplo, acaba de lançar a "Pronto para o date", que permite "que solteiros expressem quando estão prontos para se encontrar na vida real, sem medo ou pressão". Essa função fica na tela de troca de mensagens e aparece como notificação no chat entre os envolvidos no "crush", com o objetivo de integrar a noção de consentimento diretamente no app. A opção permanece secreta até que ambos a tenham acionado, sinalizando que já é possível combinar um encontro.

É possível que, quanto mais esclarecidos os termos do contrato relacional, menor a chance de alguém ser acusado(a) de invadir limites como os que acabam na importunação sexual, abuso sexual e estupro. Por outro lado, cabe ressaltar que a intenção não significa concretização, pois alguém sempre pode mudar de ideia no meio do rolê - ou seja, o fato de alguém se interessar em fazer sexo com outrem não significa que ainda, durante o encontro, o consentimento não tenha que ser validado. Há tantos atravessamentos de gênero, como o condicionamento feminino para o sim, as relações estabelecidas de hierarquia e poder, que um sim pode não ser uma afirmação de desejo, mas uma resposta de subserviência e, muitas vezes, de sobrevivência.

A checagem de preferências no App, a meu ver, serve também para garantir não só consentimento, mas o sucesso de um encontro, ao menos na fantasia dos que desejam otimizar tempo e frustração. À similaridade da função dos eletrônicos, os humanos vão também entrando no modo de economia energética, agora com ferramentas tecnológicas de mediação. No entanto, há que se observar que nuances na personalidade das pessoas não são facilmente capturadas pela linguagem escrita ou falada. Menos ainda dá para checar compatibilidade sexual por troca de mensagens ou questionários preenchidos. Ainda precisaremos do encontro, pelo menos por enquanto. E humanos são imprevisíveis. Que ruim, mas que bom.