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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Gastar dinheiro com amantes pode ser considerado infidelidade financeira?

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Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

08/11/2022 04h00

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Um dado de uma pesquisa revelada semana passada pelo Gleeden.com, app de relacionamento para relações extraconjugais e não monogâmicas, deu o que falar. Após ouvirem cerca de 7 mil usuários, com o objetivo de mapear maridos e namorados sobre "infidelidade financeira", chegaram aos 50% que gastam dinheiro com amantes.

Cerca de 6% consideram como "despesa pessoal" o gasto com casos extraconjugais, já reservando um dinheiro para tal. Ao menos são previdentes, não é mesmo?

Mais dados divulgados dizem que 44% dos entrevistados assumiram que fazem isso "às vezes" e o restante que nunca cogitou a prática - esses últimos menos diligentes, já que é impossível não gastar algum dinheiro em um encontro sexual - em um motel, um restaurante, um café...que seja a gasolina do carro, o estacionamento do shopping, ou o valor do carro de app - a não ser que a outra parte pague tudo. Não computar esse valor no orçamento, no final das contas, os torna menos confiáveis financeiramente do que os que colocam na planilha pessoal.

Segundo a diretora de comunicação do app, os homens fazem uma espécie de "caixa 2" para se relacionarem com uma ou mais amantes - sendo que 64% fazem esses gastos apenas em dinheiro - dificultando o flagra através da fatura do cartão de crédito. Sabidinhos...

Atestar que isso é infidelidade financeira, é um tanto arriscado. Uma coisa é a infidelidade e o que isso envolve diante do contrato afetivo-sexual do casal e do regime de bens. Se a proposta é monogâmica e alguém trai a parceria, não há como passar a mãozinha na cabeça. Justificativas temos aos borbotões, é possível inclusive compreendê-las, mas não resolve o estrago que faz.

Agora, só passa a ser infidelidade financeira, a meu ver, quando o acordo do casal sobre suas finanças é o da total transparência sobre ganhos e gastos e alguém esconde o seu quinhão. 59% dos respondentes da pesquisa fazem parte desse grupo, pois escondem parte do que ganham de suas esposas. Essa conduta, a bem da verdade, pode nem estar ligada à infidelidade conjugal.

Se um casal decide que há o nosso dinheiro e o meu dinheiro, então cada um faz com a sua parte o que eu bem entender. Se vou investir ou gastar com tecnologia, esporte, roupa, sapato, presentes, pagar as contas dos meus pais ou motel com amante, a decisão é exclusivamente minha.

Não vejo onde caracterizar uma infidelidade financeira aí. A não ser, é claro, que o regime seja de comunhão total de bens, o que significa que, lucros e dividendos recaiam também sobre a parceria conjugal. Daí, se o sujeito faz uma dívida no cartão de crédito - porque resolveu encher a sua amante de mimos, ou se assumiu as parcelas da faculdade dela, do flat onde ela mora, etc, está praticando as duas modalidades de infidelidade.

A questão aqui levantada é importante, porque chama a atenção para o fato de que os casais não têm isso claro. A conversa sobre finanças é difícil porque envolve escolhas sobre o que gastar no presente e o que poupar para o futuro, de forma que se algum dos dois não é totalmente transparente, e toma decisões unilaterais (seja com amantes caras ou cavalos lentos, por exemplo), há claramente um comportamento de má-fé, esteja ou não ligado à infidelidade conjugal.

Ainda mais porque o casamento pode não ser para toda a vida e que na hora de uma separação, divisão de bens é um transtorno e, muitas vezes, nos deixa em apuros. E ninguém deseja recomeçar a vida com ainda mais boletos a pagar.
Sem contar que uma separação torna todo mundo muito sensível, emocionalmente abalado. Usar o dinheiro como arma para aplacar ressentimentos é muito comum. Se juntar a dor da infidelidade conjugal, daí é guerra na certa!

O fato é que a grande maioria dos casais não possui dinheiro infinito e passa por privações, sendo necessário portanto decidir quanto, quando e como gastar. Se essa decisão é feita em conjunto, enquanto o marido, por exemplo, reserva sorrateiramente 10% de seus rendimentos para as "queridas", a infidelidade conjugal é também financeira.