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Ana Canosa

Você prefere gozar ou estar magra? Resposta feminina ainda surpreende

 Tem coisa mais gostosa que comer bem, beber bem, dar risada e fazer sexo? - Getty Images/iStockphoto
Tem coisa mais gostosa que comer bem, beber bem, dar risada e fazer sexo? Imagem: Getty Images/iStockphoto

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

18/12/2020 04h00

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Outro dia a escritora Renata Correa escreveu no seu perfil do Instagram sobre uma enquete que fez em 2015 onde perguntava para as mulheres se elas preferiam ser magras ou gozar. Na época, ela se surpreendeu com a quantidade das que responderam que preferiam ser magras. Na reflexão da sua postagem de 5 anos atrás, reconhece que avançamos na luta pela libertação da pressão estética, mas que ainda somos muito atravessadas por ela.

Gozar é uma resposta do corpo a um acúmulo de tensão. Emagrecer, para boa parte dos mortais, também não deixa de ser. A diferença é que o processo de gozo sexual é prazeroso, enquanto o do emagrecimento, ao contrário, é de sofrimento e falta. Nunca ouvi ninguém falar, com sorriso nos lábios, que está amando fazer uma dieta.

A mulher que prefere gozar a se torturar, subverte a ordem e não se rende aos padrões. É uma rebeldia contra a contenção. Tem coisa mais gostosa que comer bem, beber bem, dar risada e fazer sexo?

Do contrário, muitas mulheres que trocam o gozo sexual pelo gozo da imagem, vivem mais aprisionadas no sistema de controle do prazer, que através de suas pedagogias culturais, vão moldando as performances desejadas. A moda, por exemplo, só atualmente mais democrática, tem sido apontada também como esse dispositivo de contenção, quando estimula a produção de um corpo para caber nela, e não o contrário, ou seja, espera-se que um corpo (específico) vista a roupa e não que a roupa vista todos os corpos.

Orgasmo de prateleira

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o Brasil tornou-se recordista mundial em número de cirurgias plásticas, sendo que houve um aumento de 141% de adolescentes de 13 a 18 anos na última década. Por que nos sujeitamos a viver rodeadas das tantas contenções desnecessárias?

A pesquisadora Valeska Zanello criou uma excelente metáfora para explicar como os estereótipos de gênero medeiam o ideal estético vigente: a prateleira do amor. Nela, recebem destaque as mulheres que preenchem o modelo supremo: brancas, loiras, magras e jovens; o restante vai sendo colocado as margens e ao fundo. Mulheres pretas, gordas, trans, com deficiência e velhas no fundo da prateleira, em posição de desvantagem.

A rivalidade feminina para estar no topo da prateleira mantém também a lógica do corpo feminino objetificado, produto de consumo e todos os seus adornos. Ganham-se destaque a imagem e o rótulo. Não me espanta que o gozo da magreza seja ainda o mais desejado.

O gozo pode assumir diversas características subjetivas. Diz-se que gozamos quando transbordamos de prazer e sim, o prazer é muitíssimo variado. Eu posso dizer que comer uma comida deliciosa é um "orgasmo", uma atividade física, uma noite bem dormida. O problema é quando o prazer está no controle obsessivo do próprio prazer, para voltar a fazer parte da prateleira, em lugar de destaque.

Alguns estudos têm demonstrado que os padrões socioculturais femininos na expressão do gênero através do modelo de "corpo perfeito" é fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, bem como impactam a sexualidade da pessoa quando o distúrbio está instalado. A dificuldade de aceitação ou distorção da imagem corporal, colocam o sexo como fonte de estresse, provocando dificuldades na resposta sexual.

A imagem do prazer

Em recente pesquisa sobre função sexual de pacientes com distúrbios alimentares, 77,5% deles pontuaram experimentar emoções negativas durante o sexo, contra 35,2% dos que não sofrem dos distúrbios. A anorexia nervosa, por exemplo, está relacionada com menor interesse e satisfação sexual, além de escassez de fantasias, menor excitação, lubrificação, orgasmo. Outro estudo aponta também a dor durante a relação sexual como consequência. Em contrapartida, quem sofre de bulimia apresenta maior atividade sexual, desinibição e multiplicidade de parcerias, sendo a manutenção da imagem atraente um principal motivador para a busca do contato físico com outras pessoas, a fim de uma espécie de validação emocional. Pessoas com transtorno alimentar compulsivo podem também sofrer modulações no desejo sexual, a partir da frequência de comportamentos compulsivos alimentares e oscilações de humor.

A autoimagem é parte integrante do conceito de autoestima. Peça para uma mulher descrever seu rosto e seu corpo e verá como estamos adoecidas. O reforço a aspectos negativos é exponencial. O processo de emagrecimento torna a situação mais crítica, porque a imagem é sempre idealizada - e como é assim - nunca pode ser conquistada.

No Brasil, segundo dados da pesquisa Mosaico, 44% das mulheres tem alguma dificuldade para atingir o orgasmo. Sabemos que isso acontece em decorrência dos problemas com a autoimagem corporal, relação sexual carente de erotismo e estimulação adequada, falta de informação, desconhecimento do próprio corpo e da resposta sexual e sentimentos de culpa e medo, por repressão sexual.

Depositar no outro a responsabilidade pelo próprio prazer, ou se ver como um prolongamento do prazer alheio, também desfavorece que as mulheres invistam, elas próprias, nas práticas que mais lhes favorecem o gozo. Os problemas físicos que justificam um transtorno do orgasmo são estatisticamente menores.

A resposta sexual feminina favorece que as mulheres tenham uma resolução mais longa, o que pode favorecer ter orgasmos múltiplos, pois o corpo leva mais tempo para voltar ao estado anterior à excitação. Isso significa que a mulher vai usufruindo da dopamina, substância responsável pela motivação e foco, por mais tempo. Após um orgasmo, enfrentar o mundo fica muito mais fácil e divertido, totalmente o contrário de quem já sai com o estômago roncando, ou de mau humor porque a roupa está apertada.