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Ana Canosa

Quando a química sexual não acontece: desistir ou insistir?

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Imagem: Getty Images

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

08/09/2020 04h00

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Beatriz foi criada no interior, mas mora na capital. É dona do próprio umbigo, da própria moradia e paga as suas contas.

Tá na casa dos 30 anos, o que a faz arrepiar todos os pelos louros do corpo só de pensar em envelhecer. "Estou ficando velha", ela diz, para em seguida, ao se dar conta da minha presença, me pedir desculpas gaguejando um pouco.

Já fez terapia para dar conta de uma mãe controladora, tradicional, que fala pelos cotovelos e é dramática até depois do segundo ato, um pai passivo e uma irmã que, segundo ela, é meio esquisitona. Seu último relacionamento foi psicologicamente abusivo, daqueles cheios de ciúme, controle e muitas brigas, mas ela trabalhou firmemente e conseguiu abrir mão da parte que carrega da mãe dentro de si.

Agora ela veio em busca de ajustar tudo com o seu novo parceiro, Fernando, que na verdade é um crush dos seus 20 anos. Eles têm muitos valores em comum, além de ele ser fofo, inteligente e doido por ela. Se reaproximaram nos últimos meses e nessas de aproveitarem o período de solteirice para tirar o atraso da tensão sexual acumulada, da necessidade de carinho e toque, acabaram criando uma relação de intimidade e apoio mútuo.

Tudo parece tão encaixadinho, salvo que ela não suporta o cheiro dele. Não é o perfume, não é a falta de banho, mas um odor que ela sente quando se beijam. Não é bafo, não é mau hálito. Fuma? Não. Nem escondido? (Porque fumantes acham que uma bala de menta resolve.) Depois de muito questionar, é o cheiro do hálito dele que não rola. O mais curioso é que Beatriz não lembra de ter sentido isso antes, na época das ficadas juvenis.

Para compreender melhor se era possível promover esse excelente PA ao cargo de namorado oficial, com vistas a fazer carreira conjugal, Beatriz e eu avaliamos dois conceitos importantes sobre satisfação sexual. Um diz respeito à habilidade no sexo, algo que é possível desenvolver. Ninguém nasce sabendo fazer um sexo oral maravilhoso, não é mesmo?

Muito embora algumas pessoas tenham mais dificuldade de se abrirem e explorarem seu erotismo, penso que a maior parte de nós é, sim, capaz de melhorar sua performance na cama. Sobre esse quesito, Fernando era ok.

O outro é sobre química sexual, um daqueles conceitos que ninguém explica direito, já que sentir é a melhor definição. É como uma peça de quebra-cabeça que encaixa perfeitamente.

Aquela "pegada" que torna real seus devaneios eróticos, uma coisa de pele, uma explosão que flui com naturalidade e que o nosso corpo decifra antecipadamente. Embora a tal química da atração tenha vários componentes, pesquisadores alemães identificaram que ela acontece quando encontramos parceiros com um sistema imunológico diferente do nosso.

O responsável por essa compatibilidade é o antígeno leucocitário humano (HLA) e os nossos neurônios olfativos identificam o HLA sem que tenhamos consciência, através dos odores encontrados no suor e na saliva.

Mas qual seria a explicação para o fato de Beatriz ter tido duas percepções completamente distintas da incompatibilidade do gosto de Fernando? Ela pode ter sido traída pela memória ou alguma questão fisiológica especifica que tenha modificado a química entre eles nos diferentes períodos que se relacionaram?

Fiz algumas investigações com colegas e estudos, e encontrei uma teoria que envolvia a ingestão de pílulas contraceptivas hormonais, que "casava" com o histórico dela. Sob o efeito de pílulas anticoncepcionais, que levam os níveis hormonais iguais aos da gravidez, o DNA mais favorável é justamente um que seja familiar e não o opositor, o que acontece quando tem um ciclo normal. Aliás, não é incomum mulheres grávidas começarem a recusarem seus parceiros durante a gestação, voltando ao normal após o nascimento do bebê.

Com os homens também pode acontecer um estranhamento "químico", derivado da orquestra hormonal. Mas essa tese não é sustentada para todos os casos; há uma gama enorme de possibilidades na compatibilidade, o que pode não produzir efeitos tão impactantes na aceitação corporal do outro.

Enfim, Beatriz não achou que valia a pena investir todas as fichas nessa relação, mesmo que Fernando fosse teoricamente o melhor candidato a marido do mundo. Beijoqueira por natureza, sexo com conexão é um esporte que ela gosta muito, portanto não fazia sentido garantir só um dos fatores a fim de aplacar a angústia de ficar para titia.

Trabalhamos bastante essa crença que vira e mexe retorna ao imaginário feminino e focamos no seu desejo e na capacidade de não ter controle sobre tudo. Ainda mais sobre o inusitado mundo afetivo.

Atualmente, Bia está com o novo namorado, também um velho conhecido. Ah Beatriz, você e essa mania de reeditar suas histórias. Ao menos este, na questão sexual, parece ter um sistema imunológico bem diferente do seu.