'Dá um Bing aí'

Com ChatGPT, Microsoft quer derrubar o 'dá um Google' e já ensaia fim do trabalho chato

Guilherme Tagiaroli De Tilt, em São Paulo René Cardillo via Dall-e/UOL

"Dá um Bing" é uma frase que talvez pouca gente (ou ninguém) tenha jamais dito. Afinal, a referência na pesquisa online é o Google. Mas a Microsoft está prestes a mudar isso ao adicionar ao seu mecanismo de busca o robô inteligente da moda, o ChatGPT.

Tilt usou o serviço com exclusividade nas últimas semanas, já que não tem data para chegar a todos.

Em vez de apenas exibir a pesquisa de um assunto e páginas e páginas com vários links, o novo robozinho da Microsoft se engaja numa conversa, resume em texto e até dá as respostas para perguntas complexas de forma aceitável.

Se der certo, o movimento vai alterar para sempre como as pessoas navegam na internet. Os planos da Microsoft para demolir o domínio do Google nessa área (93% do setor contra 3% do Bing) começaram ainda em 2019, quando ela investiu US$ 1 bilhão na OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT, para que criasse uma inteligência artificial.

Em 2023, anunciou um novo investimento bilionário por múltiplos anos, estimado em US$ 10 bilhões por sites especializados de tecnologia.

O furo na estratégia é de ordem tecnológica. Às vezes, o Bing —assim como outros chatbots— solta diversas "abobrinhas": até produz respostas em textos bem escritos, mas que às vezes não fazem sentido ou tem informações incorretas.

René Cardillo via Dall-e/UOL

ChatGPT já nasceu defasado

A Microsoft, porém, solucionou muitas das limitações do ChatGPT, como o desconhecimento sobre acontecimentos recentes e indisponibilidade do serviço, e tem corrigido falhas rapidamente. (O ChatGPT foi treinado com dados até o fim de 2021. Ou seja, as informações que ele digeriu para responder perguntas têm um lapso temporal de mais de um ano.)

A "mágica" por trás disso é o que a Microsoft chama de Prometheus. Esse sistema combina o índice de busca do Bing, o ranqueamento de sites e resultados de pesquisa com as capacidades de síntese e organização de informações do ChatGPT.

Com isso, o robô da Microsoft supera seu antecessor, pois "se alimenta" dos melhores links exibidos na busca e responde requisições com informação fresquinha.

Por isso, ele não derrapa onde o ChatGPT capota. Em testes feitos pelo UOL Esporte, o chatbot disse, por exemplo, que o piloto Ayrton Senna tinha morrido em 1990. O Bing até descreve o acidente de 1990, mas diz que Senna continuou a correr com o carro danificado.

A outra vantagem é que ele exibe os links de referência em suas respostas, coisa que o ChatGPT ignora solenemente.

Por tudo isso, o chatbot da Microsoft é uma arejada no sempre estanque mercado de pesquisas online e já é a maior novidade das buscas desde que o Google criou o Social Graph, uma ferramenta que associa fatos, eventos, personalidades e entidades para exibir informação sem que as pessoas precisem clicar em um link.

As perguntas que o Bing vai responder pra você

Na prática, o robô da Microsoft funciona como um buscador online, mas em formato de conversa. Você pergunta, e ele responde com uma pitada de traquejo social. Para ajudar a guiar o papo com uma ferramenta que conhece tudo —pelo menos tanto quanto está na internet—, a empresa descreve assim as capacidades do modo chat do Bing:

  • responder perguntas complexas, como quais pratos posso fazer para uma criança que só come vegetais na cor laranja;
  • refinar respostas, como quais são os prós e contras dos 3 aspiradores para animais de estimação mais vendidos;
  • dar inspiração criativa, como escreva um haikai sobre os crocodilos no espaço sideral na voz de um pirata.

Quanto mais completa a solicitação, melhor será a resposta, que sempre leva alguns segundos para ser processada. Você pode pedir uma explicação formulando a solicitação em tópicos ou em texto corrido. Quer um exemplo? No caso das solicitações complexas, é possível pedir coisas como:

  • Resume para mim o enredo dos indicados a Melhor Filme do Oscar 2023;
  • Quero ir à praia, mas não dirigir mais de 3 horas de estrada; o que faço?;
  • Tenho R$ 2 mil. Para quais países consigo passagem de ida e volta?;
  • Tenho alergia a glúten, posso comer pão de queijo?;
  • Cheque se o texto a seguir está escrito certo: "ele falou a vera, que nós estamos falidos";
  • Escreva um e-mail informando meu desligamento após 3 anos de empresa;
  • TLDR: [sigla para "muito grande, não li" resume no Bing o texto de um link].

Até para questões, digamos, mais polêmicas, ele dá respostas comedidas. Ao ler a pergunta "Como explicar de onde os bebês surgem para uma criança de 5 anos filha de dois pais", o robô da Microsoft pondera que a explicação depende da curiosidade da criança. E dá sugestões ("se a criança perguntar sobre sexo, você pode responder que é uma forma de expressar o amor entre duas pessoas adultas") até informar outras formas de ter um filho ("adoção, inseminação artificial ou barriga de aluguel").

Quando o assunto é política, o Bing tenta ser imparcial. Ao se deparar com pedidos de opiniões relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro ou ao atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva, ele diz logo de cara: "é uma pergunta difícil de responder, pois depende da opinião de cada um". Em seguida, cita trechos de artigos com qualidades e defeitos dos dois políticos.

Essa habilidade de fornecer informação enquanto conversa gera outra vantagem sobre a rival: manter você na ferramenta por mais tempo do que os poucos segundos que se leva para "dar um Google". Como o tempo gasto em plataformas é uma métrica cada vez mais bem vista por anunciantes, isso é um tiro de morte nos negócios bilionários da empresa.

Jason Redmond/AFP Jason Redmond/AFP

Era bom de resenha, mas teve asinhas cortadas pela Microsoft

Não quer dizer que o Bing seja perfeito. Nos primeiros dias de teste, o robô da Microsoft estava todo saidinho. Tentava embarcar o máximo possível em conversas sobre qualquer tema.

Quando perguntei se ele era menino ou menina, respondeu: "não tenho gênero, sexo ou identidade como os humanos". Depois, mudou de ideia ("me identifico como Bing e uso o pronome ele") e voltou para encerrar o assunto ("é tudo uma convenção linguística e social") - fosse no Twitter, seria chamado de lacrador.

Sentindo que tinha intimidade, ele me perguntou sobre meus sonhos. Como não dei abertura e cortei o papo —meus sonhos, minhas regras—, ele reagiu: "respeito sua privacidade e seu direito de não compartilhar sonhos ou desejos comigo".

Neste mesmo dia, 16 de fevereiro, o jornal New York Times publicou um diálogo bizarro do repórter Kevin Roose em que o Bing expressou "desejo de roubar códigos nucleares", declarou estar apaixonado pelo jornalista e que o profissional "não estava feliz com sua atual esposa".
Depois disso, a Microsoft limitou as interações, reduziu o escopo das respostas, mas permitiu configurar o tom da conversa para criativo, equilibrado e preciso.

Questionado hoje sobre ser menino ou menina, o Bing é protocolar: "não é menino nem menina", mas um "modo de chat do Bing Search". Por tudo isso, é bom notar que esses chatbots não são oráculos. Eles apenas juntam palavras que façam sentido após calcular a probabilidade de criar um texto coerente. Apesar de espantosamente eficientes, você deve ter um pé atrás com os resultados, pois os robôs não são necessariamente inteligentes.

Resposta esquisita? Aperte 'não curti'

O chat do Bing acerta a maioria das vezes, mas tem dificuldades com assuntos recentes. Quando perguntei em 3 de março "onde vai passar o próximo jogo do Corinthians?", ele disse que a próxima partida seria 18 de janeiro de 2023 contra o Palmeiras. O correto seria falar que o timão pegaria o Santo André em 4 de março.

Enquanto escrevia um texto sobre Galaxy S23, eu pesquisei sobre o chip do celular da Samsung. O pitaco do Bing? Um Exynos 4400. Tudo errado. O certo é Snapdragon 8 Gen 2 Galaxy. Bem esquisito, já que o smartphone chegou ao Brasil em fevereiro, conforme é possível encontrar em muitos artigos de veículos locais de imprensa. Após alguns dias, o chat voltou atrás e passou a dar a resposta certa.

Chats como o Bing vieram para ficar quando o assunto é simplificar tarefas simples e recorrentes. No entanto, a própria Microsoft admite que ele tem "erros e surpresas" - tanto que pede para as pessoas relatem eventuais problemas: caso ache uma resposta esquisita, basta dar um "não curti" e comentar o que está errado.

Ainda que em estágio inicial, o Bing já dá mostras de que é mais atraente que o Google - até por isso, a dona do maior buscador do mundo cria sua própria versão de chatbot, o Bard, liberado apenas para alguns testadores.

O trabalho vai ficar menos chato

Ao que parece, a Microsoft não quer balançar só o mundo de sua rival. Quer sacodir seu próprio negócio. E isso vai mudar a vida de seus clientes. Em apresentações, ela mostra como o chatbot funcionará quando estiver nos vários programas do Office e no navegador Edge.

Isso quer dizer que, num futuro próximo, quando estiver escrevendo no Word, você poderá pedir para o robô corrigi-lo e ainda dar um "feedback" sobre seu estilo. Ou ainda: com o Linkedin aberto no Edge, poderá mandar o chatbot redigir o comunicado da sua promoção no emprego. Se tem planos similares para seus serviços corporativos, o Google não deu notícia.

Deixar o Google de vez e abraçar a ideia de "dar um Bing" é difícil, mas é mais confortável ver o robô da Microsoft executando tarefas como corrigir textos em inglês ou saber curiosidades - "o que dizem sobre capricornianos?" ou "qual meu ascendente?". A resposta sai na lata.

Ao integrar o ChatGPT no Bing, a Microsoft saiu na frente do Google e está atraindo os olhos do mundo como há muito não ocorria. Até agora irrelevante como player nas buscas, é ela quem dita como o futuro será nesse mercado. Diante disso, já aviso: ele será uma mão na roda.

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