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Criança feliz e influencer: dá para crescer bem vivendo das redes sociais?

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Camila Rosa

Colaboração para Tilt

16/06/2021 04h00Atualizada em 16/06/2021 17h56

O desejo de muitas crianças e adolescentes lá pelos anos 1990 e 2000 era alcançar fama em programas de TV. O grande sonho de parte da nova geração hoje é fazer sucesso na internet. Mas será que dá para crescer bem compartilhando a vida nas redes sociais, sendo influenciadores digitais?

Segundo especialistas ouvidos por Tilt, a exposição intensa e precoce na internet pode causar danos ao desenvolvimento dos pequenos se não houver atenção redobrada dos pais e responsáveis. Porém, algumas práticas podem ajudar a aumentar a proteção de crianças e adolescentes.

Quase dois anos de vida e mais de 25 mil seguidores

Quando a mãe de Laura Marques, hoje com quase dois anos, começou a postar fotos e stories da filha no próprio perfil do Instagram, a fim de compartilhar a evolução da bebê com os familiares e amigos, ela não tinha ideia que a menina ia conquistar o coração de tantas pessoas. Hoje, a conta tem quase 26 mil seguidores.

Nela, Laurinha, como é conhecida, aparece com vários looks em posts onde a mãe, Renata Pelinson, 30, fala sobre educação infantil.

Meu conteúdo está aqui para o bem e vai além da questão estética, quero ver crianças inteligentes, independentes e espertas por aí
Renata Pelinson, mãe de influencer mirim

A menina só tinha 10 meses quando recebeu o primeiro convite para promover os produtos de uma loja de laços para cabelo de Ribeirão Pires, cidade do ABC Paulista (SP), onde a família vive. Hoje, é o trabalho das duas que ajuda a complementar a renda principal da casa.

Apesar da intensa exposição às telas, Renata diz que a filha não é muito ligada ao celular e que só há pouco tempo começou a fazer perguntas sobre isso. "Desde antes da Laura nascer eu e o pai dela conversávamos sobre o quanto queríamos uma criança que gostasse de brincar e até agora nossas preces foram ouvidas", diz.

O sonho de Renata é que, em longo prazo, com o Instagram, Laurinha entre de vez no mundo da moda. "Eu sempre vou respeitar a vontade dela, mas percebo que ela gosta muito de assistir a vídeos de youtubers. Creio que ela irá querer continuar esse trabalho quando for mais velha", acrescenta.

Mas quais são os riscos?

Segundo a psicóloga infantil Ana Flávia Fernandes, o contato excessivo com universo digital pode acabar afastando os pequenos do mundo real e, consequentemente, de experiências concretas importantes para o desenvolvimento delas. Crianças precisam brincar e executar atividades diárias que estimulem a concentração, os devaneios, os relacionamentos, a prática de exercícios físicos, explica.

Dormir bem também é de extrema importância. Caso contrário, as relações sociais, a comunicação e a capacidade de concentração em atividades que despertem o interesse pelo mundo que está à sua volta podem ser afetadas.

Midierson Maia, doutor em comunicação e marketing e professor na universidade Humber College, no Canadá, acrescenta que ser um influenciador mirim não é natural do universo infantil. "Nem sempre se encaixa com a perspectiva que temos de infância, é um modelo que muitas vezes vem do imaginário adulto", explica.

Ele destaca ainda que essa seria apenas uma nova roupagem da "adultização de crianças" vistas nos programas de TV a partir dos anos 1980. Ou seja, quando crianças são estimuladas a ter comportamentos fora da sua idade biológica.

Saúde mental

A carioca Larissa Freitas, dona do canal Mundo da Lari, cresceu na internet. Ela começou o canal em 2015, quando tinha 10 anos. Hoje, com 16 e mais de 1 milhão de inscritos no YouTube, diz que ser influencer desde pequena nem sempre trouxe consequências agradáveis.

A Tilt, Larissa conta ter sofrido bullying quando as espinhas começaram a surgir na puberdade. Somaram-se a isso a autocobrança e competitividade inerente a quem trabalha com produção de conteúdo para internet.

Por conta disso, a adolescente começou a ter acompanhamento psicológico. "Recebia mensagens que me machucavam muito. Hoje já consigo lidar bem com isso", diz.

Alguns estudos relacionam o aumento do uso das redes sociais a sintomas de depressão em adolescentes, principalmente devido ao estímulo à comparação, afinal, a vida no Instagram é "perfeita".

Viver bombardeado por uma realidade que não existe não é complicado apenas para quem é seguidor, influenciadores também sofrem os efeitos dessa pressão, somada ao temor de serem cancelados na rede. Imagina como deve ser tudo isso na mente de um adolescente?

Por isso, a psicóloga Ana Flávia Fernandes reitera que é preciso cautela e parcimônia para adentrar nesse mundo virtual e para viver como produtor de conteúdo mirim. E o papel dos pais e responsáveis é essencial.

A youtuber Larissa Freitas passou por experiências ruins, mas diz que amadureceu com os obstáculos enfrentados. Ela sonha em estudar comunicação para seguir a profissão na vida adulta. "Depois comecei a receber mensagens de apoio e carinho. Para mim, foi importante compartilhar minha dor e não me esconder", conta.

Como encontrar o equilíbrio

Para Ana Flávia Fernandes, se os pais e filhos estiverem dispostos a conversar sobre o uso seguro e responsável das telas, a possibilidade de ter uma infância saudável com tecnologia aumenta.

"O uso das redes só será prejudicial e classificado como dependência tecnológica quando ela apresentar algumas características: preocupação excessiva com a internet, necessidade de aumentar o tempo conectado para ter a mesma satisfação, além de comprometer atividades escolares e relações sociais", explica.

De forma geral, o problema não está na tecnologia, mas em como você decide usá-la. A psicóloga dá algumas dicas para pais e responsáveis por influencers mirins e aspirantes a:

  • Dê à criança atividades mentais diárias, tempo de brincar, fazer exercício, dormir;
  • Administre o tempo de uso de telas, com regras baseadas no que faz sentido para sua família;
  • Opte por momentos de entretenimento com interação presencial humana;
  • Leia livros para ela;
  • Faça refeições em família;
  • Dentro do possível, esteja em contato com a natureza.

O tédio também é importante, segundo Fernandes, porque é a partir dele que as crianças utilizam a imaginação e criatividade, inventam, transformam objetos comuns em brinquedos, criam brincadeiras e contam histórias.

"Esse mundo pode ser uma fonte incrível de entretenimento e aprendizado, mas é preciso que os adultos assumam a responsabilidade de assistir, escolher, configurar, ensinar e conversar", conclui.