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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Adultização infantil leva à dificuldade de socialização e baixa autoestima

Getty Images
Imagem: Getty Images

Carol Firmino

Colaboração para o VivaBem

02/06/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Adultização infantil é quando crianças são estimuladas a comportamentos que não condizem com sua idade
  • Toda situação em que os pais reforçam comportamentos de exposição prematura e outros estímulos do mundo adulto devem ser evitados
  • Processo interrompe evolução de relações afetivas, desenvolvimento cognitivo, habilidades motoras e de linguagem

O termo adultização infantil é novo para você? Salão de beleza, roupas da moda, atividades que preenchem o dia inteiro e experiências destoantes fazem parte deste processo de aceleração da infância e pré-adolescência. Neste cenário, as crianças são estimuladas a comportamentos que não condizem com sua idade, ocupando-se de uma rotina de responsabilidades antecipadas e que desconsidera marcos importantes para o seu crescimento.

Esse período é etapa essencial para que os pequenos adquiram concepções psicológicas e morais que vão acompanhá-los para o resto da vida, o que faz do amadurecimento precoce algo tão nocivo à essência desse ser humano em formação. Segundo a psicóloga Monique Luz, "trazer o universo adulto para a criança, sem que haja a maturidade emocional para entender o que está acontecendo, faz com que ela fique vulnerável a qualquer tipo de informação recebida".

É um contexto em que a distorção no entendimento das informações oferecidas pode ser carregada a vida toda. "Estruturar personalidades de maneira forçada faz a pessoa perder suas capacidades e não permite uma vida saudável. Sem brinquedos, sem espaços lúdicos, interrompe-se o desenvolvimento", explica o psiquiatra Rimon Roseck Hauli.

Principais riscos da adultização

Cada criança tem necessidades específicas de acordo com o momento da infância que está vivenciando. Além disso, é importante considerar que indivíduos diferentes em desenvolvimento também requerem atenção e cuidados igualmente distintos. Por outro lado, existe um consenso sobre o que é tarefa obrigatória nessa fase vida: brincar. É nessa atividade que se descobre a convivência com outras pessoas, entende-se a autonomia e estimula-se a imaginação.

O processo de adultização prejudica todas essas instâncias. "Ocorre afastamento de exercícios essenciais para a evolução de relações afetivas, processos cognitivos, habilidades motoras e de linguagem", afirma o psicólogo Helison Fernando de Brito. Segundo o profissional, as consequências dessas limitações apontam para a dificuldade de socialização, o aumento do estresse familiar, de hábitos de consumo inadequados e do sedentarismo, a erotização precoce e a baixa autoestima.

Brito destaca que a ausência de respeito à infância e suas especificidades pode acarretar diversos fatores negativos ao longo da vida, conduzindo a transtornos depressivos, de ansiedade, sentimentos de inadequação, relacionados a traumas e estresses. "Podemos acrescentar que o maior determinante de nossos comportamentos são as relações que estabelecemos com o ambiente, em especial as construídas dentro da família", diz.

Qual a participação dos pais?

Aprender a não ser radical faz parte dos erros e acertos de ser pai e mãe, mas transmitir segurança e mostrar o que pode ou não fazer cabe aos adultos. "Uma regra adequada envolve planejamento, supervisão e monitoria dos responsáveis. Ela deve ser clara e justa. O limite existe e o problema está nos excessos", descreve Brito.

No entanto, muitas vezes, os pais também se perdem em seus próprios desejos e vontades, que acabam sobrepondo as verdadeiras necessidades dos filhos. Por exemplo: no dia a dia, é melhor vesti-los com roupas consideradas da moda ou opções confortáveis para brincar? Não há problemas em buscar uma alternativa que esteja no meio desses dois extremos, mas é necessário avaliar cada situação. "Às vezes, os pais se identificam com os pequenos, assim, caso fossem crianças que queriam superproteção, vão oferecer superproteção", explica Hauli.

Idoso brinca com criança, avô com neto - iStock - iStock
Criança deve brincar, e não ser cobrada de inúmeras atividades
Imagem: iStock

A participação dos pais é essencial em inúmeros aspectos, pois eles não só devem observar se não estão promovendo essa adultização precoce, como identificar maneiras de evitá-la. A psicóloga Monique Luz lembra que é importante respeitar a individualidade da criança, para que os pais não criem protótipos de si, projetando nos filhos o que não tiveram. Toda situação em que os pais reforçam comportamentos de exposição prematura e outros estímulos do mundo adulto devem ser evitados. "Não é adequado que os pais determinem certas responsabilidades, pressionem, reforcem e exijam resultados incompatíveis com a sua etapa de desenvolvimento", reforça Brito.

Como a família deve repreender a adultização?

A psiquiatra Jaqueline Bifano indica alguns caminhos e determina que é "fundamental que os pais estejam o tempo todo de olho no comportamento dos seus filhos e nas mudanças que podem acontecer":

  • Crianças com agenda cheia de compromissos deixam de gastar tempo com o que deveriam fazer, que é brincar;
  • É comum ver os filhos se divertindo com a roupa e acessórios dos pais. "Não há problema nenhum nisso. O que não pode acontecer é querer, a todo o tempo, estar de alguma forma parecido fisicamente com eles ou se comportando da mesma maneira", afirma Bifano;
  • O fato de as crianças copiarem o comportamento dos pais não se trata de um transtorno. É instintivo, uma forma de se sentir acolhido em determinado grupo por se parecer com ele;
  • "Com relação ao uso da internet e redes sociais, esse limite deve ser colocado no horário que a criança consome esse conteúdo e no tempo gasto em mídias que mostram essa adultização, mesmo que velada", orienta a especialista;
  • Vale conversar para que eles entendam que existe tempo para tudo. Para ser criança, para se divertir, e explicar que a fase adulta ainda vai chegar. O psiquiatra Hauli completa: "É necessário criar um estado permanente de conversas. Dentro do seu dia, separar 10 minutos para falar sobre a escola, os amigos. A quantidade não é o essencial, mas a qualidade", diz.

Por sua vez, Luz comenta uma situação muito comum que é o linguajar adulto de algumas crianças. "São comportamentos adultos nem sempre aceitáveis, mas, quando reproduzidos numa imagem de criança, aceitamos e transmitimos a ela a ideia de que aquilo é normal", afirma. A psicóloga também considera diferenças no processo de adultização de meninos e meninas, principalmente relacionadas ao corpo e à sexualização das garotas. Neste caso, o melhor a fazer é explicar o que não é apropriado e ajudá-los a refletir. "Gosto de pedir que a criança repita o que ela entendeu daquilo que falei, e vou construindo o raciocínio em conjunto a partir do que ela me responde".

Wanessa Ferrari e Marcel Bighetti são pais de Chloe, 2, e, segundo a mãe, a preocupação com a adultização não era tão real até que a menina chegasse na família. "O principal problema é a forma como a gente foi criada, principalmente pelo desconhecimento dos nossos pais. Algumas coisas eram consideradas naturais, como falar do namoradinho, de se arrumar para ficar bonita", lembra Wanessa. Ela fala do desafio que é se manter informada e não reproduzir essas atitudes, pois é comum fazer comentários sem perceber: "As crianças são como uma esponjinha e querem replicar o que a gente faz".

Isolamento social representa desafios

A pandemia tem dificultado a interação entre as crianças e intensificado a convivência com adultos. "Sobre isso, os pais precisam entender que são eles que devem tentar, de alguma forma, infantilizar-se para entrar na brincadeira dos filhos no momento de lazer, com jogos que estimulem a criatividade, gastem energia e façam com que eles se sintam crianças", alerta Bifano.

O isolamento social pode promover alterações de comportamento, desde recusa ou abandono de tarefas a alterações de sono e apetite. Por isso, é o momento de reforçar os vínculos familiares, demonstrar afeto e permitir o convívio, ainda que online, com os amigos, principalmente às crianças maiores.

Fontes: Helison Fernando de Brito, psicólogo infantil da plataforma Zenklub, atua no Cemae (Centro Educacional Municipal de Atendimento Especializado) da Secretaria Municipal de Educação e Esporte de Campo Largo (PR); Jaqueline Bifano, psiquiatra infantil com residência de psiquiatria da infância e adolescência no Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), atua em Minas Gerais e Rio Grande do Sul; Monique Luz, psicóloga da plataforma Zenklub formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, atua em Salvador (BA); Rimon Roseck Hauli, psiquiatra do Hospital da Unimed Caxias do Sul (RS), é especialista em psicoterapia da infância e adolescência, psicoterapia de grupo e no tratamento da dependência química.