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Micróbio foi levado até Vênus? Veja perguntas e respostas sobre descoberta

Planeta Vênus em imagem da sonda japonesa Akatsuki - JAXA/ISAS/DARTS/Damia Bouic
Planeta Vênus em imagem da sonda japonesa Akatsuki Imagem: JAXA/ISAS/DARTS/Damia Bouic

Rodrigo Trindade

De Tilt, em São Paulo

15/09/2020 04h00

Existe vida em Vênus? Calma lá. O artigo científico divulgado nesta segunda-feira (14) na Nature Astronomy fala em sinais que podem indicar vida na atmosfera do nosso vizinho de Sistema Solar. Com o conhecimento científico atual, a única hipótese para a presença do gás fosfina em Vênus é a existência de seres vivos por lá.

Ao mesmo tempo, a explicação para a descoberta pode ser algum processo até então desconhecido por cientistas. De todo modo, a novidade gerou empolgação e uma série de dúvidas. Buscamos esclarecer algumas delas com a ajuda dos especialistas Diana Andrade, astroquímica e professora do Observatório do Valongo (UFRJ), e Cassio Barbosa, astrônomo e professor do centro universitário FEI.

O que é a fosfina encontrada em Vênus?

Diana Andrade: "A fosfina é uma molécula composta de fósforo e três hidrogênios, um hidreto de fósforo. Na verdade, a fosfina pode ser formada a partir de seres bióticos, que não precisam do oxigênio para viver. Mas ela também pode ser formada a partir da natureza por fatores abióticos, ou seja, [a fosfina de Vênus] pode ser uma versão que não precisa de vida para isso."

A que temperatura surgiu a fosfina de Vênus?

Cassio Barbosa: "Ela foi detectada numa camada da atmosfera que estaria entre 0 ºC e 10 ºC. Mais para dentro, quando está mais baixo [em relação à superfície de Vênus], a estimativa é que não chegue a passar de 100 ºC. Provavelmente [está sendo produzida] perto de 50 ºC, 30 ºC", diz Barbosa.

Por que a fosfina está de 50 a 60 km acima da superfície de Vênus?

Diana Andrade: "É porque na verdade foi encontrada na atmosfera. Na superfície, a temperatura e a pressão são muito mais altas. Essa zona onde a fosfina foi encontrada é de temperatura baixa, em torno de 50ºC. É mais fácil pensar que um organismo vivo sobreviveria a essa condição. Até temos seres que vivem em altas temperaturas e pressão [na Terra], mas tão alto assim [como em Vênus], é muito complicado. As condições na superfície são bastante extremas."

Então houve vida na superfície de Vênus em algum momento?

Cassio Barbosa: "Uma das autoras [do artigo] chegou a falar isso. Em algum momento do passado, essa vida que produz esse material acabou sendo levantada, como acontece na Terra —por ventos, evaporação— e foi parar na atmosfera. A partir de então o micro-organismo teria se adaptado para viver nessa faixa da atmosfera. A possibilidade que a autora levantou é que seria resquício de vida anterior à mudança climática que levou Vênus a ficar esse inferno."

Como um telescópio identifica sinais de gás em Vênus?

Diana Andrade: "Por meio de onda de rádio. São como impressões digitais. Se eu vejo certas assinaturas, algumas bandas ou linhas, a gente pode relacionar aquele conjunto de linhas a certas moléculas. O astrônomo trabalha a partir disso. No caso do Alma [Observatório Grande Matriz Milimétrica do Atacama, no Chile], eles usaram linhas de rádio."

Seria a primeira bioassinatura achada fora da Terra?

Diana Andrade: "Já aconteceu. Metano também pode ser um produto de vida. Quando descobriram metano em Titã, satélite de Saturno [em 2005, com a missão Cassini-Huygens], foi a mesma coisa."

É possível achar essa quantidade de fosfina em exoplanetas?

Diana Andrade: "Depende muito da resolução. Como os exoplanetas estão muito mais longe, é mais complicado. Você também tem que separar a contribuição dos planetas e estrelas. Qualquer observação em astronomia vai depender do limite de detecção. Um exoplaneta está muito distante, o sinal é muito baixo."

O que uma nave precisaria ter para achar vida em Vênus?

Cassio Barbosa: "Há projetos antigos de mandar dirigíveis, que ficariam flutuando na alta atmosfera [de Vênus], onde as condições são mais propícias para o equipamento sobreviver. Teria mais estabilidade do que uma sonda. Daria para coletar amostras, fazer estudos com microscopia e espectroscopia [análise físico-química a partir da radiação emitida da atmosfera] dentro de um laboratório embarcado. Outra possibilidade seria a partir de uma órbita baixa com sonda, mas haveria problemas logísticos. Seria possível fazer uma espectroscopia, mas não seria tão eficiente quanto entrar no meio da muvuca e tirar amostras locais."

Já houve alguma missão espacial com uma nave-dirigível?

Cassio Barbosa: "Nesse nível não existe precedente. A Cassini [sonda enviada para Saturno que "se aposentou" em 2017] pegou flocos de neve [em 2012], mas fez uma análise mais química do que físico-química-biológica. Nessa magnitude ainda não houve."

É o suficiente para a Nasa trocar Marte para Vênus?

Cassio Barbosa: "Não acredito que seja mudança de prioridade. É mais propício de se achar vida em Marte. Mas deve acontecer um incentivo a novas missões a Vênus. Essas de fazer voos devem sair do papel. Já tem iniciativas, mas elas estão paradas. Mas mudar o foco acho difícil porque é muito mais provável achar vida em Marte ou em Encélado (satélite de Saturno) e Europa (satélite de Júpiter) do que nas condições de Vênus."

E se a fosfina de Vênus foi produzida de forma não-biológica?

Cassio Barbosa: "Quantificar é difícil. Sherlock Holmes fala: quando você elimina o impossível, aquilo que sobra deve ser a melhor explicação, mesmo que seja muito difícil. Tudo que nós conhecemos falhou [para identificar uma origem da fosfina que não seja biológica]."

Diana Andrade: "Eu acredito que daqui a pouco vão jogar um pouquinho na mídia sobre o que eles vêm descobrindo. A possibilidade de ser vida é muito pequena —mas existe. Daqui a pouco vão descobrir que a fosfina está sendo produzida por um processo abiótico na atmosfera do planeta, como foi com o metano. Se for vida, quem garante que não foi a gente que levou para lá?"

Humanos podem enviar vida para outros planetas?

Diana Andrade: "Sim, a partir de sondas. Eles [as agências espaciais] dizem que têm todo um cuidado quando enviam sonda. Se descobrissem vida em outro planeta do sistema solar que já recebeu uma missão com sonda, eu ficaria desconfiada [da origem de tal vida]", afirma Andrade.

Um organismo pode ter produzido a fosfina no passado, mas foi extinto?

Cassio Barbosa: "A grande questão é que, se foi feito por organismo, ele tem que estar lá. Não poderia estar extinto porque essa é uma molécula que é destruída rapidamente. Significa que tem um mecanismo de reposição dentro da atmosfera. Se for biológico, tem que estar lá vivo. Se foi geológico, está ativo e acontecendo."