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Estudo causa polêmica ao apontar falta de matéria escura na Via Láctea

Estudo pode enfraquecer teoria de que a matéria escura é composta de neutrinos estéreis - Divulgação/ESO
Estudo pode enfraquecer teoria de que a matéria escura é composta de neutrinos estéreis Imagem: Divulgação/ESO

Felipe Oliveira

Colaboração para Tilt

15/04/2020 14h05

Sem tempo, irmão

  • Matéria escura é um dos maiores mistérios do universo para cientistas
  • Astrofísicos ainda não conseguiram definir o que forma matéria escura
  • Faixa mais estreita de frequência utilizada na pesquisa causa controvérsia

A maior parte do universo é composta por uma matéria escura que intriga cientistas com uma pergunta: do que é formada? Mas, um novo estudo, divulgado pela revista Science no final de março, aponta que a Via Láctea pode estar perdendo matéria escura, ou pelo menos o que vem sendo conhecido por esse nome.

Se essa descoberta se confirmar, viria como um golpe na teoria de que a matéria escura é composta de neutrinos estéreis.

A teoria mais aceita atualmente aponta que a matéria escura do universo é formada por neutrinos estéreis ultraleves que fluem no espaço e interagem entre si.

O novo estudo traz dúvidas à comunidade científica, já que o fato de nossa galáxia não ter matéria escura significa que ela não tem esses neutrinos.

A polêmica se deu porque a maneira que os cientistas usaram para realizar a nova pesquisa causou discórdia entre outros físicos.

"As pessoas pensam em como procurar esses neutrinos com raios-X há algum tempo. Realmente tivemos uma nova ideia de como procurá-los. E sempre que alguém chega e diz: 'tenho algo novo para saber como procurar algo, diferente do que você está fazendo', seu instinto deve ser de ceticismo. Acho que é a resposta natural", afirmou à Science Nicholas Rodd, da Universidade da Califórnia, coautor do projeto.

O que é a matéria escura?

A matéria escura é um dos maiores desafios dos cientistas. No universo, é algo com força gravitacional própria mas que não emite ou reflete luz alguma. Os cientistas sabem que ela está lá, principalmente porque é possível verificar os efeitos de sua gravidade nas galáxias. Mas não sabem do que ela é formada.

Como as estrelas e os gases conhecidos não são pesados para unir as galáxias, os astrofísicos acreditam que elas têm halos invisíveis de matéria escura, que representariam 85% da massa do universo. A principal dúvida é sobre do que é feita essa matéria misteriosa.

Assim, a teoria mais aceita atualmente pelos cientistas é a de que essa matéria é formada por neutrinos —partícula subatômica que interage com outras partículas por meio da gravidade— sendo que existem, no momento, três tipos conhecidos: neutrinos de elétrons, neutrinos de múons e neutrinos de tau.

Alguns físicos acreditam na existência de uma quarta variedade, chamada de neutrino estéril. Esse neutrino, mais pesado, não interagia com outras partículas, exceto pela gravidade e quando decai. Todo núcleo atômico emite radiação, e o decaimento ocorre quando a quantidade de energia emitida diminui.

Isso significa que os neutrinos estéreis não se separam, mas formam nuvens, sugerindo que eles podem formar halos como a matéria escura.

Resultados diferentes

Pesquisas realizadas na década de 1990 e início dos anos 2000 sugeriram que halos em decomposição de neutrinos estéreis produziriam um brilho fraco em um comprimento de onda específico no espectro de raios-X.

Em 2014, somando a luz de raios-X detectada em 73 diferentes aglomerados de galáxias, pesquisadores de Harvard encontraram esse brilho exatamente na faixa esperada: um fraco pico de luz de raios-X em um nível de energia de 3,5 quiloelétrons-volts (keV).

Desde então, estudos de acompanhamento detectaram brilhos semelhantes de 3,5 keV em outros grupos de galáxias. Mas, os pesquisadores do estudo atual argumentam que a linha de 3,5 keV não aparece na fonte de matéria escura mais próxima de todas, a Via Láctea.

Como foi feito

De acordo com a Science, os pesquisadores da Universidade de Michigan, UK Berkeley e do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley passaram por antigas gravações de telescópios de raios-x e selecionaram imagens de regiões da galáxia que não têm estrelas, mas ainda assim deveriam hospedar matéria escura.

Mas, os autores do estudo, que coletaram dados de 8.300 horas cumulativas de tempo de observação, se basearam em uma faixa muito estreita de frequências, entre 3,3 e 3,8 keV, com resolução energética de 0,1 keV. Isso significa que os pesquisadores podem distinguir claramente apenas um punhado de frequências em seu conjunto de dados.

O conjunto de dados equivale a uma fotografia de cinco pixels de largura tirada com uma câmera superprecisa: a qualidade da imagem é muito boa, mas não mostra muito.

Apesar dessa qualidade menor na imagem, os autores do estudo afirmaram à Science que, ainda assim, a linha de 3,5 keV deveria aparecer claramente na tela. Como isso não ocorreu, concluíram que a linha não está em nossa galáxia. "Como não somos astrônomos de raios-X treinando, trouxemos métodos estatísticos usados".

Controvérsia

O diretor do Centro de Cosmologia da Universidade da Califórnia, Kevork Abazajian, especialista na linha de 3,5 keV, afirmou à Science que utilizar uma faixa de energia tão estreita como a do estudo atual equivale a escolher os dados que podem levar a um resultado não confiável.

Abazijan pontuou que existem três fontes de raios-X na faixa estreita que os pesquisadores estudaram: átomos de argônio-18 e enxofre-16 no céu e outra fonte que pode vir de dentro dos telescópios conhecidos como potássio k?.

Mas o problema mais amplo, segundo ele, é que, estudando uma faixa de frequência tão estreita, os pesquisadores simplesmente não conseguem entender bem o contexto para subtraí-lo adequadamente.

Apesar do ceticismo, Rodd diz estar razoavelmente convencido de que sua equipe mostrou que a linha de 3,5 keV não é matéria escura de neutrinos estéril, embora ele tenha dito que isso levanta a questão do que está produzindo a linha nas galáxias em que foi detectada.

Parte do problema se dá pela má qualidade dos dados de raios-X disponíveis atualmente, já que os atuais telescópios não possuem a resolução de energia ideal para esse tipo de pesquisa. A solução poderia vir do telescópio satélite japonês conhecido como Hitomi, mas este perdeu contato com a Terra logo após seu lançamento, em 2016.

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