Você é o que você curte: o que 'likes' dizem sobre a sua personalidade
Você é o que você curte. A grosso modo, esse foi o caminho seguido pela Cambridge Analytica, a empresa envolvida no escândalo do Facebook, para oferecer o seu principal produto: por meio da análise comportamental de pessoas em redes sociais, oferecer consultoria para a definição do tom mais eficaz de campanhas políticas.
Mas como é possível definir a personalidade de uma pessoa de acordo com o que ela curte ou faz em uma rede social?
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Ao usarmos a maior parte dos serviços disponíveis na Internet, nós deixamos dados que formam uma espécie de "pegada". Quando analisada por algoritmos de plataformas como o Facebook, essa enxurrada de dados - também conhecida por big data - faz com que tenhamos uma experiência de navegação personalizada.
"Nós disponibilizamos muitos dados para qualquer rede social que usamos e, uma vez que publicamos em alguma delas, aquelas informações se tornam públicas. Quem se incomoda com isso só tem uma opção: não usar nenhuma tecnologia atual. E, claro, ainda que exista a influência, quem decide o que consumir ainda é o indivíduo", aponta a psicóloga do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da PUC de São Paulo, Andréa Jotta.
Se você duvida disso, faça um teste: abra as configurações de sua conta no Google, vá em "Gerenciar suas atividades no Google" e, depois, em "Minhas atividades". Praticamente tudo que faz no computador ou no celular está ali.
Essa grande quantidade de dados é um prato cheio na hora de estabelecer perfis de pessoas. Jotta aponta, porém, que a precisão dos dados coletados e a sua aplicação na prática varia muito, especialmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
"Coletar dados em países desenvolvidos é mais fácil e preciso, porque, em geral, cada aparelho tecnológico é usado por uma pessoa e elas têm comportamento mais homogêneo. Em países como o Brasil, é comum que várias pessoas usem o mesmo celular ou mesmo computador, o que embaralha a coleta. Por outro lado, mesmo sendo desconfiados, somos mais influenciáveis".
Traçando perfis
Antes de qualquer coisa, é preciso deixar claro que a análise comportamental não é feita analisando atos isolados de um indivíduo, como dar curtidas em apenas uma página no Facebook, mas sim olhando para um conjunto de fatores, segundo a psicóloga especialista em gestão estratégica de pessoas e terapia cognitiva comportamental Lucimara Braga. E todas as pegadas digitais que deixamos em redes sociais são a matéria-prima ideal para determinar quais são esses fatores.
Ainda que não seja possível mapear a personalidade de um indivíduo usando apenas uma rede social, há a possibilidade identificar traços de comportamentos que são sujeitos a modificação, conforme influência do humor e do neuroticismo, como vulnerabilidade, ansiedade, depressão e compulsividade
Lucimara Braga, psicóloga especialista em gestão estratégica de pessoas e terapia cognitiva comportamental
O volume de dados ajuda na hora de excluir alguns comportamentos isolados e fixar a análise apenas nos marcantes e recorrentes.
E vale lembrar: os dados não envolvem apenas curtidas, mas a forma de interação que a pessoa promove com os mais diversos assuntos. Outras características também entram na conta: se usa mais o celular ou o computador, se é veloz ou não na digitação ou se discute com outras pessoas em posts.
É aí que entram os algoritmos, que podem usar conceitos de psiquiatras famosos, como Carl Gustav Jung, para enquadrar conjuntos de comportamentos em um tipo de personalidade. A partir de dados mais abrangentes, é possível refinar os parâmetros e ter resultados mais precisos. O ramo da psicologia que estuda comportamentos usando dados é chamado de psicometria.
Ao contrário da análise comportamental para fins terapêuticos, que visa identificar comportamentos indesejados e eliminá-los, a coleta de dados na internet acaba se aproveitando desses traços de personalidade. No fim, a ideia é incentivar o consumo e homogeneizar grupos de pessoas, o que leva à criação das chamadas bolhas.
A análise pode não dizer exatamente quem você é, mas as chances de ela acertar em qual tipo de perfil você se enquadra é grande. E isso ocorre justamente pela natureza dos seres humanos.
As pessoas, de um modo geral, querem ser amadas, acolhidas e reconhecidas pela sociedade ou grupo no qual estão inseridas. Para alcançar esse objetivo, elas adotam comportamentos modelados, usando referências e repertórios aprendidos no seu ciclo social
Lucimara Braga
Em 2012, o pesquisador e professor de ciências da computação da Universidade Stanford, Michael Kosinski, conseguiu demonstrar um modelo no qual:
- 70 curtidas no Facebook eram suficientes para conhecer alguém mais do que seus amigos
- 150 curtidas no Facebook eram suficientes para conhecer alguém mais do que seus pais
- 300 curtidas no Facebook eram suficientes para conhecer alguém mais do que o seu cônjuge
- Acima disso, era possível conhecer mais a pessoa do que a própria sabia sobre si mesma
Prática antiga, mas aprimorada
Dividir um grupo de pessoas em tipos específicos não é nenhuma novidade. "Essas metodologias de análise comportamental têm 40 anos ou mais e podem ser usadas para diversos fins, com o intuito de criar empatia com seu público-alvo", afirma o publicitário André Torretta
Torreta, que era sócio da Cambridge Analytica no Brasil e rescindiu contrato com a empresa após o escândalo de roubo de dados, diz que a principal mudança proporcionada pelos meios digitais foi a de tornar essa estratégia mais eficaz.
A Cambridge Analytica alegava 100% de precisão, o que não acredito, mas ainda que houvesse uma margem de erro, eram informações valiosas e que poderiam ser usada de diversas maneiras
André Torretta, publicitário e ex-sócio da Cambridge Analytica no Brasil
Ao saber o perfil do público-alvo, é possível personalizar o conteúdo divulgado de maneiras extremas, a ponto de tornar a mesma informação interessante para pessoas de perfis supostamente antagônicos. Ou seja: dependendo da formatação feita, gregos e troianos são agradados pelo mesmo "presente".
Para Torreta, a coleta de dados em si não é o problema. "A pessoa tem que ser avisada e se ela vai ter consciência ou não do que isso implica, aí é outra questão."
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