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Novas mudanças no Facebook são suficientes para proteger os seus dados?

Facebook tenta reagir após escândalo causar quebra de confiança - Reprodução/Ndtv
Facebook tenta reagir após escândalo causar quebra de confiança Imagem: Reprodução/Ndtv

Gabriel Francisco Ribeiro

Do UOL, em São Paulo

21/03/2018 21h24

Cinco dias após o escândalo do roubo de 50 milhões dados de usuários do Facebook pela Cambridge Analytica, empresa que atuou na campanha eleitoral de Donald Trump, Mark Zuckerberg se manifestou. O chefão do site admitiu erros e anunciou providências para que os fatos não se repitam. Mas as medidas anunciadas são suficientes?

Entre as ações tomadas pela rede social, estão análise de aplicativos anteriores a 2014 que podem ter abusado de dados, aviso às vítimas e maior restrição aos dados que os usuários disponibilizam no Facebook e são acessados por apps. Você pode conferir aqui mais sobre todas as providências anunciadas por Zuckerberg.

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Desconfiança

Os especialistas ouvidos pelo UOL Tecnologia receberam as novidades com desconfiança. Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor de Direito da UERJ, as providências são salutares, mas não apagam o impacto causado pelo escândalo.

“Essas medidas não apagam e não resolvem um problema que o caso demonstrou que é a circunstância de que apps tiveram acesso a dados de usuários que não deveriam ter tido e que esses dados foram compartilhados com terceiros. Um trabalho permanente de auditoria precisa ser feito e também precisa de um controle maior sobre os apps que rodam na plataforma”, apontou.

Na opinião de Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital da Truzzi Advogados, o fato de o Facebook ser uma rede com sua visão comercial centrada nos dados que seus usuários fornecem – e não haver nenhum posicionamento que indique mudança nisso – já deixa em dúvidas o quão Zuckerberg está disposto a cuidar de nossas informações.

“Facebook é uma rede gratuita e a moeda de troca são nossos dados. É aquela frase de que não existe almoço de graça na sociedade capitalista. A venda de dados de usuários não é de hoje que ocorre. Facebook é um celeiro muito rentável para empresas de big data. Qualquer empresa que queira levantar informações fidedignas de pessoas reais vai querer comprar um banco de dados de usuários do Facebook”, explica.

Como esse é o negócio do Facebook, lucram com a venda e compartilhamento de dados, não é interessante vedar todas as brechas. Se não repassassem dados, não estariam vendendo anúncios na plataforma. Não têm interesse em fechar essas portas porque lucram com isso

Medidas boas, mas é preciso mais

Carlos Affonso cita entre as boas medidas o fato de o Facebook passar, agora, a interromper o envio de dados a aplicativos não usados pelos usuários há três meses. O principal ponto elogiado por ambos especialistas é, contudo, o de o Facebook tornar mais transparente a ação de revisar as permissões que cada usuário dá a apps.

“Isso é relevante, mas não é a solução do problema. Hoje em dia ninguém revisa permissão dos apps, é confuso, tem que ir em configurações, clicar em subseções. Mudar o design do Facebook para que um painel de controle fique visível no topo é importante. Mas o que se espera não é só uma mudança de design, mas um comprometimento de uma conduta ativa na proteção dos dados pessoais dos usuários”, explica Carlos.

Vale lembrar o óbvio: Facebook conecta uma parcela expressiva dos usuários de internet no mundo. Logo, é esperado que ele zele pelos dados pessoais e isso não vai ser feito com uma mudança de design. É necessário que o Facebook compreenda que não estamos mais em 2007. Agora as pessoas têm consciência que cedem dados

Outra mudança anunciada pela rede social, contudo, pode significar nada mais que uma tentativa de transferência de culpa. Agora, o Facebook disse que restringirá o acesso de logins via Facebook a nome, foto de perfil e e-mail – outros dados que apps quiserem deverão ter autorização do usuário e do site, que citou até a necessidade de assinar um contrato.

“Aí ele deve estreitar melhor a relação com desenvolvedores. Pode ser a fim de responsabilizar os desenvolvedores em caso de vazamento para conseguir mensurar de quem é a responsabilidade. É uma maneira de tentar tirar da esfera do Facebook para ficar com uma imagem melhor. Mas isso não isenta o Facebook de responsabilidade por ser a plataforma principal”, opina Gisele Truzzi.

Há até uma dúvida de como essas novas permissões funcionarão – na opinião dos especialistas ouvidos pelo UOL Tecnologia, pode ser como ocorre atualmente com permissões em celulares. Contudo, segundo eles, o novo recurso não pode ser só mais algo burocrático e banal que os usuários concordam sem saber.

E aí, Zuckerberg?

Na postagem feita por Zuckerberg no Facebook, há um misto de críticas e elogios às ações propagadas pelo site. Mas uma medida paira na cabeça dos usuários e também de agências reguladoras que possam vir a intervir na rede social: por que isso não foi feito antes? Talvez por falta de interesse.

“Eu acho que sinceramente não foi feito antes porque não havia interesse do incremento à privacidade do usuário porque o interesse principal do Facebook é a comercialização dos dados. Muitas pessoas entram nessa conversa da rede social que a rede se preocupa com os usuários e obviamente que não. O Facebook se preocupa com sua moeda de troca, que são nossos dados” critica Gisele Truzzi.

Na opinião da advogada, casos como o escândalo atual e a manutenção (e até promoção) de diversas páginas falsas com conteúdo fraudulento ou que visam golpes mostram esse caráter do Facebook. Contudo, uma coisa fica clara: o Facebook precisa começar a se preocupar constantemente com o uso de nossos dados.

“A resposta é um primeiro passo, mas como ele mesmo disse é preciso que seja feito mais. A mudança precisa ser constante e realizada como um processo contínuo, E não imaginar que um anúncio periódico, especialmente quando vem a partir de um escândalo, será suficiente”, explica Carlos Affonso.

A demora de Zuckerberg em falar sobre o problema, por sinal, segue criticada. Em uma das primeiras reações ao post do CEO, a revista Wired apontou que o silêncio foi um "dano irreversível" à imagem do site.

A publicação cita que o executivo pode sofrer de algo que criou, já que sempre prezou que as pessoas confiam mais em indivíduos do que em instituições - no caso, Zuckerberg é "o cara do Facebook" e soa até como um chefe de Estado em muitos momentos. E agora?