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Segurança x liberdade de expressão: o debate sobre bloqueios de WhatsApp pelo mundo

Justin Sullivan/Getty Images/AFP
Imagem: Justin Sullivan/Getty Images/AFP

02/05/2016 16h07

O principal assunto no WhatsApp de muitos brasileiros na manhã desta segunda-feira é justamente o... bloqueio do WhatsApp, determinado por 72 horas pela Justiça de Sergipe.

A decisão é do juiz Marcel Montalvão, da comarca Lagarto (SE), o mesmo que, em março, mandou prender o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, exigindo a quebra de sigilo em mensagens do WhatsApp.

E, em dezembro passado, o aplicativo de mensagens chegou a ficar temporariamente inacessível por determinação da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, até que essa decisão fosse derrubada por uma liminar.

Os brasileiros não são os únicos usuários que já ficaram ou foram ameaçados de ficar sem o WhatsApp no mundo, em decisões que reacendem o debate sobre a liberdade de expressão.

Em países autoritários como Arábia Saudita e Irã, mas também no Reino Unido e em Bangladesh, por exemplo, já houve discussão sobre a retirada do aplicativo do ar - em alguns deles, o app foi suspenso por tempo determinado.

Em alguns países, a iniciativa de discutir bloqueios ao uso do WhatsApp parte de suas agências de segurança, que argumentam ser mais difícil monitorar mensagens - que são encriptadas - enviadas pelo aplicativo do que ligações telefônicas ou e-mails, por exemplo.

Argumenta-se, porém, que se o WhatsApp permitisse o relaxamento na encriptação das mensagens, isso ameaçaria a privacidade dos usuários e os deixaria mais vulneráveis à ação de criminosos cibernéticos.

No mês passado, o aplicativo anunciou uma atualização que criptografa integralmente todas as comunicações entre usuários, incluindo mensagens de voz e outros arquivos.

Com o que chamam de "criptografia de ponta a ponta", as mensagens são embaralhadas ao deixar o telefone da pessoa que as envia e só conseguem ser decodificadas no telefone de quem as recebe. Elas são apagadas dos servidores assim que são entregues ao destinatário.

"A partir de agora, a empresa pode comprovar, de maneira técnica, que não têm acesso ao conteúdo das mensagens que transitam em seus servidores. Fica mais fácil se defender das decisões judiciais", disse em abril Gabriel Aleixo, pesquisador de criptografia do ITS-Rio, em entrevista à BBC Brasil.

Segundo pesquisa de dezembro do Ibope, o WhatsApp é o aplicativo mais utilizado no Brasil (93% das pessoas usam o app). Em segundo lugar vem o Facebook, com 79%.

'Falta de colaboração'

No Reino Unido, o primeiro-ministro David Cameron chegou a criticar a falta de colaboração da empresa em investigações - no caso britânico, a preocupação era com terrorismo.

Em um discurso no início do ano passado, o britânico disse que tentaria proibir serviços de mensagens encriptadas - como as do WhatsApp e do Snapshat - caso os serviços de inteligência britânicos não pudessem acessar o conteúdo.

A declaração foi feita após os ataques à publicação satírica Charlie Hebdo em Paris, que aumentaram o temor sobre ameaças terroristas. Já havia uma pressão para que empresas como Google e Facebook fornecessem mais informações sobre atividades de seus usuários. Ambas as plataformas são usadas como espaço de propaganda e recrutamento de grupos radicais pela internet.

"Vamos permitir meios de comunicação que são impossíveis de ler? Minha resposta é: não, não devemos fazer isso", disse Cameron.

Em junho, o assunto voltou à tona no Reino Unido com a discussão de uma nova lei de comunicações de dados.

Terrorismo

Ameaças de terrorismo ou à segurança nacional também serviram de justificativa para o bloqueio do serviço em outros países.

Muitos desses governos, no entanto, foram criticados por restringir a liberdade de expressão.

Na Arábia Saudita, de acordo com agências de notícias, houve uma ameaça de retirar o WhatsApp do ar em 2013 porque o serviço não estaria se adequando às regras de Comissão de Comunicações e Tecnologia da Informação. Na época, o país chegou a tirar do ar o Viber, aplicativo de mensagens e chamadas de voz pela internet, pelo mesmo motivo.

"Terroristas e elementos criminosos estão usando essas redes para se comunicar", disse uma autoridade do Paquistão para justificar a suspensão do aplicativo em uma província, segundo a mídia local.

Em Bangladesh, o serviço foi bloqueado duas vezes, junto com outros aplicativos.

Em janeiro de 2015, também de acordo com agências, o governo bengali afirmou que havia ameaças de terrorismo e que era difícil monitorar comunicações pelo aplicativo.

Já em novembro, houve um bloqueio mais drástico: o WhatsApp e o Facebook saíram do ar por quase três semanas após a Justiça do país confirmar a condenação à morte de dois homens por seu envolvimento em crimes de guerra na luta por independência do país nos anos 70.

O bloqueio do WhatsApp teria ocorrido para evitar tumultos.

Em 2014, o presidente do Irã, Hassan Rouhani, considerado moderado, precisou se empenhar pessoalmente para liberar o aplicativo.

Setores linha-dura do governo, segundo a emissora de TV americana Fox News, queriam proibir o uso do aplicativo no país devido à aquisição do WhatsApp pelo Facebook - cujo dono, Mark Zuckerberg, seria um "americano sionista", segundo o comitê do país responsável pela internet.

Na Síria, que vive uma sangrenta guerra civil, o aplicativo - usado para marcar protestos durante a Primavera Árabe - foi suspenso em 2012.

"Um golpe na liberdade de expressão e nas comunicações em todo lugar. Um dia triste para a liberdade", publicou o WhatsApp em sua conta de Twitter à época.

*Esta reportagem foi originalmente publicada em dezembro de 2015 e atualizada.