Topo

Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que nem todo lançamento de foguete nos ajudará a compreender o Universo

Momento em que boosters do foguete Falcon Heavy, da SpaceX, pousam na Flórida (EUA) - SpaceX
Momento em que boosters do foguete Falcon Heavy, da SpaceX, pousam na Flórida (EUA) Imagem: SpaceX

29/03/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Quando faço um passeio pelas redes sociais, parece haver uma grande intersecção entre fãs de astronomia e fãs de foguetes e astronáutica. É verdade que ambos os campos de estudo, de forma bem geral, lidam com o espaço, mas as especialidades são muito diferentes entre si.

A astronomia e a astrofísica têm como objetivo entender a formação e funcionamento físico de corpos no espaço. Planetas, estrelas, galáxias e até a própria estrutura do Universo são nossos objetos de estudo.

A astronáutica, por outro lado, tem como objetivo principal a construção e desenvolvimento de veículos espaciais — tripulados ou não. É algo muito mais voltado à engenharia que à ciência básica.

Devo dizer que essa junção de temas pode agir a favor da astronomia, às vezes.

As olimpíadas e mostras de foguetes, por exemplo, são ótimos caminhos para chamar a atenção de jovens para o tema, e quem sabe fomentar o interesse e a vocação pelas ciências espaciais.

A louvação cega às empresas aeroespaciais, no entanto, pode ser prejudicial.

Já falei muito na minha coluna sobre os problemas gerados pela SpaceX, por exemplo, mas vale lembrar os leitores de como a nova corrida espacial prejudica os estudos astronômicos, contaminando as observações com a interferência de dezenas de milhares de satélites.

Os problemas não param por aí, no entanto.

A fixação pela ideia de uma colonização de outros planetas, por exemplo, acaba nos afastando dos pontos mais relevantes. Afinal, ainda faltam várias décadas (pelo menos) para podermos ocupar outros planetas do sistema solar de maneira eficiente.

E grande parte do desenvolvimento de tecnologias ainda é muito mais interessante do ponto de vista financeiro, para as mesmas empresas aeroespaciais, do que científico ou humanitário.

O estudo de outros planetas pode ser feito de forma muito mais barata e eficiente por missões não tripuladas.

Além disso, as missões tripuladas são extremamente caras, e sua priorização frequentemente acaba significando o cancelamento de vários telescópios espaciais, por exemplo, com impactos negativos para a pesquisa do espaço.

Alguns usam o argumento de que o lançamento de satélites de pesquisa fica mais barato com o desenvolvimento, por exemplo, de foguetes capazes de retornar à Terra.

É verdade, isso contribui para a ciência, mas também pode servir de chamariz para as empresas promoverem suas marcas, novamente desviando recursos que poderiam ser melhor empregados na pesquisa —não esqueçam que grande parte da pesquisa dessas empresas é financiada com verbas públicas.

Sei que alguns de vocês também vão dizer que precisamos pensar em tecnologias para colonizar outros planetas como caminho para a salvação da humanidade. Mas será que não seria melhor aplicar os mesmos recursos para tentar salvar nosso planeta antes?

Vejam bem, não sou contra o progresso, nem quero impedir os avanços que levam os humanos ao espaço. São grandes saltos para a humanidade, como já disse Neil Armstrong em 1969 ao caminhar na Lua.

Mas não devemos ser ingênuos a ponto de pensar na indústria aeronáutica como puramente científica, tendo em vista os fortes interesses econômicos envolvidos —sobretudo da indústria de armamentos, essa sim grande financiadora dos construtores de foguetes.

Também devemos lembrar que as verbas não são infinitas.

O custo estimado de uma viagem para Marte, por exemplo, chega a US$ 500 bilhões nas avaliações mais extremas, o que corresponde a 50 telescópios espaciais iguais ao James Webb. Qual tem um maior retorno científico? Para mim não há dúvidas de que eu escolheria a segunda opção.

Como tudo na vida, é necessário buscar um equilíbrio e um senso crítico. E isso é justamente o que eu não vejo no público que acompanha na internet os lançamentos de foguetes como se fosse imediatamente nos ajudar a compreender melhor o funcionamento do Universo. Eu acho que, antes disso, ajudam seus donos a encher mais os próprios bolsos.