'Aulas, cria'

Fiz 30 dias de abdominais com o Arthur, do 'BBB 21', e sobrevivi

Marcelo Daniel (texto); Mariana Pekin (fotos) Colaboração para Splash, de São Paulo Mariana Pekin/UOL

Arthur Picoli de Conduru, você aceita ser o meu personal trainer de abdômen até o final desses 30 dias?

Foi essa a frase que proferi, ajoelhado em frente ao notebook, que exibia na tela uma conhecida plataforma de cursos online.

Dramatizações à parte, meu vínculo com essa jornada começou três dias antes de o "BBB 21" nos agraciar com esse lendário momento (no mau sentido) da atriz Carla Díaz com o peguete, logo após uma triunfal volta de um paredão falso.

No dia 9 de março, recebi um pedido via fax de Splash me convidando a encarar um "desafio" chamado Strong Abs, treinamento online para fortalecimento abdominal durante 30 dias. O curso é oferecido no site e nas redes sociais do professor de educação física, que integra o elenco do reality show mais amado (e odiado) do país.

O método, "100% desenvolvido" pelo brother e sem repetir treinos, não chega a prometer um abdômen trincado ou riscado, digno de um Mister Espírito Santo, título que o capixaba conquistou em 2016. Nada disso: em um vídeo de 18 segundos de duração —uma das poucas vezes em que a voz de Arthur é ouvida—, ele fala sobre melhorar a qualidade de vida, auxiliar na postura, respiração, proteção dos órgãos vitais, estabilização e sustentação do tronco.

Hm.

Por um instante, visualizando meu recibo de inscrição, que custou cerca de R$ 200, me senti tranquilo por não estar investindo apenas na vaidade. Pelas explicações que ele deu nesses poucos segundos, me imaginei focado totalmente na minha saúde e bem-estar. O que é importante, já que aqui na minha casa eu não tenho o apoio da psicóloga do "BBB" para avaliar os meus passos.

Exercício relâmpago

Primeira aula do desafio.

O começo é sempre uma maravilha. Mesmo em total clima de confinamento, isolado em meu apartamento durante a pandemia, escolhi umas roupas bacanas de academia e meu velho tênis de corrida, que já tinha até esquecido de sua função nativa —acho que na última vez em que fiz um cooper, as marcas Adidas e Puma ainda pertenciam aos mesmos donos.

Apesar de fazer a inscrição pelo computador, a plataforma indica um aplicativo para smartphone que deve tornar o treino mais versátil.

Fecho a porta e me certifico de que as crianças não vão invadir o templo sagrado do Olimpo com alguma Galinha Pintadinha sob os braços. Respiro fundo. Aperto play: "Treino Dia 01", exibe o letreiro.

Enquanto tento me posicionar sobre o tapete, minhas pupilas buscam acompanhar com precisão os ensinamentos do mestre Picoli, que segue completamente em silêncio. Quarenta e seis segundos passam como se fosse um raio, a tela escurece, uma outra frase surge:

Bom Treino!

É isso. "O treino já acabou?", me questiono, incrédulo. É bem direto. Não tem cumprimentos, boas-vindas, nada. Já começa com o exercício em andamento, com caracteres miúdos explicando, em poucas palavras, o nome da postura, o número de séries e o tempo dedicado a cada movimento. No "BBB" seria necessário um pouco mais de simpatia e blá-blá-blá para seguir no jogo.

Noto que não estou sozinho nessa inquietação.

Uma dezena de comentários deixados na caixa abaixo da aula inicial lamenta, em sua maioria, essa rapidez e a falta de uma abordagem mais detalhada das posições. Uma pessoa da equipe do produto interage, respondendo que vai repetir os detalhes do treino, em texto, na descrição dos vídeos. Apenas isso.

De acordo com a sócia da Happy Assessoria Digital, Alessandra Abreu, foi um período muito curto entre a visita do Arthur e o lançamento do produto. "Não tivemos tempo para gravar algo mais produzido como costumamos fazer na agência", explica. Esse foi o fator que motivou a escolha de um formato de desafio e não de videoaulas para o curso.

Curiosamente, não me recordo de haver mais comentários no decorrer dos demais treinos.

Curiosamente —parte 2—, com o passar dos dias, começo a gostar dessa rapidez toda no processo. Explico em seguida.

O 'boom' do treino remoto

O longo período de isolamento gerado pela pandemia da covid-19 já aponta alguns efeitos na forma como as pessoas encaram os exercícios e a saúde. Uma pesquisa recente, como revela essa reportagem de VivaBem, evidencia que os treinos virtuais estão em alta —e a curva só cresce.

Um dos integrantes desse estudo, o professor de educação física e docente da pós-graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Paulo Amaral, atua no desenvolvimento de profissionais nessa área desde 2008. Ele confessa que, até pouco tempo, as propostas virtuais ligadas à área fitness eram vistas com ceticismo.

No entanto, com a evolução dos modelos, plataformas e possibilidades, há cerca de cinco anos, o próprio educador passou a oferecer cursos online, além de prestar consultoria a colegas que buscam vender seus métodos na internet.

"Os chamados infoprodutos são criados conforme o desejo de determinados públicos, mas é preciso ter cuidado com as falsas promessas ou as opções que não entregam as soluções anunciadas", explica o especialista, que costuma ser crítico à oferta desenfreada de certos tipos de cursos.

"São treinamentos feitos, muitas vezes, para solucionar os problemas desses criadores de conteúdo, e não do público que o consome", diz.

Sobre a precificação desses treinos, ele acredita que quanto mais aprofundado for o conteúdo, trazendo, por exemplo, temas mais imersivos na área comportamental, mais caro tende a ser o curso —alguns na casa de R$ 1.000.

Conteúdos de apelo mais técnico, com exemplos de exercícios para serem copiados em sequência, tendem a oferecer preços mais baixos. São numerosos os títulos dessa natureza oferecidos por valores como R$ 19,99 e R$ 29,99.

No caso do Strong Abs de Arthur, Amaral sugere que a assinatura de uma celebridade, como é o caso do integrante do "BBB 21", com todos seus recordes em registros de audiência, costuma agregar valor.

Como escolher seu treino virtual

  • 1

    Registro

    "É fundamental verificar se o profissional do infoproduto possui registro no Conselho Regional de Educação Física", diz Paulo Amaral. No caso do Arthur Picoli, o Cref 1-RJ-ES está devidamente registrado e ativo.

  • 2

    Desconfie

    "Sempre desconfie de ofertas que prometem 'X coisas em X dias'", reforça o professor de educação física.

  • 3

    Relacionamento

    "Priorize escolhas que ofereçam algum tipo de relacionamento com o inscrito, como mentorias online, pós-atendimento ou pós-venda".

Adaptação e martírio

Os primeiros dias foram adequação tanto aos vídeos quanto aos treinos. Cinco sessões foram suficientes para entender a "pegada" da didática de Picoli e passar a desenrolar com mais facilidade as rotinas diárias.

A plástica dos treinos é bem parecida: o brother surge calado na posição do exercício, ao som de uma trilha sonora altíssima —de música eletrônica, claro, ao melhor estilo da fase mais clássica daquele seu xará, de sobrenome Benozzati (também conhecido como Masculinah).

Senti dores? Senti. Não apenas no primeiro dia, mas, no decorrer de todas as etapas. Afinal, as posturas trabalham o chamado core, conjunto de 29 pares de músculos que compõem as regiões lombar, pelve, abdômen, períneo e quadril. Nesse tempo, passei a fazer chamada escolar em cada um deles e pude conhecer a turma toda.

O esforço, no entanto, não tem ares de tortura. Os treinos são rápidos, variando entre dez e 15 minutos.

De fato, conforme anunciado, praticamente não há repetição de movimentos. A versatilidade também é um ponto forte. Quase todos os desafios foram feitos dentro de meu apartamento, sem dificuldades quanto ao cenário. O próprio Arthur gravou muitas das aulas na sala de seu imóvel no Rio.

Um detalhe que pode dificultar a vida de quem, assim como eu, não tem tanta familiaridade com o mundo fitness, são as aulas com acessórios (poucas, apenas quatro delas). Arthur simplesmente aparece com bastões, pesos e banquetas que, nem sempre, são itens fáceis de improvisar. Em alguns casos, as legendas sugerem substitutos mas, ainda assim, de forma bastante superficial

O menino de Conduru

Após passar tanto tempo observando, pelo menos duas vezes ao dia, a figura do instrutor de crossfit (nas aulas de Strong Abs e na edição do "BBB" na TV, afinal, eu não estava lendo nenhum livro no momento), passei a nutrir uma curiosidade sobre seu personagem.

A paixão pelo distrito capixaba de Conduru, com seus 3 mil habitantes, não é fruto da exposição no "BBB". Em uma entrevista para um podcast de esportes, seis meses antes do reality show global, seu vínculo com sua terra natal é explícito desde os primeiros minutos.

Não foi tarefa difícil conversar com seus familiares. Bastou um simples telefonema à prefeitura da mítica Cachoeiro do Itapemirim, cidade a que pertence o distrito. O município está acostumado aos holofotes: ali nasceram reis da música, como o cantor Roberto Carlos, e das letras, como o escritor Rubem Braga, dentre tantos outros. Já Conduru, ao que tudo indica, está debutando na fama nacional.

Minutos depois e a tela do meu smartphone exibia uma foto de um post-it com um número de telefone e o nome "Beatriz mãe do Arthur do BBB".

Meu filho começou na musculação para ganhar massa e ter mais força física no futebol [esporte que jogou desde os 7 anos, integrando equipes do Atlético Goianiense, Itaboraí e Ponte Preta]. Daí foi gostando cada vez mais de treinar.

Beatriz Louzada, mãe de Arthur

São os Louzada que têm raízes em Conduru. Lá vivem o patriarca, irmãos, tios e muitos primos.

O crossfit apareceu na jornada do brother pela persistência. Após acompanhar as atividades do CFP 9, maior box dedicado à modalidade no Rio de Janeiro —e um dos mais conhecidos no Brasil—, como lembra sua mãe, "Arthur começou a treinar e disse 'essa vai ser a minha meta: vou trabalhar com eles'". O objetivo foi alcançado em junho de 2019. "Como tudo a que ele se propôs na vida", baba a mãe.

Deve ser por isso que ele se autodenomina "um puta de um crossfiteiro foda".

30 dias depois...

O curso online Strong Abs foi lançado após o início do reality show, ao fim de janeiro. A ideia era, justamente, aproveitar o destaque na atração para servir como vitrine.

Apesar de não cuidar diretamente desse produto, a mãe de Arthur afirma que o investimento está dando frutos:

No início, muita gente não se atentou ao lançamento, talvez não tivessem nem visto; hoje estamos registrando muitas inscrições; algumas pessoas chegam a comprar só para ajudar o Arthur, por ele ter se referido algumas vezes, durante o programa, ao carinho que ele tem pelo curso.

A mãe relata, ainda, o calor que emana das ruas. "Muitas pessoas daqui estão torcendo por ele; quando saio, recebo sempre uma palavra de carinho. Conduru ficou conhecido no Brasil e isso foi muito importante pra nós, que amamos nosso distrito", conta.

Enquanto isso, me preparo para o trigésimo dia de exercícios. Foram tempos duros. O esforço abdominal foi acompanhado por um cotidiano devastado pelo coronavírus, com mortes de pessoas próximas e um rio de tristeza.

Olhando para o jovem de 26 anos na tela do meu celular, me tornei um pouco mais próximo dessa figura cheia de matizes, que alterna superficialidade com companheirismo, descontrole com abnegação, frieza com uma humanidade que o faz sair da carapaça e chorar.

Confesso não ter percebido grandes mudanças físicas nesse trajeto, que cheguei a registrar parcialmente em minhas redes sociais. Mantive praticamente o mesmo peso —afinal, havia uma Páscoa no meio caminho.

Parafraseando o brother, a lagartixa não virou jacaré. Mas me senti focado em meu corpo e mais disposto nas rotinas, por ter esse compromisso de me exercitar diariamente (algo que fiz muito pouco em 2020).

Praticamente sem dizer uma palavra sequer, pelo menos em seu curso online, o tal Arthur do "BBB 21" conseguiu fazer a diferença. Ou, como ele mesmo diz: "aulas, cria".

Agora já estou pronto para saber qual é o treino e encarar o desafio para ficar fortão feito o padre Marcelo Rossi em 2021.

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