Como série 'Cidade de Deus' honra filme com novos talentos da periferia

Falar em "Cidade de Deus", para além de sua extrema relevância no cinema nacional, é falar sobre oportunidades. Em 2002, o filme revelou uma série de talentos que vinham da periferia do Rio de Janeiro, e transformou pessoas comuns de regiões periféricas em estrelas. Hoje, sabemos que a obra não mudou radicalmente a vida de todos, mas abriu portas que jamais poderiam ser fechadas.

20 anos depois do filme, a série produzida pela O2 para a HBO Max embarca na mesma missão. Filmada em comunidades de São Paulo, antes de se mudar para outra porção de filmagens no Rio de Janeiro, a produção buscou integrar moradores locais tanto em frente quanto por trás das câmeras.

"Desde os primeiros contatos, fomos muito abraçados pelas comunidades", celebra o produtor Welligton Pingo. "Uma ou outra locação fica um pouco ressabiada, e isso faz parte do processo. Mas quando você ultrapassa essa pequena barreira, você gera uma relação de confiança com a associação dos moradores e as portas são realmente escancaradas."

A gente é recebido com muito carinho, muito afeto e muita positividade.
Wellington Pingo, produtor executivo

Pingo explica que, com essa relação tão próxima, muitos moradores acabam trabalhando na produção. "Pessoas da comunidade fazem parte da equipe, seja auxiliando em detalhes da câmera ou na frente das câmeras. Quando as filmagens vêm para as comunidades, as pessoas são muito pacientes."

O diretor Aly Muritiba conta que o processo de seleção de elenco foi feito com esse mesmo olhar. "Tomamos todo o cuidado de trazer muitos atores do Rio de Janeiro e da própria Cidade de Deus. O primeiro casting da série foi feito na comunidade, e dele vieram 15 atores e atrizes que estão hoje com a gente", esclarece. "Acho que a gente está conseguindo encontrar uma verdade muito grande, porque no fim das contas, boa parte da verdade dessa história está nas pessoas e não necessariamente no lugar."

Neste sentido, Pingo ressalta que é importante haver uma relação, acima de tudo, respeitosa. "São pessoas de fora, que vêm mostrar como eles são, trazer melhorias, mas também respeitando e gerando trabalho. Um filme ou uma série, quando entra em uma comunidade, acaba gerando muitos empregos, direta ou indiretamente."

Contratamos centenas de pessoas em cada comunidade em que a gente filma. Eles fazem parte do nosso dia-a-dia, da preparação à filmagem.
Wellington Pingo, produtor

'Não compro meu remédio com legado'

Alexandre Rodrigues como o Buscapé de 'Cidade de Deus'
Alexandre Rodrigues como o Buscapé de 'Cidade de Deus' Imagem: Divulgação
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Alexandre Rodrigues, que ficou conhecido por interpretar o fotógrafo Buscapé (e volta para a série com novos desafios e conflitos internos), diz que a noção de legado que vem junto à grandiosidade do filme só surgiu muito tempo depois.

"A palavra legado surgiu quando fizemos 20 anos do tempo do filme. E aí a gente vai tendo a noção da proporção que o filme tomou. Quando a gente estava fazendo, pode esquecer, a gente estava ali só brincando mesmo."

Para ele, as portas que "Cidade de Deus" abriu precisam ser encaradas como apenas o começo —não só para ele, mas para muitos outros membros do elenco do filme que não seguiram na profissão.

"Oportunidade todos nós tivemos, foi uma janela gigantesca para todos nós nos profissionalizarmos e entrarmos no mercado de trabalho fazendo aquilo que gostávamos de fazer. A diferença está na estrutura familiar. Sempre tive um apoio muito grande da minha mãe", orgulha-se.

Acredito que não é fácil para ninguém. Eu não compro o meu remédio na farmácia com o legado de Cidade de Deus. Eu não vou comprar a minha casa com sei lá quantas mil visualizações o filme teve. Já melhoramos muito e vamos melhorar ainda mais. A minha luta hoje é exatamente essa.
Alexandre Rodrigues

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