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Djonga: 'Governo Bolsonaro naturaliza o discurso de ódio'

Colaboração para Splash, do Rio

26/10/2022 10h00

Autor de algumas das letras mais afiadas da música brasileira atual, Djonga conversou com Zeca Camargo no "Splash Entrevista" desta semana sobre a sua nova safra de dedos na ferida. O rapper mineiro acaba de lançar "O Dono do Lugar", sexto álbum de estúdio de sua carreira, que combina reflexões e vivências sobre racismo e masculinidade preta.

Como letrista, Djonga toma muito cuidado com o que diz - tanto nas letras como em suas declarações públicas. Por isso, espanta-se com o que ouve do presidente Jair Bolsonaro e seus representantes.

O que mais me preocupa neste governo é o discurso de ódio, a naturalização de coisas que não deveriam ser naturais.

"O presidente faz piada racista numa live e, se é questionado, acha absurdo", apontou. Para o rapper, "não existe nenhuma discussão no Brasil que não passe pela questão racial". E o discurso do atual governo passa longe disso.

"Desde o começo, querem 'plantar' uma liberdade de expressão irrestrita e absoluta, para falar de qualquer coisa de qualquer jeito, mas não querem lidar com as consequências", criticou.

Parece que a luta do cara é muito mais sobre isso do que sobre o Brasil que a gente precisa construir. Que liberdade é essa? Isso não faz sentido nenhum. É pura hipocrisia. E o governo naturaliza esse discurso.


'Estamos voltando pro apartheid?'

Durante o programa do UOL, foi inevitável para Zeca falar de racismo com Djonga. Para o artista, um tema inescapável em todos os seus discos. "É uma coisa que eu vivo", disse.

Ele contou um episódio num "restaurante chique" em Santa Catarina, onde foi há algum tempo com amigos. "Parecia que a gente era atração de zoológico. Todo mundo olhou", reclamou.

Algumas pessoas brancas não conseguem acreditar, não percebem de tanto que é naturalizado o racismo. A gente tem que lutar contra isso.

Djonga considera essa tarefa urgente, para evitar novos casos como o sofrido pelo humorista Eddy Jr. dentro do condomínio onde mora em São Paulo. "Ou a gente luta ou daqui a pouco tem outra senhora fazendo aquilo de novo com um menino como o Eddy", disse.

Estamos voltando pra era do apartheid? Vamos perder nossos direitos? Daqui a pouco não podemos nem votar mais, nem entrar no mesmo elevador?

"Isso é algo que acontece toda hora com a gente", lamentou. "Por isso trago essa discussão sempre nas minhas letras."

'Não faço apologia ao crime, faço obra de arte'

No bate-papo com Zeca, Djonga estendeu sua preocupação com o discurso à compreensão da audiência. Mas é um risco que ele gosta de correr em suas letras.

"Eu quero que seja assim, quero ver o que as pessoas vão falar", disse. O problema é que há quem faça associações maldosas e não foram poucas as vezes que ele foi acusado de fazer apologia ao crime por suas músicas.

"É tipo um filme: o Rambo vai lá e mata todo mundo, mas ninguém acha que o Stallone é um assassino", comparou.

Este é o argumento da polícia, que diz que a gente está fazendo apologia quando fala de crime numa música. Eu não estou fazendo apologia, estou fazendo uma obra de arte.

"Quando o Poze fala de crime, ele não quer que os 'menor' caia no crime. Ele está falando do que ele vê", explicou. "Eu falo sobre o que eu vejo. E o que acontece é duro, é triste, dói. Dói em mim."

'Quis fazer a discussão do racismo com a mulher branca'

"Conversa com uma menina branca" é a música favorita de Djonga no novo álbum. "Eu sempre 'bato' no homem branco, que para mim é o principal difusor do racismo que prejudicou o povo preto e povo pobre", explicou. Em "O Dono do Lugar", porém, o rapper mudou o enfoque.

Dessa vez eu quis fazer a discussão com a mulher branca, porque ela também contribui para a perpetuação do racismo e da opressão.

Na música, o rapper narra uma conversa desconfortável com uma mulher branca, que revela um abismo social gritante. "É a visão de um cara preto. Essa relação existe e é muito complexa, no campo amoroso é um debate grande", disse.

Essa música significa apenas que aquilo ali acontece, aconteceu e vai continuar acontecendo, e a gente tem que trazer essas discussões.

Splash Entrevista

Apresentado por Zeca Camargo, o programa recebe artistas e celebridades para um papo sincero sobre vida e carreira. Os episódios são disponibilizados toda quarta, a partir das 10h, no canal de Splash no YouTube e no UOL.