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Maradona é maior que Pelé? Série mostra por que mito vai além do craque

Nazareno Casero como Maradona na série "Maradona: Conquista de um Sonho" - Reprodução
Nazareno Casero como Maradona na série "Maradona: Conquista de um Sonho"
Imagem: Reprodução

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em Buenos Aires*

29/10/2021 04h00

Os corredores de La Bombonera estão agitados. Sósias de Carlos Valderrama e outros jogadores dos anos 1990 cruzam com jornalistas e dezenas de figurantes. Eles partem para as arquibancadas do setor norte do estádio. O clima é de festa, mas o contexto, melancólico.

Depois de 25 anos, Diego Armando Maradona (1960-2020), o maior de todos os tempos —não ouse questionar essa afirmação perto de um argentino—, está se despedindo do futebol no gramado que tantas vezes o consagrou.

Ele (na verdade um Juan Palomino 20 kg mais pesado) vai em direção ao microfone para proferir seu famoso discurso final. Ao fundo, a pequena torcida xeneize, multiplicada na tela via computação gráfica, delira após o amistoso entre Argentina e a seleção do resto do Mundo.

"Errei e paguei, mas o que fiz em campo não se apagou", diz o craque aos 41 anos, como um errático mito grego, naquele que seria seu último poema futebolístico. Maradona sai então abraçado a Dalma e Gianinna, suas filhas adolescentes, e, ovacionado, tropeça na própria emoção ao ser interpelado por um repórter à beira do gramado.

Toda a cena descrita acima aconteceu no dia 10 de novembro de 2001, mas também no set de "Maradona: Conquista de um Sonho", nova série da Amazon Prime Video que estreia hoje no streaming, véspera do aniversário do ídolo. Como o UOL pôde conferir in loco, o detalhismo da reconstituição é assombroso.

Juan Palomino como Maradona na série da Amazon - Divulgação - Divulgação
Juan Palomino como Maradona na série da Amazon
Imagem: Divulgação
Nova biografia

Rodada antes da pandemia e da morte de Diego, com locações na Argentina, Espanha, Itália e México, a produção tenta radiografar, com todas as imprecisões típicas do formato, a trajetória do atleta desde a juventude humilde na Villa Fiorito, periferia de Buenos Aires, até a consagração internacional e sua conhecida derrocada.

As múltiplas facetas de Maradona, que para os produtores complementam à do documentário de Asif Kapadia lançado em 2019, são encarnadas por quatro atores: Juan Cruz Romero (criança), Nicolás Goldschmidt e Nazareno Casero (dos 15 aos 40 anos) e Juan Palomino (a partir da aposentadoria). A segunda temporada da série, que tem caráter oficial e foi intermediada por advogados de Maradona, já está confirmada.

Amazon Prime divulga primeira imagem da série "Maradona" - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Mas que Maradona é este?

Com golaços, títulos e uma movimentada vida pessoal, que inclui uma overdose de cocaína, os dez primeiros episódios não economizam em polêmicas e buscam responder a uma pergunta cuja resposta todo fã sabe de cor, embora não precise dizer.

Como Maradona se transformou em uma figura tão grandiosa, a ponto de inspirar igreja, unir rivais mortais no futebol e ser reconhecido como espelho cristalino de uma nação, como poucos conseguiram na história?

Indo além sob uma ótima mais brasileira: por que Diego é mais adorado na Argentina do que o atleta do século Pelé é no Brasil? Antes de acompanhar a gravação, a reportagem repetiu essa pergunta aos Maradonas e ao elenco da série e chegou a algumas pistas interessantes.

Maradona da série da Amazon - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Segundo eles

  1. Mais do que um craque, Maradona era uma pessoa vulnerável e apaixonada, que errou muito, como todos nós.
  2. Famoso pela opinião forte e personalidade, ele não fazia o tipo de "politicamente correto", nem qualquer outro tipo.
  3. Diego era um rebelde que enfrentava poderes estabelecidos, como fez quando peitou a Fifa para criar um sindicato de jogadores.
  4. Com raízes europeias e indígenas, Maradona tinha orgulho de sua origem pobre, semelhante à da maioria dos argentinos. E não só isso.

Com sua bondade e miséria, Maradona era o tango e o rock. Mesmo quando teve um estilo de vida mais glamoroso na Europa, jamais desprezou sua origem e os personagens dela. Era um Robin Hood moderno que marcou as diferenças sociais do seu tempo e as aspirações de um povo. Por isso nos identificamos tanto com ele.
entende Juan Palomino

Para o Maradona adulto Nazareno Casero, um apaixonado pelo Brasil e que responde em português —aprendeu no longa "Estamos Juntos" (2011), estrelado por Cauã Reymond—, Diego virou um santo argentino justamente pela capacidade única de operar milagres.

"Ninguém achava que ele pudesse ganhar uma copa 'sozinho' como fez em 86. Ninguém esperava que ele fizesse o Napoli, então um time pequeno de uma região pobre, começasse a ganhar títulos na Itália. Ele tem um espírito 'punk' de vencer os desafios dados. E isso é místico", afirma o ator.

Nicolás Goldschmidt, que atuou na versão original da novela "Chiquititas" e vive o craque adolescente, diz que a unanimidade está relacionada à frenética montanha-russa que foi a vida de Maradona, extremamente atraente —e cinematográfica— aos olhos do público e que fez dele um astro pop na era da televisão.

Nazareno Casero como Diego Maradona da série da Amazon - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

"Pelé era mais estável como figura pública. Acho que o Maradona teve mais crises como o 'artista' do futebol e da vida que foi. E acho que essas crises fazem dele mais humano. Quando isso se revela, a paixão cresce", opina.

Mas quem foi melhor afinal? Pelé ou Maradona?

Apesar das estatísticas e do mundo estarem ao lado do brasileiro, ninguém da série "Maradona: Conquista de um Sonho" ousa dizer que ele está acima do biografado. Por serem argentinos? Certamente. Mas a atriz Julieta Cardinali, intérprete da versão de Claudia Villafañe, esposa do protagonista, nos fornece um olhar convincente sobre o personagem.

"Talvez vocês, brasileiros, nunca entendam isto. Mas, se Pelé fosse argentino e Maradona, brasileiro, eu preferiria o Maradona. Por que há algo 'quebrado' e imperfeito nele. E sentir vulnerabilidade me aproxima de qualquer um. Atores, músicos, esportistas. Todos que são vulneráveis tendem a simpatizar com seus pares. Diego era assim", resume.

Talvez o Brasil não esteja pronto para esta conversa.

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*O repórter viajou a convite da Amazon