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Leonardo Rodrigues

REPORTAGEM

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Por que ouvir disco de vinil faz você destruir o planeta; mas há solução

Disco feito com material biodegradável desenvolvido pela empresa britânica Evolution Music - Divulgação
Disco feito com material biodegradável desenvolvido pela empresa britânica Evolution Music
Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

29/09/2022 15h33

Os discos de vinil, cujas vendas dispararam no mundo e inspiraram a criação desta coluna, escondem uma verdade inconveniente. E ela salta como uma agulha nervosa sobre um LP arranhado. Vinis são feitos de... vinil.

O material, também conhecido como PVC ("polyvinyl chloride" ou policloreto de vinila), é um dos polímeros sintéticos mais produzidos no mundo e, segundo o Greenpeace, também um dos mais danosos ao meio ambiente.

Não que um colecionador imbuído do espírito de Flávio Cavalcanti vá quebrar ou arremessar no lixo seu valioso disco, poluindo o planeta imediatamente, mas há duas questões urgentes que precisam ser resolvidas pela indústria.

O descarte. Além de gerar toxinas, o PVC pode levar até mil anos para se decompor na natureza.

A fabricação. O sistema atual de prensagem de discos, o mesmo de décadas atrás, envolve o uso de uma série de produtos químicos poluentes e energia derivada de combustíveis fósseis.

Há ainda outros problemas ambientais envolvidos, da tinta à base de solvente jorrada na impressão de capas ao carbono emitido pelo caminhão que os transporta das fábricas até as lojas.

E justamente por isso empresas de diversas partes do mundo vêm quebrando a cabeça para oferecer alternativas sustentáveis a consumidores cada vez mais jovens e socialmente conscientes.

Dois projetos, por ora, estão na dianteira nessa corrida: o da Green Vinyl Records, do grupo holandês Symcon, e o da britânica Evolution Music.

A ideia do primeiro é substituir o vinil por PET (o mesmo material das garrafas e de alguns discos piratas), que, apesar de poluente e ter como base combustível fóssil, é 100% reciclável e capaz de ser refundido e moldado por diversas vezes.

Segundo os desenvolvedores, que ainda não deram previsão de lançamento comercial, o processo de prensagem do "green vinyl" será econômico, com redução de 70% no gasto energético, e limpo.

Conforme mostra o vídeo abaixo, o maquinário utilizará uma prensa a vapor alimentada por um sistema elétrico, dispensando queima de gás natural, que é mais poluente e ocorre em grande parte das fábricas.

Já a proposta Evolution Music é mais ousada: criar um novo material para discos. Um plástico biodegradável feito a partir de açúcares e amidos. Ele manteria quase todas as características de um vinil comum, mas sem agredir a natureza.

O CEO Marc Carey afirma que a "maioria das principais fábricas de discos do mundo" já demonstrou interesse em produzir os "biodiscos", assim como algumas gravadoras e artistas.

Marc Carey, CEO da Evolution Music, exibe protótipo do disco biodegradável - Stuart McDill/Reuters - Stuart McDill/Reuters
Marc Carey, CEO da Evolution Music, exibe protótipo do disco biodegradável
Imagem: Stuart McDill/Reuters

O padrinho da empreitada é Michael Stipe, ex-líder do REM. O primeiro "biodisco" será preenchido com músicas dele e da cantora indie Beatie Wolfe, com tiragem limitada de 500 cópias, que já se esgotou em pré-venda.

Os lucros serão revertidos para a ONG EarthPercent, fundada pelo produtor e músico Brian Eno, que atua na transição energética, justiça climática e proteção da natureza.

Tudo isso é ótimo. Mas algumas questões afligem eventuais compradores. Entre elas:

  1. Quanto tempo esses novos discos terão de vida útil?
  2. A qualidade sonora do vinil mudaria com os novos suportes, já que a masterização precisa ser adaptada a um novo material?

A coluna entrou em contato com as empresas para fazer exatamente essas perguntas, e as repostas foram promissoras.

Segundo Harm Theunisse, o desenvolvimento mostrou que os discos feitos de PET (poli tereftalato de etila) são ainda mais resistentes que os de vinil a longo prazo e por isso, na teoria, duram mais.

"Um disco de PVC à moda antiga pode ser tocado de 50 a 70 vezes antes de começar a se degradar e afetar o som. O nosso começa a se degradar depois de 400 vezes", propagandeia ele, assim como o concorrente inglês.

"Nosso produto apresenta durabilidade similar à do vinil tradicional, incluindo benefícios como a ausência de armazenamento de energia estática nos discos, o que causa interferências", destaca Carey.

O "disco verde" da Green Vinyl Records - Reprodução - Reprodução
O "disco verde" da Green Vinyl Records
Imagem: Reprodução

Fisicamente, ambos os discos serão idênticos aos de vinil. E eles afirmam que os materiais foram escolhidos para não haver nenhuma diferença de som

"Tomamos o cuidado de garantir que o processo de masterização e acabamento sonoro permaneçam iguais. Não há perda de equalização. Soará como um vinil normal", afirma o chefe da Evolution.

"Você vai poder pegar um toca-discos do porão do seu pai e ele vai tocar. Não será necessária comprar outra agulha. Compradores nem perceberão a diferença", complementa Harm Theunisse.

O disco biodegradável inglês está à frente do concorrente. Mas um deles conseguirá de fato substituir, ao menos parcialmente, os existentes em um futuro próximo? Ou estamos diante apenas de mais discursos marqueteiros? Essa é a pergunta que todo amante de mídia física está se fazendo agora.

E a resposta ainda é incerta. Só o tempo, a indústria e os hábitos do consumidor poderão respondê-la. Até lá, na opinião deste escriba, discutir propostas como essas são um caminho sem volta. Um passo à frente para o futuro sustentável do planeta e para a indústria de discos.

Há muitos outros entraves ecológicos e logísticos na cadeia produtiva. A falta de matéria-prima em fábricas, como já se sabe, é um deles. Atualmente, só existe uma fornecedora de laca, o material utilizado para prensar LPs, e a empresa tem sede no Japão.

De qualquer maneira, com os altos custos de energia consumida por servidores de streaming, discos físicos podem, sim, se tornar uma opção viável e verde. E precisamos estar preparados para isso.

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E até a próxima datilografada!