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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Google: o elo entre Anitta, Otaviano, a cigana e falsa vitória bolsonarista

Anitta e um dos alvos favoritos dos sites caça-clique que se aproveitam de falhas do Google - Reprodução / Instagram
Anitta e um dos alvos favoritos dos sites caça-clique que se aproveitam de falhas do Google Imagem: Reprodução / Instagram

Colunista do UOL

01/02/2023 12h50

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Em menos de uma semana, Anitta foi manchete em veículos da imprensa por supostamente ter comprado uma casa, gerando indignação entre os novos vizinhos, e o apresentador Otaviano Costa ganhou destaque por ter sido demitido do SBT.

As duas notícias eram falsas, como você pode ver na apuração do colunista Lucas Pasin e no vídeo de Otaviano, no qual ele explica que seu contrato era de apenas três meses.

Isso não impediu que diversos perfis de fofoca e até mesmo sites sérios de grupos tradicionais de notícias reproduzissem as informações. No centro de tudo, está o Google e seu algoritmo que seleciona as notícias que serão apresentadas aos usuários, gerando mais audiência para quem as publica.

Uma falha desse algoritmo foi a justificativa da empresa para uma informação errada veiculada ontem. Ao buscar o nome do senador Rogério Marinho (PL-RN), o usuário se deparava com a frase "Rogério Marinho é eleito presidente do Senado". A eleição acontece apenas nesta quarta-feira (1º), tendo como favorito outro candidato, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O que o Google tem a ver com isso?

A razão de perfis de fofoca nas redes sociais publicarem conteúdo caça-cliques é fácil de entender. O engajamento e o alcance são altos e as marcas investem milhares de reais neles por serem baratos em comparação às alternativas (veículos tradicionais).

Como vivem de copiar e usam profissionais em sua maioria mal remunerados e sem formação profissional, os perfis e sites apelativos são um adversário impossível para veículos tradicionais enfrentarem sem destruir o valor de marcas construídas ao longo de décadas.

Mesmo a contragosto as redações estão se rendendo aos títulos "apelativos" porque quem não faz isso "desaparece" no Google.

Por que até veículos sérios apelam ao caça-clique?

São as notícias mais clicadas que a gigante de buscas destaca, como expliquei aqui. O clique é um dos principais indicativos para os algoritmos de que um assunto desperta interesse do usuário. Quanto mais interesse do usuário, maior a exposição no Google.

Cada vez mais, para os editores, não aparecer no topo do Google significa não existir na internet.

Segundo o Kantar WorldPanel, mais de 87% dos celulares no Brasil em setembro de 2022 eram Android, sistema operacional do Google. Resumidamente, títulos apelativos geram cliques. Existem ainda os mecanismos de buscas, onde o Google domina mais de 90% do mercado no mundo e algo próximo de 100% no Brasil.

A dominância do Google exige que os sites trabalhem cada vez mais para os algoritmos. Mas é uma corrida para o fundo do poço. Quanto pior e mais chocante um título, melhor. Quanto mais curiosidade, indignação, raiva, e fortes emoções, mais cliques.

A fake news do Google sobre Rogério Marinho e a eleição do Senado

A respeito do falso anúncio de vitória de Marinho no Senado, o Google disse à colunista Monica Bergamo que o algoritmo "não funcionou" e por isso "elegeu" Rogério Marinho para o Senado. "Títulos das seções notícias principais são gerados de modo contínuo por algoritmos. Neste caso, o sistema não funcionou como previsto e o título foi corrigido", afirmou o Google, em nota.

É difícil saber quantos erros desses acontecem diariamente e qual a magnitude, mas não é segredo que textos de maior número de cliques (usualmente mais apelativos) ganham mais peso quando o robô gera suas próprias respostas.

O zero clique, quando o Google usa seus robôs para rastrear o conteúdo de uma publicação e criar respostas para os usuários, é uma crescente reclamação dos editores. Quando o Google mostra uma resposta resumida, a pessoa não visita o site de onde saiu o conteúdo original e o editor não é remunerado.

Assim como os editores correm atrás de aumentar o engajamento com títulos apelativos, o próprio robô do Google busca criar conteúdo mais eficiente. Então, o algoritmo foca nas matérias com mais cliques, que não raro são apelativas e distorcidas mesmo em veículos sérios, para gerar suas respostas.

O universo paralelo bolsonarista confunde o Google. Quem buscar por "Rogério Marinho Presidência Senado" limitando a busca à data de segunda-feira (30) verá no topo dos resultados a manchete "Bancada do PL diz ter votos para eleger Marinho presidente do Senado", publicada pelo Metrópoles. Também aparecem em destaque outras matérias otimistas sobre a vitória do bolsonarista, como uma declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que fala em "vamos ganhar".

Não surpreende o algoritmo estar confuso. Nas falas dos bolsonaristas, Marinho era tratado como vencedor. Mas este tipo de conteúdo gera clique. Quem, entre os bolsonaristas, quer ler sobre chances de derrota podendo ler sobre uma vitória? No "universo bolsonarista" a vitória era certa e o Google, aparentemente, acreditou.

Note que os textos são todos factuais. Mas diferentemente do jornal impresso que resumia tudo no título porque o leitor já havia comprado a edição, na internet a ideia é levar para dentro do texto, por meio do clique, e segurar o leitor o máximo de tempo no site para monetizar com publicidade.

Obviamente, trazer resultados ruins e até falsos como no caso de Marinho é péssimo para o usuário do Google. A empresa luta ativamente contra textos abusivos e investe milhões em jornalismo de qualidade. Também tenta constantemente aprimorar os algoritmos, mas é um jogo de polícia e ladrão no qual o prêmio é alto e a punição não existe para quem não tem ética.

A cigana Sulamita no topo do Google

Na terça-feira à noite, uma busca no Google por "Marinho ou Pacheco quem vence" trazia como primeiro resultado nas abas de Busca e também Notícias o texto "Marinho ou Pacheco? Vidente crava quem vencerá as eleições no Senado", do Correio Braziliense.

O tradicional jornal de Brasília sem dúvida é uma referência em notícias. Mas o número de cliques desta matéria foi determinante para esta notícia especificamente estar no topo. Note que um tema tão relevante como a eleição da presidência do Senado teve cobertura de todos os grandes veículos, mas é a cigana que domina a busca.

Aqui um segundo indício de como funciona o algoritmo: a performance nas redes sociais também interfere nos resultados ao trazer mais cliques.

A cigana Sulamita não diz que Marinho vencerá, mas deixa aberta a possibilidade de vitória do bolsonarista. Isso pode ter confundido o algoritmo na hora de gerar uma resposta. O Google leva em conta diversas matérias na hora de gerar um resultado, seja para ranqueamento nas buscas ou snippets (respostas resumidas), inclusive pode usar diferentes trechos de diferentes fontes. Mas se o robô levou em conta o que diziam as matérias com os bolsonaristas do "já ganhou", várias delas no topo das buscas, a vitória seria uma certeza.

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