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Guilherme Ravache

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Sites queridinhos do Google enchem seu celular com fake news sem você saber

O ator Armando Babaioff foi mais uma vítima dos sites de fake news que ganham espaço no Google - Reprodução/ Instagram
O ator Armando Babaioff foi mais uma vítima dos sites de fake news que ganham espaço no Google Imagem: Reprodução/ Instagram

Colunista do UOL

21/08/2022 04h00

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"Numa boa. Isso aqui não se faz. Alguém da minha família viu essa porra e ligou para a minha mãe, que tentou me ligar e não conseguiu porque eu estava filmando. Vocês deixaram uma senhora de 76 em pânico. ISSO NÃO SE FAZ CARALHO! ISSO É IRRESPONSÁVEL SEUS MERDAS! ISSO É NOJENTO!"

O motivo do desabafo do ator Armando Babaioff, publicado dia 13 de agosto, no Twitter, foi a notícia publicada pelo site TV Foco com o título: "Armando Babaioff sofre grave acidente e cirurgião confirma". Quem clicava na notícia descobria que o "o grave acidente" e a "cirurgia" na verdade se tratavam de um dente quebrado.

Horas após Babaioff se manifestar no Twitter, o TV Foco tirou o texto do ar. Três dias depois, o site publicou um texto no qual afirmava: "Erramos! A publicação foi derrubada imediatamente, o colaborador responsável desligado e enviamos um pedido de desculpas ao ator. Além disso, queremos publicamente sinalizar que nossos esforços não vão parar por aqui".

O texto do site segue dizendo que "os erros do passado nos ensinaram lições e desde então estamos nos empenhando em construir esse novo TV Foco. Sob uma nova gestão e um novo olhar, continuamente nossos esforços têm sido em produzir matérias com apurações mais cuidadosas, diretas, objetivas e claras, para entreter nossos milhares de leitores que buscam ficar por dentro do mundo das celebridades e da TV.

Não é a primeira vez: o caso Isis Valverde

Nenhum jornalista ou publicação está livre de cometer erros ou exageros. Mas essa não é a primeira vez que o TV Foco se vê diante de uma polêmica com títulos falsos.

Em 2019 o TV Foco publicou uma foto da atriz Isis Valverde com a manchete "Isis Valverde mostra os peitos em foto íntima e faz grande anúncio: 'hoje tem'". O título sexualizava a imagem da atriz e levava o leitor a imaginar que veria outro tipo de conteúdo. A foto na realidade se tratava de uma imagem de Isis amamentando o filho.

"Fui agredida. Minha família foi agredida. Sabe como é mãe de primeira viagem, todo mundo sabe que amamentar é difícil. Eu fiquei arrependida de ter postado", disse Isis no programa Encontro ao comentar a publicação.

Na época, assim como fez essa semana, o site pediu desculpas e disse que iria mudar sua equipe e ajustar processos editoriais. O TV Foco "comportado" foi um fiasco. A audiência despencou. Em janeiro de 2021, ainda em sua fase "mais comportada", o site tinha 7 milhões de usuários. À medida que a publicação retomou os títulos apelativos, a audiência disparou. Em junho o TV Foco se tornou o maior site de notícias de entretenimento do país, segundo dados da Comscore, mais de 22,7 milhões de usuários visitaram o site naquele mês.

Segundo o Comscore, em junho havia 131,7 milhões de usuários em toda a internet brasileira. Ou seja, o TV Foco alcança mais de 17% de todos os usuários de internet no país. O alcance é superior ao de publicações que investem milhões de reais para produzir conteúdo jornalístico original de qualidade e não raro fecham o mês no prejuízo.

É um equívoco imaginar que esses sites de notícias falsas são pequenas operações lideradas por amadores. Por trás dos erros de português e redatores mal remunerados que reciclam textos copiados de outras publicações e inventam títulos apelativos existe uma indústria milionária que desinforma milhares de brasileiros.

O faturamento do TV Foco, de acordo com a ferramenta SimilarWeb, varia entre R$ 10 milhões e R$ 25 milhões por ano. Segundo três relatos ouvidos pela coluna, descontadas as despesas, o TV Foco lucraria entre R$ 400 mil e R$ 700 mil por mês. Em junho, quando falei por WhatsApp com Aaron Tura, fundador do site, ele afirmou que o valor seria bem menor. A coluna tentou contato novamente essa semana com Aaron, mas não foi atendida. Caso Aaron se manifeste, seu comentário será incluído no texto.

Menos ética, mais cliques

O negócio das notícias falsas tem um problema intrínseco. A maior barreira de entrada neste mercado não é o investimento inicial ou mesmo a competência jornalística. O segredo é ter um misto de falta de ética, capacidade de inventar conteúdo caça-cliques e expertise em SEO (Search Engine Optimization) para enganar o algoritmo do Google. Tudo isso ao menor custo possível.

Isso ajuda a explicar a disparada desses tipos de site no país. O Gerou Buzz é um exemplo. A publicação há poucas semanas se tornou uma presença frequente nas plataformas do Google. O segredo? Títulos como "Cantor Daniel surge agarrado com seu amor e beleza surpreende: 'Lindos'". Diferente do que o título leve a crer, o amor é a esposa do cantor.

A Globo é um alvo constante desses sites. "Revoltada, Patrícia Poeta escancara demissão ao vivo e detona humilhação: 'Último dia vai ser quinta'". Apesar das polêmicas, a apresentadora segue na Globo. A manchete em questão se referia a uma história relatada no Encontro, programa que Patrícia apresenta.

O Gerou Buzz usa um proxy (uma empresa intermediária) para esconder a identidade de seu dono. A prática é comum na indústria de pornografia. Porém, um telefone celular disponível no site pertence ao sócio de uma empresa aberta há apenas 20 dias em Paulo Afonso, na Bahia.

A explicação para o sucesso, além dos títulos falsos e apelativos, está em "truques" usados no site. O Gerou Buzz têm páginas de autor, uma referência importante para o Google, mas ao invés dos nomes reais de quem escreve (ou copia) os textos, são usados nomes de jornalistas de outros grandes veículos. O Google não revela detalhes do algoritmo que escolhe quais sites serão destacados em suas plataformas, mas é notório que a credibilidade do autor é um fator determinante.

Sites enganam leitores e o Google

Os editores são unânimes em dizer que audiência e clique estão cada vez mais relacionados, principalmente nas plataformas para celular do Google (a maior delas o Discover, que sugere links de notícias). O tráfego vindo de celular é o que mais cresce e chega a representar mais de 90% das visitas em alguns sites de notícias.

"O impacto de sites de fake news como o TV Foco é pernicioso em toda a imprensa, dos grandes portais e jornais aos sites pequenos que lutam para fazer um jornalismo de qualidade", afirma Daniel Castro, publisher do site Notícias da TV.

Segundo Daniel, o mercado está seguindo o modelo do TV Foco porque o algoritmo do Google privilegia títulos apelativos, que geram mais cliques. "Títulos com perguntas ou que escondem a informação principal são cada vez mais comuns em todos os lugares, inclusive nos grandes portais e jornais tradicionais. É uma forma de aumentar o CTR, a taxa de conversão em cliques".

Sandro Nascimento, sócio-diretor do Portal NaTelinha, diz que o movimento contamina de forma ampla o mercado. "Está tendo o efeito de queda na qualidade do que está sendo produzido. Você disputar, de igual para igual, espaço no Google com notícias que possuem títulos falsos e com a clara intenção de enganar o internauta é desolador".

Segundo Sandro, "virou um negócio milionário publicar fake news. Essa situação no ambiente digital faz o jornalismo ético, sério e de qualidade enfrentar uma das suas piores crises".

"Vários sites se dizendo jornalísticos estão nascendo no ambiente digital sem jornalistas. Apenas com excelentes profissionais de SEO", acrescenta Fabrício Falchetti, CEO e fundador do NaTelinha. "Este cenário é triste. Não que um profissional anule o outro, ou que tenha mais valor que outro, mas o jornalismo precisa ficar nas mãos de jornalistas. Sites sérios não podem ter a mesma vitrine no Google que estes que visam somente o lucro e sem ter o compromisso de informar".

Vale tudo pelo clique

Um recurso usado frequentemente pelas publicações tem sido falar de qualquer coisa que possa gerar comoção, curiosidade ou revolta para ter ter cliques. O Olhar Digital (publicação reconhecida e respeitada no segmento de tecnologia) recentemente esteve no topo do Google com o texto "O que é endometriose, doença que fará Anitta passar por cirurgia". O texto não era falso, mas não tinha nada sobre o tema tecnolocia.

Existem ainda casos mais particulares como o BolaVip. O site com sede no Uruguai é especializado em esportes e tem versões em português, espanhol e inglês. Mas no Brasil a publicação também fala de famosos e TV. Para o Google, o BolaVip também é uma referência quando o assunto é a novela Pantanal.

A estratégia funciona, segundo o SimilarWeb, o BolaVip tem 79,2 milhões de visitas por mês. O Brasil representa uma crescente parcela do tráfego. Mas ainda segundo o SimilarWeb, o tempo médio de visita ao BolaVip seria de apenas 4 segundos. Isso mesmo, segundo a ferramenta, um leitor do BolaVip passa em média 4 segundos lendo as publicações. No TV Foco a média é de 16 segundos. O tempo é pequeno, mas suficiente para que ganhem com publicidade.

Sites de jornais costumam superar 5 minutos de permanência. No Valor Econômico, a taxa média é superior a 13 minutos. Quanto maior o tempo de permanência na página, maior tende a ser a credibilidade e profundidade da publicação. Mas isso tem pesado cada vez menos na performance das notícias no Google, como os números do BolaVip e TV Foco indicam.

Os esforços do Google

O Google investe milhões em jornalismo, particularmente nos veículos tradicionais por meio do Google News Initiative. Em mais de uma ocasião fui beneficiado por programas de apoio ao jornalismo do Google e também do Facebook. Mas o sentimento crescente entre os editores é que estão perdendo a batalha do algoritmo.

"O Google e todas as plataformas que promovem conteúdo jornalístico têm de separar o joio do trigo. Não dá pra colocar a Folha e o Estadão no mesmo pacote do TV Foco", afirma Daniel Castro. "Não dá pra colocar o Notícias da TV no mesmo balaio do BolaVip, um site que cozinha notícia de futebol, que não apura nada, e que agora publica também publica spoiler de novela. Nós investimos em repórteres, que dão furos, conseguem os capítulos de novelas com suas fontes. Isso custa caro".

Daniel lembra que apenas a Folha tem mais de 200 jornalistas. "Mas, pelo visto, dá menos retorno do que contratar redatores de texto ruim pra cozinhar o que sai na concorrência", afirma o editor e acrescenta: "Entendo quando o Google não privilegia sites lentos ou que têm paywall porque isso frustra a experiência do usuário, mas dar destaque para fake news é dar um tiro no próprio pé".

A coluna também conversou com seis editores, dois profissionais ligados a uma instituição de checagem de notícias e uma associação que reúne veículos de imprensa. Todos pediram para permanecerem anônimos pois suas organizações têm relevantes acordos comerciais com o Google. Mas de uma maneira ou outra, as preocupações e reclamações se repetem.

Procurado pela coluna o Google não comentou. Mas o tema está no radar da empresa. Na próxima semana é aguardada uma grande atualização do algoritmo do Google que tem a valorização do conteúdo original e autenticidade entre seus principais objetivos. Nos últimos dias o Google também passou a avisar quando não tem muitas informações confiáveis na busca. O alerta será exibido principalmente em pesquisas sobre notícias de última hora, quando há pouco conteúdo de qualidade. O buscador também passará a mostrar mais contexto sobre os sites que são exibidos para os usuários.

Conspirações viram entretenimento

Imaginar que essa mistura de mentira e jornalismo ficará restrita ao segmento de entretenimento é tão fictício quanto os títulos que publicam. O modelo está sendo cada vez mais usado em outros segmentos, inclusive na política, em sites que ganham um verniz de conteúdo de notícias.

"Já convivemos com blogs e sites que empregam estratégias de títulos caça-clique. Mas é uma lógica diferente da do entretenimento, porque o foco é a busca pela reação colérica do leitor", diz Thais Reis Oliveira, editora executiva do site da CartaCapital. "Fazer algo pequeno parecer uma revelação bombástica é um artifício cada vez mais usado", acrescenta.

No caso da política, o Google oferece ainda um elemento poderoso da descoberta. Muitas vezes um conteúdo ou tese extremista ou conspiratória é reproduzida em diferentes sites. À medida que a pessoa busca em várias fontes diferentes e o Google vai otimizando o resultado para ela encontrar exatamente o que ela está buscando, mais segurança de que está descobrindo uma "verdade" a pessoa tem.

Os estudiosos de negócios descobriram que, quando os consumidores constroem sua própria mercadoria, eles valorizam o produto mais do que um item já montado de qualidade semelhante - eles se sentem mais competentes e, portanto, mais felizes com a compra.

Se para o Facebook parar de exibir notícias no feed foi uma alternativa, para o Google a decisão é mais difícil porque significa omitir resultados no mecanismo de busca e plataformas de notícias. E isso impacta diretamente o modelo de negócios da gigante de buscas.

O problema do Google

Na quarta-feira, o Supremo Tribunal da Austrália decidiu que o Google não é um editor de notícias ao revogar um caso de difamação em que o Google havia sido condenado. Ou seja, a empresa não é responsável por artigos de notícias presentes em suas buscas. O julgamento, segundo especialistas jurídicos, pode ter ramificações significativas para o público em geral.

"Na realidade, um hiperlink é apenas uma ferramenta que permite que uma pessoa navegue para outra página da web", afirma a declaração conjunta das juízas Susan Kiefel e Jacqueline Gleeson. A Austrália tem sido pioneira na regulação das big techs e a decisão pode ser um modelo para outros países.

Uma parte considerável da decisão foi baseada na questão comercial. "Que o Google adapte seu sistema de buscas dessa maneira não é surpreendente. É o modelo de negócios do Google", afirmaram as juízas. Elas ainda destacaram que a empresa "tem interesse comercial em fornecer um serviço de qualidade com resultados de pesquisa responsivos".

Há anos a Austrália tem revisado sua lei de difamação mas ainda não deu uma recomendação final se as grandes plataformas como o Google e o Facebook, da Meta, devem ser responsabilizadas.

Difamação na Austrália e bilhões em jogo

Segundo a Reuters, o caso do Google começou em 2004, com um artigo que sugeria que um advogado de defesa criminal havia cruzado as linhas profissionais e se tornado um "confidente" de criminosos. O advogado, George Defteros, encontrou um link para a história em uma pesquisa de seu nome no Google em 2016 e fez o Google removê-lo.

O artigo teria sido visto por apenas 150 pessoas, mas Defteros processou o Google em um tribunal estadual que considerou a gigante de buscas um editor e ordenou que ela pagasse R$ 150 mil de indenização. O Google recorreu da decisão inicial, culminando no veredito de quarta-feira da corte suprema que deu vitória à empresa.

O Google vive um dilema. Como o caso acima demonstra, se a empresa atuar como um editor definindo o que deve ou não ser visto pelos usuários, ela corre o risco de perder bilhões de dólares com milhares de processos (essa é uma das razões pela qual o jornalismo é caro e empresas que apuram notícias de verdade tendem a ganhar bem menos dinheiro do que aqueles que apenas copiam e reproduzem).

Então, fica mais fácil deixar que os algoritmos decidam com o menor nível possível de intervenção humana. O problema é que algoritmos são burros quando se trata de entender contexto e combater os especialistas em enganar aos algoritmos e humanos.

Por outro lado, o Google tem interesse genuíno em fortalecer um mercado saudável de notícias. O que explica os milhões de dólares que investe no setor todos os anos. Não é segredo que uma imprensa livre é um dos pilares da democracia. A experiência chinesa, onde o governo agiu com mão pesada intervindo duramente nas empresas de tecnologia, e mesmo tirando poderes dos donos e diretores, é um lembrete das vantagens do regime democrático.

Além disso, como as juízas da Austrália apontaram no veredito, é do interesse do próprio Google gerar conteúdo confiável para que as pessoas sigam usando a plataforma.

A responsabilidade de publicar notícias

Se um artigo na Austrália visto por apenas 150 pessoas gerou uma indenização de R$ 150 mil (mesmo que depois revista), dá para imaginar que um texto falso lido por milhões de pessoas poderia gerar uma indenização milionária e estimularia uma onda de processos.

Mas a realidade é que isso dificilmente acontece. São mais comuns os processos contra grandes veículos de imprensa porque os advogados veem uma oportunidade de ganhar mais dinheiro e exposição pública brigando com um nome reconhecido do que com um site de fake news.

A coluna entrou em contato com Armando Babaioff. O ator está em contato com um advogado e não vai comentar o caso enquanto avalia suas opções legais. Mas o prognóstico desanima, a julgar pelo histórico.

Esther Rocha, CEO e diretora de conteúdo do site O Fuxico, já viveu de perto a experiência. A jornalista trabalhou por muitos anos com Gugu Liberato. Logo após a morte do apresentador, o TV Foco publicou um texto com o título "Roberto Cabrini faz descoberta avassaladora na morte de Gugu e é ameaçado pela família: 'A verdade vai aparecer'". O texto tratava da tentativa do jornalista Roberto Cabrini de filmar a casa em Orlando onde Gugu morreu.

Esther comprou uma briga pública com o site e seu fundador. Em um áudio enviado a Aaron e que circulou entre jornalistas, Esther afirmava: "Esse TV Foco é uma lama. É uma vergonha para o jornalismo de celebridades. Um caça-cliques com chamadas escandalosas".

A Justiça é cega

Pergunto a Esther por que ela ou a família não processaram. "A verdade é que estávamos sem chão. A família, eu, todos muito fragilizados", diz. A jornalista também afirma que "os advogados acham que não vai dar em nada. Precisaríamos que advogados e juízes entendessem melhor esse problema e suas implicações".

Esther é uma das precursoras dos sites de entretenimento no país. Lançado no início dos anos 2000, O Fuxico chegou ao mercado pouco depois do Babado. "Quando começamos a ideia era levar as notícias dos famosos para as pessoas antes das revistas como a Caras e Contigo chegarem às bancas na quinta-feira", lembra.

Segundo Esther, com o tempo o Google se tornou o fator determinante para as publicações, já que as redes sociais trazem cada vez menos tráfego e os usuários consomem notícias cada vez mais por meio das plataformas do Google.

"O Google é um grande parceiro que nos apoia. Não é uma cruzada contra o Google", destaca Esther. "Tiro o chapéu para eles, tem iniciativas incríveis e nos ajudam muito. Mas também é o Google que viabiliza esses sites de fake news levando audiência e pagando milhões em publicidade".

O risco para a democracia

Há dois meses publiquei uma coluna reunindo uma série de chamadas fantasiosas do TV Foco e do seu site irmão, o AaronTuraTV. Naquele ponto, as publicações haviam monopolizado as buscas do Google. Quem digitasse termos como William Bonner, César Tralli ou Renata Lo Prete veria todas as primeiras notícias relacionadas apenas aos dois sites.

Entre os destaques no Google, notícias como "'Não tenho controle, ele me controla', William Bonner assume vício cruel na Globo e choca Brasil; entenda". O vício chocante de Bonner, de acordo com o TV Foco, era chocolate.

No caso de Renata Lo Prete, "Discreta, Renata Lo Prete, âncora do Jornal da Globo, assume de vez relação com jornalista: 'Ninguém sabia'". O texto era sobre a relação de três décadas da jornalista com o marido, Melchiades Filho.

O TV Foco e o AaronTuraTV ainda aparecem nas primeiras posições, mas agora dividem espaço com veículos de maior credibilidade e não monopolizam os resultados. Ainda assim, na quinta, um dos destaques do Google era uma chamada do TV Foco onde se lia "Esposa de William Bonner expõe quem ele realmente é na relação e assume: 'Não consegue mais'".

Um título como esse pode parecer uma piada sem grandes consequências, mas o ataque sistemático aos grandes nomes do jornalismo diminui a credibilidade da instituição. Isso para não falar da prática de mentir ou induzir ao erro, realizando um trabalho de desinformação.

Crise de credibilidade

Como apontou Francesca Tripodi em reportagem da Wired, "Os resumos do Google também podem enganar o público em questões de grande importância para sustentar nossa democracia. Quando os apoiadores de Trump invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, políticos e especialistas conservadores rapidamente tentaram enquadrar os manifestantes como "anti-Trumpers", espalhando mentiras que a antifa (uma organização de pessoas que acreditam na oposição ativa e agressiva à extrema-direita) teria sido a culpada pela violência".

No dia do ataque, o Washington Times (não confundir com o Washington Post) publicou um artigo intitulado "Reconhecimento Facial Identifica Extremistas Invadindo o Capitólio", apoiando a afirmação, e essa história foi perpetuada no plenário da Câmara e no Twitter por autoridades eleitas. O conteúdo foi posteriormente corrigido pela publicação, mas o estrago já estava feito e a informação ainda está no topo das buscas do Google.

Infelizmente, um grande número de pessoas ao ver um texto tratado como notícia pelo Google é levado a acreditar na informação. À medida que o modelo migra para a cobertura política, de economia e outros temas, o risco aumenta. Para muitas pessoas o Google se tornou uma fonte de informação mais confiável do que os próprios veículos de notícia. Não existe uma solução fácil para o problema da desinformação e a crise de credibilidade do jornalismo, mas certamente precisaremos da ajuda do Google para encontrar essa resposta.

PS.: Por razões de transparência, vale dizer que atualmente participo de projetos do Google e Facebook de apoio ao jornalismo. Trabalhei com o Daniel Castro na Folha de S. Paulo e colaboro no Notícias da TV, além do Splash, que são concorrentes do TV Foco na cobertura de entretenimento. A Thais Oliveira edita as colunas que publico na Carta Capital. Também atuo como consultor em veículos de mídia tradicional no Brasil, Portugal, México e Peru.

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