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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem ganha e quem perde com a disparada da publicidade no streaming

Guerra do streaming forçou plataformas a aceitarem anúncios; Netflix deve lançar plano com publicidade em novembro - Reprodução/Netflix
Guerra do streaming forçou plataformas a aceitarem anúncios; Netflix deve lançar plano com publicidade em novembro Imagem: Reprodução/Netflix

Colunista do UOL

02/10/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Netflix deve lançar plano mais barato com publicidade em novembro nos EUA; Disney prevê a novidade em dezembro
  • A previsão da Netflix é chegar a 40 milhões de espectadores vendo publicidade ainda em 2023; Brasil está nos planos da empresa
  • Grupos tradicionais como Disney e Globo devem ser beneficiados, Google e Facebook terão sua dominância ameaçada

Em novembro a Netflix deve lançar seu plano com publicidade. No dia 8 de dezembro, será a Disney+. A novidade chegará primeiro aos Estados Unidos e rapidamente ganhará o mundo. Será uma revolução para o mercado. A publicidade no streaming não chega a ser uma novidade, outras empresas já oferecem esse modelo há anos, como é o caso da Globoplay. Mas agora o que muda é a escala.

A Netflix e a Disney são as líderes mundiais em número de assinantes no streaming, cada uma delas com pouco mais de 220 milhões de assinantes e bilhões de minutos de visualizações todos os meses. Os usuários da Netflix apenas nos Estados Unidos consumiram 1,3 trilhão de minutos de conteúdo durante a temporada de TV mais recente, aproximadamente do final de setembro ao início de maio, de acordo com dados da Nielsen.

As duas empresas por anos refutaram a ideia de anúncios em suas plataformas, mas para a Netflix a mudança pode ajudar a reverter a perda de assinantes (no último trimestre a empresa perdeu quase 1 milhão). Para o Disney+, é a oportunidade de compensar a rápida queda de assinantes na TV a cabo, uma das principais fontes de receita da Disney e suas marcas de mídia.

Netflix prevê 40 milhões de audiência

A Netflix estima que uma versão suportada por publicidade de seu serviço de streaming atingirá cerca de 40 milhões de espectadores em todo o mundo até o terceiro trimestre de 2023, de acordo com um documento revisado pelo The Wall Street Journal que a Netflix compartilhou com os compradores de anúncios.

Além do Brasil, países como Estados Unidos, México, Japão, Reino Unido, França, Alemanha, Coreia, Espanha, Itália, Austrália e Canadá estão incluídos na projeção.

O número de espectadores nas plataformas de streaming deverá ser maior do que o número de assinantes dos planos com publicidade, já que uma assinatura usualmente é utilizada por mais de uma pessoa.

Obviamente, muita coisa pode dar errado no plano de levar publicidade ao streaming. O excesso de espaços publicitários, empurrando os preços da indústria para baixo, é um dos grandes riscos. A HBO Max estuda uma versão gratuita de sua plataforma baseada apenas em publicidade. As chances da queda dos valores acontecer são ainda maiores se o mundo entrar em recessão nos próximos meses, como preveem alguns economistas. Com menos pessoas comprando, as marcas reduzem os investimentos em publicidade.

Os espectadores também podem ficar frustrados com o excesso de anúncios. E esse risco não se limita ao streaming tradicional. Diante da queda de receita de publicidade no último trimestre, particularmente no YouTube, o Google tem testado um aumento agressivo de publicidade em sua plataforma de vídeos. Alguns usuários relataram essa semana ter de assistir até 4 minutos de publicidade, sem poder "pular" os comerciais.

Google, Facebook e TV aberta perdem

Os canais de TV já sofrem ao concorrer com o streaming, que causou uma disparada dos custos de aquisição de conteúdo, particularmente nos direitos de transmissão de grandes competições esportivas. Agora, além de disputar a atenção do espectador, a TV também terá de batalhar pelos anunciantes.

Quem também deve ganhar com a novidade são empresas de tecnologia e agências de publicidade.

A Microsoft foi a escolhida pela Netflix para apoiar a iniciativa com publicidade no streaming, apesar de ser uma big tech, a Microsoft ainda é uma estrela em ascensão na publicidade em comparação aos líderes Google e Facebook.

Por outro lado, o Google e o Facebook são potenciais perdedores. O aumento da disponibilidade de espaços de publicidade de alta qualidade e com grandes possibilidades de segmentação por meio de dados dos usuários pode criar novos concorrentes espetaculares. Além da Microsoft, empresas como Roku e The Trade Desk, que vendem soluções de segmentação de publicidade digital em TV podem ser beneficiadas, bem como dezenas de empresas ao redor do mundo que vão trabalhar para conectar anunciantes e plataformas de streaming.

De certa forma a notícia pode ser boa para o Google e Facebook, os dois travam uma batalha global com órgãos reguladores para provar que não são monopólios. Se sua dominância estiver ameaçada, fica difícil defender que não é possível que outras empresas não conseguem concorrer com eles.

Fim da TV tradicional?

A televisão tradicional tem capacidade limitada de atingir os espectadores com precisão. A internet tem muita capacidade, mas com o aumento da preocupação com privacidade e limitações impostas pelo Google e Apple para "seguir" os assinantes, o streaming traz uma nova gama de possibilidades de segmentação.

As plataformas de streaming sabem mais sobre você até mais do que muitas plataformas digitais, já que sabem quem você é por meio do seu perfil de usuário, conhecem exatamente o que você assiste e têm até seus dados de pagamento, como endereço e número de cartão de crédito. Então é bem possível que a privacidade perca espaço nessa nova dinâmica.

As agências de publicidade e anunciantes devem ganhar. Com mais players no mercado, as campanhas possivelmente se tornem mais baratas. A disputa entre as plataformas vai crescer, o que pode aumentar os descontos e programas de benefícios como a bonificação de volume (BV). Nessa arena as empresas tradicionais de mídia são mais eficientes.

A Netflix talvez esteja na posição mais difícil, porque ao oferecer um plano de assinatura mais barato corre o risco de perder assinantes que pagam mais caro. A Disney também enfrenta esse risco, mas por terem décadas de experiência com TV aberta e a cabo, e usarem as plataformas para vender produtos que dão mais lucro, como os parques e cruzeiros, o risco é menor.

No mercado, a informação que circula é que a Netflix estaria pedindo US$ 65 pelo CPM (o valor pago a cada 1 mil impressões de uma campanha). Seja qual for o número, ele cairá passado o "fator novidade".

Globoplay pode ganhar

Nat Schindler, analista do Bank of America, espera CPMs de US$ 20 a US$ 40 nos Estados Unidos. Em uma análise recente, ele calculou que a Netflix pode precisar de US$ 3,8 bilhões em receita anual de publicidade para compensar as taxas de assinatura perdidas e provavelmente ganhará menos de US$ 1,8 bilhão no início.

Mas também há analista entusiasmado com a novidade. Mark Mahaney, analista da Evercore ISI, prevê US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões em receita incremental até 2024 - e mais 10 milhões de assinantes. Segundo uma pesquisa, até 20% dos assinantes que cancelaram a assinatura da Netflix podem voltar com a possibilidade de pagar menos.

Os grupos de mídia tradicional também podem ser beneficiados. Disney, Warner Bros. Discovery, Paramount e Globo ainda são capazes de gerar grandes fluxos de caixa, o que dá fôlego para sobreviverem mais tempo na batalha do streaming. Em último caso, podem vender suas plataformas de streaming para concorrentes e abandonarem a guerra para se tornarem vendedores de armas (neste caso, conteúdo para outras plataformas de streaming).

A Globo também pode ser ainda indiretamente beneficiada. O Globoplay já traz publicidade há anos e apresenta robusto crescimento de usuários e volume de conteúdo. Mas convencer as empresas a pagar pela publicidade no streaming ainda é desafiador. Com a popularização da modalidade a empresa poderá disputar em pé de igualdade com as multinacionais de mídia e até levar vantagem frente ao Google e Facebook, que levam vantagem na internet.

Em um cenário cada vez mais desafiador para as empresas de streaming, advogados e grandes bancos certamente ganham. Todos concordam que os processos de fusão e aquisição devem acelerar nos próximos anos.

Infelizmente, no longo prazo o consumidor deve perder. Teremos menos empresas no streaming, menos recursos para produções nas TVs e pagaremos mais pelas assinaturas (mesmo que seja vendo mais comerciais).

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