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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cortes na CNN, Band e outras emissoras evidenciam problema das TVs

Colunista do UOL

17/07/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Enquanto Globo, SBT e Record cortaram custos para otimizar as operações, CNN e Band investiram alto em grandes atrações
  • Na Band Faustão traz audiência, mas a conta não fecha; na CNN, custos estão acima da expectativa
  • Mesmo competindo com as TVs, o YouTube se tornou uma fonte de receita cada vez mais importante para elas

Nos últimos dias CNN e Band realizaram demissões em suas equipes e intensificaram os esforços de cortes de custos em suas produções. Ironicamente, as duas empresas estão entre as que mais investiram em conteúdo audiovisual de qualidade nos últimos meses.

A CNN, desde sua estreia há dois anos, recrutou a peso de ouro estrelas de canais concorrentes, particularmente da Globo. A Band investiu milhões para trazer Faustão e sua produção, abrindo mão da programação religiosa de R.R. Soares no horário nobre, abrindo mão de cerca de R$ 8 milhões por mês (valor que recebia pelo aluguel do horário de segunda a sexta).

Infelizmente, as expectativas de audiência e receita não se concretizaram. CNN e Band se viram forçadas a mudar de estratégia e cortar custos.

O movimento de investimento em boa medida foi na contramão dos concorrentes. A Globo, por exemplo, sofreu duras críticas por demitir boa parte de suas estrelas desde 2021. Hoje, só recebe quem está no ar.

A emissora carioca também promoveu uma intensiva venda de propriedades que incluiu a Som Livre e até mesmo sua sede e antenas. A Globo também foi criticada por abrir mão da Libertadores e campeonatos regionais de futebol, além da F-1. O SBT e a Record também promoveram cortes e reduziram os grandes salários. Na Record saíram Marcos Mion, Xuxa e Sabrina Sato entre outros. No SBT até executivos próximos a Silvio Santos deixaram a empresa.

Crise na economia e na TV

Hoje, à medida que o cenário econômico piora e aumentam as chances de uma recessão global nos próximos meses, as empresas que conseguiram reforçar o caixa e aproveitar a melhora da receita neste primeiro semestre parecem ter acertado.

Ter dinheiro no caixa é particularmente importante no mercado de mídia, que depende principalmente da publicidade ligada ao varejo, cada vez mais impactado pela inflação.

Quem não conseguiu reforçar o caixa, hoje se vê obrigado a cortar ou buscar novas fontes de receita. A Band, por exemplo, irá voltar a apresentar a programação religiosa de R.R. Soares. Por enquanto na faixa da manhã, mas se a conta apertar, há boas chances de Faustão ir para os domingos e o pastor voltar ao horário nobre. Na CNN, houve redução de equipes, cortes e o tempo ao vivo foi reduzido para economizar.

Vale dizer que no caso da CNN houve uma recente mudança na direção do canal. Duas fontes próximas à direção ouvidas pela coluna disseram que a avaliação é de que a estrutura antiga era "grande demais" e fora da realidade do mercado de TV a cabo. Desse modo, os cortes estavam previstos e são ajustes naturais.

Mas como apontou o colunista Ricardo Feltrin, do UOL, a tendência é que o segundo semestre seja ainda pior para as TVs, que serão obrigadas a exibir o horário eleitoral. Com 1 hora a menos de programação tomada pelo horário eleitoral, além de perderem o espaço para os anúncios, as TVs devem ver aumentar a fuga da sua audiência para as plataformas digitais. Streaming, redes sociais, games, as possibilidades de conteúdo livre da política são diversas.

A CNN, por ser uma TV a cabo, não sofre diretamente com o problema do horário eleitoral. Mas é impactada pelo risco das marcas evitarem anunciar em veículos de notícias para evitar a associação com a polarização política da corrida eleitoral.

Fator Copa do Mundo e recessão

Existem ainda outros fatores de risco. A Copa do Mundo acontecerá em um país pouco familiar aos brasileiros, o Catar, e em um período próximo da Black Friday, tradicional período de maior receita publicitária.

Se o calendário usual da Copa fosse mantido, teria sido em julho, onde não existem grandes eventos comerciais. Como dessa vez ela será realizada em novembro, baterá de frente com a Black Friday e também pode esvaziar as campanhas de Natal.

Na dúvida, melhor guardar o dinheiro (principalmente de publicidade) e reforçar o caixa à espera de dias melhores. Apesar das críticas aos cortes, o caixa da Globo ultrapassou R$ 15 bilhões no primeiro semestre. Isso deve evitar demissões em massa e permitirá à empresa aumentar investimentos em produções e no Globoplay. A empresa tem quase 15 mil funcionários.

Problemas no digital

Vale notar que a CNN e a Band, além dos investimentos na TV tradicional, parecem ter um outro ponto em comum: um modelo antigo de operação no digital. As duas empresas têm bons profissionais e presença no online, mas um olhar mais atento mostra que a prioridade ainda é a TV, não plataformas online ou o streaming.

Enquanto a Jovem Pan chega a ter mais de 400 milhões de visualizações por mês apenas no YouTube, e tem sua própria plataforma de streaming, a PanFlix, a CNN não tem streaming e sua presença é menor no YouTube.

A Jovem Pan News tem 5,2 milhões de inscritos no YouTube, a CNN Brasil tem pouco mais de 3 milhões. Segundo o site Social Blade, enquanto a CNN tem 1,1 bilhões de views no perfil principal, a Jovem Pan tem 2,1 bilhões na Jovem Pan News.

Segundo o Social Brade, a receita da Jovem Pan News, seu principal canal do YouTube, deve faturar até R$ 25 milhões este ano na plataforma de vídeos do Google. Já a CNN deve receber apenas R$ 10 milhões (os valores podem variar dependendo dos acordos dessas empresas com o Google; além disso ferramentas como o Social Blade tendem a usar os valores de publicidade dos Estados Unidos, mais altos que os no Brasil).

YouTube paga milhões para TVs

Mas a presença da Jovem Pan no YouTube não se limita ao Jovem Pan News, o grupo possui diversos canais com milhares de seguidores na plataforma de vídeos do Google. O programa Os Pingos nos Is, tem 4,7 milhões de inscritos; o Pânico na Jovem Pan, outros 3 milhões; o Morning Show, 1,7 milhão, e o Três em Um, 1 milhão. No total a Jovem Pan tem 20 canais na plataforma.

Os canais da Jovem Pan no YouTube faturam milhares de reais, soma muito superior à receita da TV a cabo. A CNN no país, além do CNN Brasil, tem apenas mais 4 canais no YouTube associados ao seu principal perfil, sendo o CNN Soft o maior deles, com 72,5 mil inscritos.

Vale notar que os custos operacionais da Jovem Pan estão entre os mais baixos do mercado. "Desafio alguém a ter custo menor do que o nosso", ouvi dias atrás de Roberto Araújo, CEO do Grupo Jovem Pan. O lucro líquido da empresa em 2021 foi de R$ 9 milhões para R$ 15,7 milhões, um crescimento de quase 75% em relação ao ano anterior.

"No YouTube, o número de views de 2020 para 2021 aumentou 32%, e tivemos um aumento de 49% em horas assistidas. Um total de 3,9 bilhões de views no ano todo e um aumento de 132% nas receitas", disse Araújo.

Falta um streaming para a Band?

Na Band a aposta no digital é baixa se comparada à Globo, que investe bilhões no Globoplay. Apesar da Band ter quase 50 canais no YouTube, o canal Band, com a marca da emissora, mesmo tendo 195 mil seguidores, não é verificado como sendo uma conta oficial.

O maior canal da Band é o Master Chef Brasil, com 4,6 milhões de seguidores. Porém, a marca pertence à Endemol, dona do programa. O canal do reality de culinária da Band é administrado pela Endemol em parceria com a Vibra, braço digital da Band. O canal Band Jornalismo tem 3,8 milhões de seguidores, número relevante, mas ainda inferior ao da Jovem Pan.

O SBT é outra potência no YouTube, com 11,5 milhões de seguidores. Sua programação infantil tornou o canal um dos maiores do mundo entre os grupos de mídia tradicional. Além do perfil do SBT, o grupo possui outros 30 canais de seus programas com milhões de seguidores. Apenas o perfil Câmeras Escondidas Programa tem 8,6 milhões de seguidores.

Os grupos de mídia, além dos canais no YouTube, possuem perfis em redes sociais e seus próprios sites. A dinâmica tende a se repetir nestas outras plataformas. O Globo.com é um dos maiores portais do país e lidera com folga em comparação às demais emissoras de TVs.

Por outro lado, a CNN parece levar vantagem frente à Jovem Pan. Dados do Comscore, ferramenta usada por agências e boa parte do mercado, indica que a CNN teria quase o dobro da audiência da Jovem Pan. Em maio, a CNN aparece na Comscore com 15,2 milhões de visualizações de página, contra 5,8 da Jovem Pan.

Segundo a Jovem Pan, o número da Comscore estaria incorreto por um erro de configuração causado pela Jovem Pan na plataforma. A Jovem Pan afirma ter a mesma audiência da CNN.

Independentemente de quem esteja na liderança, fica cada vez mais claro que o digital terá um papel determinante no futuro dos grandes grupos de mídia. O desafio será imenso para todas as empresas, mas principalmente para as TVs, que têm no Google um "frenemie" (amigo e inimigo). Ao mesmo tempo que ele paga milhões para os canais por seus conteúdos, o YouTube e demais plataformas da empresa roubam cada vez mais espectadores da mídia tradicional.

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