Sem idade para rodar o mundo: conheça histórias de viajantes com mais de 60
A vontade de viajar sempre existiu, mas foi preciso maior liberdade profissional e financeira para que o locutor Edson Maziero, 66, passasse a se jogar mais pelo mundo.
“Sempre tive esse ímpeto de viajar, mas quando você é mais jovem não tem dinheiro para fazer muita coisa. E mesmo culturalmente, que eu venho de uma família muito pobre. Meu começo de viagem foi com 32 anos, fui para a Inglaterra e fiquei lá dois anos. Aí o bichinho mordeu”, conta ele, que já conheceu 21 países e 315 cidades, a maioria dos destinos após os 60 anos.
Já para Vera Iaconelli, a aventura começou aos 80, quando ficou viúva e passou a fazer viagens com a filha: juntas, nos últimos dez anos elas voaram de balão na África, enfrentaram gelo e cataratas na América do Sul e caminharam sobre o vidro no deserto dos EUA.
Encarando a viagem como um processo constante, após um mochilão pela Europa aos 60, a jornalista Iracema Genecco passou a descobrir novas formas de rodar o mundo. Hoje, tem conhecido diversas cidades trocando hospedagem por tarefas em casas e fazendas em interiores -- quando conversou com o UOL, por exemplo, ela estava em Coimbra, Portugal, preparando-se para passar uma temporada em um local onde se trabalha com azulejos.
Nem sempre a experiência é perfeita, mas sempre é de aprendizado. “Costumo dizer que eu aprendi mais sobre mim mesma nesses anos do que sobre os lugares que visitei”, diz Iracema, que hoje tem um blog de viagens.
Abaixo, convidamos esses três viajantes inspiradores para dividir algumas histórias e nos contar um pouquinho sobre sua paixão por conhecer novos lugares e pessoas.
De Ushuaia a África do Sul, a aventura começa aos 80
“Eu comecei a viajar quase com 80 anos, porque tinha muitos filhos e meu marido não gostava de se separar dos filhos. Quando ele faleceu, eu e uma filha resolvemos viajar, e aí eu peguei gosto por viagens -- principalmente as que tenham coisas bem diferentes. Eu fui pra Ushuaia, fui a El Calafate, onde voltei recentemente. Dou preferência para viagens como a África, que eu amei de paixão.
Lá eu fiz safári noturno, é uma viagem lindíssima que amei muito. Em Bariloche, por exemplo, eu fiz esquibunda. E fui pra Las Vegas porque eu queria conhecer o Grand Canyon. Fui naquela passarela, fui a vários cassinos, caminhei na passarela de vidro -- que a minha oftalmologista diz que morreu de medo, caminhou engatinhando, mas eu achei uma coisa tão simples… em Las Vegas, em 4 ou 5 dias eu achei que já vi tudo, porque minha viagem não é assim de passeios chiques. Eu prefiro coisas diferentes.
Então nós resolvemos ir pro Havaí e eu me apaixonei, lá é fantástico. Fui no submarino que sai do Waikiki, onde você vê os corais, voei de helicóptero em volta do [vulcão] Kilauea. Tem uma prima do meu marido que quando a gente vai viajar fala: tem que ir em tal restaurante, em tal boate. Eu acho um absurdo, dispenso essas indicações de restaurantes, eu prefiro fazer coisas diferentes. Por exemplo, fui a Pearl Harbor. Gosto de coisas assim. Já viajei de balão várias vezes. No meu 80º aniversário eu voei de balão pela primeira vez em Boituva [interior de SP]. Depois viajei na África de balão, fui ver a casa do Mandela em Soweto. Na Argentina em Luján tem um zoológico onde você pode andar de camelo -- eu andei, é horrível (risos).
Quando não tem mais nada que ver na cidade, eu tomo um metrô e dou uma volta. Gosto de passeios simples, mas diferentes. Minha próxima viagem é o Chile, depois quero ir pro Egito e pra Turquia. E meu sonho também é fazer tirolesa no Canadá. Outro é nadar com os tubarões no Havaí, onde eu pretendo voltar.
Eu acho que tudo que vale a pena nessa vida a gente tem que fazer, eu não tenho medo de nada. Em Bariloche fui naquele passeio no Macuco. Gosto de passeio animado! Queria voar de asa-delta, mas isso já não posso mais fazer porque o cardiologista não deixa -- e dá um pouquinho de medo. Mas eu ainda pretendo fazer muita coisa, viu?”
Vera Iaconelli, contadora aposentada, 89 anos
“Daqui pra frente tem que ser os melhores anos da minha vida”
“Sempre tive esse ímpeto de viajar, mas quando você é mais jovem não tem dinheiro pra fazer muita coisa. E mesmo culturalmente, eu venho de uma família muito pobre e nem passava pela cabeça sair do Brasil, porque não tinha condições pra fazer qualquer tipo de viagem. O meu começo de viagem já foi com 32 anos, quando eu tinha me separado. Resolvi ir pra Inglaterra e lá eu já fiquei dois anos, conheci grande parte da Europa. Aí o bichinho mordeu, e passei a fazer viagens curtas até atingir a possibilidade de poder viajar sem compromisso -- eu sou locutor e, com o advento do MP3 e as condições de ter meu próprio home studio, comecei a trabalhar em casa e ganhei a liberdade de decidir a viagem na hora e do jeito que eu quisesse.
Quando eu fiz 60 anos decidi que ia dar uma mudada total na minha vida, pensei: daqui pra frente tem que ser os melhores anos da minha vida. E os melhores anos da minha vida estão ligados a viajar. Acabei encontrando uma pessoa no mesmo pique -- nossas filhas são amigas há muito tempo e resolveram nos apresentar, e nosso maior ponto em comum é viajar. Logo que a gente se conheceu, em 15 dias já estávamos em Punta Cana, depois emendamos numa viagem de 40 dias pra Finlândia. Fomos pro Circulo Polar Ártico, depois pra Helsinque, França, Espanha. E engatamos a coisa de começar a pedalar em seguida. Cicloturismo e mountain bike são desafios que mantêm sua vitalidade, isso acaba ajudando seu próprio corpo. Compramos uma bike cada um e começamos a treinar no Brasil: fizemos Serra do Cipó, depois fomos pro Sul e ficamos cinco dias pedalando pela serra catarinense. No ano passado fomos pra Europa e fizemos dois passeios de bike incríveis: Alsácia-Lorena, dormindo cada noite numa cidadezinha, depois fomos pra Portugal e voltamos pra fazer mais uma balada de bike de mais seis dias -- saímos do sul da Alemanha e fomos pro Lago de Garda, na Itália.
Antes da Europa a gente também foi pro Chile e fez uma caminhada de trilhas. Em 2013 fui com meu filho pra Machu Picchu pela trilha inca. No ano seguinte, fui pra Kilimanjaro com ele também, a gente quis conhecer o ponto mais alto da África. A gente começou essa brincadeira de subir montanhas. Nesse ano já fiz a Chapada Diamantina -- sete dias caminhando por leitos de rios, conhecendo cachoeiras.
De 2010 pra cá eu não parei. Nessa história eu também fui pros chamados Países Baixos, Suécia, Dinamarca, Noruega, Alemanha, Rússia. Fui pra Tailândia, onde fiquei 40 dias. Só vou parar na hora que a natureza me parar -- e a Jussara [sua esposa] também! A gente chega de viagem e começa a armar uma outra. A próxima vai ser todo extremo oriente: Austrália, Nova Zelândia, Japão, China. Estamos pensando em no mínimo dois a três meses, porque é muito longe. A vantagem da idade também é que os filhos já estão criados, você não tem mais aquela preocupação. Se a coisa ficar chata a gente volta, e se tiver legal a gente continua. E em janeiro de 2017 vou encarar o Aconcágua com meu filho. Quando a gente curte viajar, isso nasce com você, e na hora que você tem a possibilidade você começa.”
Edson Maziero, locutor, 66 anos
Auto-conhecimento: de um mochilão aos 60 para interiores do mundo
“Resolvi me dar um presente de aniversário aos 60, em 2011. Eu sempre tive essa ideia de que eu gostaria de conhecer o mundo e saber como as outras pessoas vivem em outros lugares que não o quintal da minha casa. Sou curiosa, gosto de saber tudo, então conhecer o mundo era uma das minhas curiosidades. Mas não dava muito jeito, e só depois que me vi aposentada eu comecei a dar um jeito, e hoje eu vejo que está mais fácil. De início eu precisei fazer um orçamento, eu não sabia isso de reservar hotel e passagens mais baratas. Eu fui aprendendo.
Nessa primeira viagem eu tive uma ajuda da minha filha, que morava em Londres, e de lá fui pra outros lugares. Com ela eu aprendi a me planejar melhor, traçar um roteiro. Aí eu voltei com aquela febre de não querer mais parar -- eu vi que dava pra fazer, apesar de algumas limitações por ter meus 60 anos, usar óculos. Em seguida uma amiga me convidou pra ir ao Irã, e na volta eu já fui sozinha pra Amsterdã, Bélgica. Na terceira viagem, fui visitar minha filha que estava morando em Berlim e saí traçando um roteirinho particular. E daí eu comecei a descobrir essa oportunidade de trocar horas de trabalho por alojamento, porque hotel e alimentação são a parte mais cara da viagem.
Fui pesquisando esses sites e comecei a fazer isso. Só que não é um turismo como outras pessoas podem imaginar, tipo ‘vou a Paris e quero ver a Torre Eiffel’. Por exemplo, eu vou pra alguma cidade, faço um pouco esse tipo de trabalho, depois pego um trem, vou pra uma cidade próxima [que quero conhecer]. Fiz isso na Itália, nos EUA. Daí eu tenho consciência de que aquela região eu conheço, é uma vida como se fosse um deles -- sem ser um deles. Na Itália, lembro que fiquei com uma pessoa que me levava na casa dos amigos, eu fui num almoço daqueles que tu só vê nos filmes, com gente preparando a massa, cortando salame, vinho de garrafão… Não tem nenhum turismo que te propicie isso.
E agora estou em Coimbra, vou pra um resort de águas termais onde se trabalha com azulejos, e tomara que seja uma experiência boa porque a última não foi muito (risos). Houve um desencontro de expectativas, eu fui pra Alentejo num lugar muito remoto, faltava água, e foi bem difícil, eu não fiquei a temporada que achei que ia ficar. Acho que a minha expectativa não foi muito realista, e agora vou cuidar melhor nos próximos lugares que escolher. Quando eu comecei a fazer isso, minha filha falou: ‘mãe, mas a gente às vezes lê essas histórias de pessoas que ficam presas no porão, essas coisas’. Mas daí eu vejo que é a mesma coisa, a pessoa também não me conhece, está abrindo a casa sem saber quem eu sou, o risco é igual.
Eu estou aprendendo coisas sobre mim mesma. Costumo dizer que eu aprendi mais sobre mim mesma nesses anos do que sobre os lugares que visitei, porque viajando sozinha pra lugares onde não conheço ninguém nem sempre tenho com quem dividir as coisas, e isso me faz me conhecer mais. Esse é o ganho maior que eu acho que tenho.”
Iracema Genecco, jornalista, 65 anos
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