Centenas de desaparecimentos: qual o mistério do Triângulo das Bermudas

No dia 5 de dezembro de 1945, cinco bombardeiros decolaram da base naval americana de Fort Lauderdale, na Flórida. Eram 14 homens, que partiram às 14h10 para um treinamento de rotina.

A missão, liderada pelo tenente Charles Taylor, consistia em fazer uma rota triangular com práticas de bombardeio. No fim da tarde, Taylor relatou problemas via rádio. O tempo estava piorando. Pouco depois, quando estavam próximos das Bahamas, os aviões perderam contato.

Nenhum deles jamais foi visto novamente. Nenhum destroço das aeronaves foi encontrado. O Voo 19 terminava em tragédia e dava início ao mito do Triângulo das Bermudas.

US Navy Avengers
US Navy Avengers Imagem: Domínio Público

O TBM Avenger usado no treinamento era uma aeronave pesada. Vazia, pesava mais de 4 toneladas, o que significa que, se algo desse errado e o piloto se ejetasse, o avião mergulharia no mar como um torpedo e dificilmente seria encontrado.

Sobreviver a um pouso forçado no mar não é fácil. Resistir nas águas frias, menos ainda.

No começo da noite, quando ficou evidente que a equipe estava em apuros, três hidroaviões saíram em resgate. Um deles, um PBM Mariner, também não voltou.

Se o destino misterioso dos bombardeiros deu origem a uma das lendas mais famosas do século 20, o do PBM Mariner não teve nada de mistério, mas serviu para dar mais pitada de tragédia ao mito. Esse avião às vezes era chamado de "tanque de combustível voador", porque um mero fósforo aceso podia explodir tudo.

Foi o que aconteceu. Naquela noite fatídica, um navio reportou ter avistado uma enorme bola de fogo no céu. Pela hora e local, só podia ter sido um dos PBM Mariners.

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O nascimento da lenda

Na década de 1950, artigos na imprensa americana começaram a relacionar a tragédia do Voo 19 ao local onde ocorreu, ou melhor, ao enorme pedaço triangular de oceano onde os aviões desapareceram. A área entre Flórida, Porto Rico e Bermudas, um triângulo de cerca de 1,3 milhão de quilômetros quadrados no Atlântico Norte, seria um local onde coisas sinistras acontecem.

Triângulo das Bermudas
Triângulo das Bermudas Imagem: Google Maps/ Reprodução

Desde então, entusiastas da teoria vêm listando acidentes com aviões ou embarcações que corroborariam a hipótese. O mais antigo é o naufrágio de uma escuna da marinha americana em 1800, com 91 pessoas a bordo. O mais recente ocorreu em 2017, quando um bimotor turboélice desapareceu do radar próximo às Bahamas.

Diversos motivos estariam ligados à alta taxa de acidentes e sumiços na região (uma reportagem da revista "Time" de 1991 falava em 100 desaparecimentos desde 1946). Um deles seria o funcionamento das bússolas.

Cristóvão Colombo, em seu diário sobre a primeira de suas viagens às Américas, em 1492, relatou um comportamento errático das agulhas das bússolas:

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17 de setembro: Os pilotos mediram a amplitude do sol e descobriram que os ponteiros variaram para noroeste em um ponto inteiro da bússola. Os marinheiros ficaram aterrorizados e consternados.

A posição do Polo Norte Magnético, para onde as bússolas apontam, é variável. Ela se desloca a cerca de 55 quilômetros por ano. Nos últimos dois séculos, já andou mais de 11 mil quilômetros. Navegadores do século 15 já conheciam essa variação magnética, mesmo que não tivessem números exatos como hoje, e sabiam fazer as devidas compensações ao calcular rotas.

Mas em alguns lugares da Terra, na chamada linha agônica, a declinação magnética é nula, ou seja, o norte para onde a bússola aponta coincide com o norte geográfico, não é preciso fazer ajustes. Se embarcações passassem pela linha sem se dar conta, poderiam errar a trajetória.

A linha agônica varia de posição, conforme o Polo Norte Magnético muda. De tempos em tempos, ela está sobre o Triângulo das Bermudas, como em 1945, quando os aviões desapareceram. Mas isso não faz dele uma área particularmente misteriosa ou perigosa, muito menos exclusiva. A linha agônica cruza todo o planeta. Nos séculos 18 e 19, ela passava pelo litoral brasileiro, descendo do Nordeste até o Sul - e nossa costa não ganhou má fama por causa disso.

Colombo registrou que, no dia seguinte, as agulhas das bússolas já se comportavam normalmente. Ainda assim, ele deixou um relato farto para aqueles que, 460 anos depois, insistiriam em ver algo no triângulo: a tripulação avistou luzes bruxuleantes sobre a água, uma bola de fogo despencando do céu e um trecho de mar com águas estranhamente calmas, paradas.

As teorias para o suposto perigo que o Triângulo das Bermuda representa variavam desde as mais cientificamente possíveis até pirações dignas de terraplanistas sob efeito de entorpecentes. Fenômenos conhecidos e comprovados, como correntes marítimas perigosas e furacões, além das anomalias magnéticas, aparecem lado a lado de monstros marinhos, lulas gigantes, alienígenas e portais para uma outra dimensão.

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Aos fatos

Cartaz de recompensa para quem encontrasse o iate Saba Bank, desaparecido no Triângulo das Bermudas, em 1974
Cartaz de recompensa para quem encontrasse o iate Saba Bank, desaparecido no Triângulo das Bermudas, em 1974 Imagem: Bettmann Archive

Mesmo as explicações mais pé-no-chão não têm muita força. Já se argumentou, por exemplo, que as imensas reservas de hidrato de metano, ou gelo combustível, que existem no fundo do mar geram bolhas que, em teoria, engoliriam navios inteiros. Isso foi testado e comprovado em experimentos científicos, em 2003, na Universidade Monash, na Austrália.

"Mergulhadores nas Bermudas já relataram ter visto bolhas de gás metano formadas no leito marinho e subindo para a superfície", diz o oceanógrafo Antony Joseph no livro "Investigating Seafloors and Oceans: From Mud Volcanoes to Giant Squid" ("investigando o fundo do mar e os oceanos: de vulcões de lama a lulas gigantes", em tradução livre).

Mas, segundo Willian Dillon, um cientista da USGS, a agência americana responsável por estudos e serviços geológicos, não houve uma erupção do tipo em larga escala na região nos últimos milhares de anos.

Triângulo das Bermudas é um conto de fadas, resumiu, em uma entrevista divulgada pela instituição.

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A partir dos anos 1970, publicações sérias e cientistas pacientes com teorias malucas começaram a explicar que não existe nada de anormal na região. O que acontece é que, desde os tempos de Colombo, ela tem um tráfego marítimo intenso. Com o advento da aviação, também passou a ter um fluxo considerável de aviões, indo e voltando de cidades populosas e turísticas.

Onde há muito tráfego há mais acidentes, e os números dos conspiracionistas do Triângulo das Bermudas muitas vezes aparecem inflados, porque a área exata da região varia de acordo com quem conta a história: há quem afirme que ele cobre 1,3 milhão ou 3,9 milhões de quilômetros quadrados.

Além disso, é um dos pontos mais profundos do Atlântico, chegando a 8.229 metros, o que dificulta a localização de naufrágios. Furacões são frequentes e as correntes marítimas podem ser fatais.

"A maioria das tempestades tropicais e furacões do Atlântico passa pelo Triângulo das Bermudas", informa em seu site oficial a NOAA, a agência federal americana reguladora de serviços meteorológicos, atmosféricos e oceânicos.

"Nos tempos em que não havia serviços de previsão do tempo confiáveis", segue a instituição, "essas tempestades perigosas ceifaram muitos navios. Além disso, a Corrente do Golfo pode causar mudanças climáticas rápidas, às vezes violentas, e o grande número de ilhas no Mar do Caribe cria muitas áreas de águas rasas que podem ser traiçoeiras para a navegação naval."

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Ou seja, é uma região potencialmente perigosa, mas não existe nada de outro mundo. Ainda assim, o Triângulo das Bermudas não é considerado um dos locais mais arriscados do planeta para navegação.

Um levantamento da ONG WWF apontou que o Mar do Sul da China é o que concentra mais acidentes. O forte crescimento econômico da região e o monitoramento falho de embarcações e portos são as principais causas. Outras regiões, como o Mar Vermelho na costa do Sudão e o Golfo de Áden na da Somália, ficaram notórias nas últimas décadas pelo aumento da pirataria. O Triângulo das Bermudas só é lembrado em teorias da conspiração e histórias de mistérios.

USS Cyclops
USS Cyclops Imagem: New York Navy Yard

Como no caso no USS Cyclops. Em 16 de fevereiro de 1918, esse cargueiro americano zarpou do Rio de Janeiro transportando 11 mil toneladas de minério de manganês. Passou por Salvador quatro dias depois e seguiu viagem até Baltimore, nos EUA. Em março, o navio desapareceu no mar. Foi a maior tragédia marítima dos EUA em tempos de paz, com 306 mortes.

Quer dizer, em "tempos de paz" naquelas. Os EUA já haviam entrado na Primeira Guerra Mundial, e se especulou que o Cyclops pudesse ter sido atingido pela marinha alemã. A Alemanha negou envolvimento, e o governo americano concluiu que o naufrágio não teve nada a ver com a guerra.

Até descobrirem que o capitão do navio era, na verdade, alemão e que ele estaria de conluio com Berlim. Mas isso já é uma outra teoria da conspiração.

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Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Mapa do Triângulo das Bermudas foi substituído pela imagem da localização mais aceita, segundo o NOAA (National Ocean Atmospheric Administration), dos EUA. A área está localizada entre Flórida, Porto Rico e Bermudas.

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