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Ele trabalha 7 meses para viajar o resto do ano pelo mundo de bicicleta

O espanhol Cristian Calvet Lluch durante sua expedição pela América do Sul - Arquivo pessoal
O espanhol Cristian Calvet Lluch durante sua expedição pela América do Sul Imagem: Arquivo pessoal

Annamaria Marchesini

Colaboração para Nossa

03/03/2023 04h00

No dia 28 de março, o engenheiro agrônomo espanhol Cristian Calvet Lluch vai deixar sua bicicleta Conor em Fortaleza, no Ceará, e voltará a Benicarló, cidade à beira do Mediterrâneo onde nasceu e vive.

Lá, vai trabalhar durante sete meses na cooperativa que cultiva e vende tangerinas e laranjas para grandes supermercados europeus.

É assim que ele se sustenta durante os outros cinco meses do ano em que viaja sozinho de bicicleta pela América.

Pelos seus cálculos, já foram 38 mil quilômetros de pedaladas por praias, montanhas, florestas e cidades.

Conhecido nas redes sociais como @Bicicletaman, seu perfil no Instagram, Cristian tem 41 anos e começou a aventura em Anchorage, no Alasca, em julho de 2017, depois de ser demitido da empresa em que trabalhava em seu país.

Bicicletaman durante sua viagem pela América do Sul - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Durante a temporada de trabalho, o espanhol deixa a bike guardada e retorna à Espanha
Imagem: Arquivo pessoal

A demissão foi uma oportunidade para fazer o que realmente queria, mas não me atrevia. Era o momento de mudar minha vida: decidi fazer uma longa viagem sem passagem de volta.

Da Patagônia ao litoral brasileiro

Os três primeiros anos de estrada foram pagos com as economias feitas durante cinco anos de trabalho.

"Gastei menos de US$ 10 mil pedalando do Alasca ao Ushuaia", conta. "É muito menos do que se estivesse viajando de automóvel. Sou uma pessoa sem luxos e não gasto dinheiro com coisas desnecessárias."

Chegou à Patagônia em março de 2020, cruzou o Uruguai e foi para a Argentina. A pandemia o surpreendeu em Buenos Aires. Voltou à Espanha e, findo o isolamento e já empregado na cooperativa, tornou à capital argentina para pegar a estrada em direção ao Brasil, onde entrou por Foz do Iguaçu.

Bicicletaman durante sua viagem pela América do Sul - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O ciclista durante travessia na área desértica da Patagônia
Imagem: Arquivo pessoal

Cinco meses depois estava em Ilhabela, no litoral de São Paulo. Deixou a bicicleta guardada com um integrante do Warmshowers, uma plataforma que oferece apoio aos cicloviajantes no mundo, e foi para a Espanha trabalhar. Retornou em novembro do ano passado, passou por Minas Gerais e segue pedalando pelo litoral até o Ceará.

Em novembro deste ano pega o voo para Fortaleza, sobe na bike e toma o rumo da Colômbia e, talvez, da Venezuela. De lá ainda não sabe se irá para a Ásia ou a África.

A bicicleta nunca voltou à Espanha desde que fui para o Alasca. Ela sempre me espera.

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Entre suas estratégias de viagem, ele opta por gastar no máximo US$ 15 por dia
Imagem: Arquivo pessoal

Sem patrocínio: teto de gastos é de US$ 15 por dia

Mais atento ao conforto na viagem do que à rapidez, o espanhol transporta 40 quilos, com comida e água suficientes para alguns dias, barraca, rede para descansar quando está calor e uma cadeira dobrável. Ele praticamente só acampa, mas também dorme na casa de membros da Warmshowers, nas sedes dos Bombeiros e nas delegacias de alguns lugares.

Quando vivia do dinheiro guardado, limitou seus gastos a US$ 10 por dia. Com o que recebe na cooperativa espanhola, ampliou o "salário diário" para US$ 15. "Eu me baseio no princípio fundamental da economia: gasto menos do que ganho", explica. "E isto é o suficiente para comer, dormir e para a manutenção da bicicleta." Cristian nunca contou com patrocínio.

Bicicletaman durante sua viagem pela América do Sul - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Espanhol carrega 40 kg de equipamento em sua bike
Imagem: Arquivo pessoal

Foi o fim de um relacionamento afetivo que o levou a viajar só, aos 30 anos, mas a bicicleta só foi adotada numa viagem ao Quênia com amigos, em janeiro de 2017. Apesar de eventualmente compartilhar rotas com outros viajantes, ele prefere as viagens solitárias.

"É como tenho mais contato com os moradores por onde passo, aprendo a resolver problemas e, se necessário, a pedir ajuda", diz.

A maior vantagem de estar sozinho é que sou mais livre. É diferente de sentir-se só, o que nunca aconteceu comigo.

Como escolher o próximo destino?

Cristian escolhe seus destinos pela beleza do lugar, se possui água para que possa acampar e se é seguro. Para chegar a eles, busca informações na internet, com moradores das regiões por onde pedala e com outros cicloviajantes. Foi assim que percorreu o Alasca (EUA), o Canadá, a costa oeste dos Estados Unidos, o México, a Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai e, agora, o Brasil.

Este é um país muito grande e complexo, com muita diversidade, mas é menos perigoso do que me disseram. É preciso ter cuidado nas cidades, mas, como em todos os lugares, nas áreas rurais as pessoas são boas e amigáveis.

Bicicletaman - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bicicletaman em um de seus acampamentos no Brasil
Imagem: Arquivo pessoal

Porém...

Para decepção do viajante, o celular que o acompanhava desde o início da viagem foi furtado em Lucena, na Paraíba, enquanto o carregava em uma placa solar. Foi o primeiro furto que sofreu em sua aventura. Perdeu todas as fotos e agora segue com um telefone de segunda mão e menor qualidade.

Nunca se sentiu em perigo

Dos lugares mais bonitos que conheceu, Cristian destaca o Parque Nacional de Huascarán, no Peru, as Montanhas Rochosas do Canadá e a Patagônia. Ele assegura que nunca se sentiu em perigo, mesmo quando cruzou a Nicarágua durante os conflitos de 2018. Lembra que o maior risco que correu foi na Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa, no sul da Bolívia.

Bicicletaman durante sua viagem pela América do Sul - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O viajante bem à vontade em um salar
Imagem: Arquivo pessoal

É uma área natural longe de tudo, com altitudes até 5.000 metros e muita areia. Era inverno e demorei uns cinco dias para atravessar o parque. As rajadas de ventos chegavam a 100 km/h, a temperatura durante o dia não ia além dos 5º C e, à noite, baixava para - 20º C. Cheguei à cabine de emigração para o Chile durante uma nevasca, morto de frio, sob os olhares incrédulos dos agentes da fronteira.

Como afirma em seu site www.bicicletaman.com, o objetivo de Cristian é dar a volta ao mundo de bicicleta. "O mal de ser nômade é que os relacionamentos são efêmeros e aprendi a dizer adeus com muita facilidade. Mas viajar de bicicleta nos ensina a viver com pouco e sem muitas preocupações. Isso cura a alma. Foi viajando de bicicleta que aprendi que o tempo é vida."