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Guerra na Ucrânia: monumentos e relíquias podem desaparecer nos bombardeios

Vista de Kiev, na Ucrânia, em foto de outubro de 2021 - Getty Images
Vista de Kiev, na Ucrânia, em foto de outubro de 2021
Imagem: Getty Images

De Nossa

04/03/2022 04h00

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia na quinta-feira (24), ataques aéreos e ofensivas por terra têm avançado pelo território do país fazendo vítimas militares e civis e destruindo não apenas bases, mas também prédios públicos, residenciais e até centros culturais.

Na segunda-feira (28), o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia comunicou que o Museu Ivankiv, na região metropolitana da capital Kiev, havia sido completamente incendiado após uma ofensiva russa.

No processo, cerca de 25 obras da artista Mariia Pryimachenko, que encantou o espanhol Pablo Picasso, foram destruídos.

Diante de informações obtidas por sua inteligência de que a Catedral de Santa Sofia, em Kiev, era o alvo de um próximo ataque, a Embaixada da Ucrânia na Santa Sé, no Vaticano, fez um apelo na terça (1º) às forças russas para que não destruam a igreja do século 11.

Catedral de Santa Sofia

Catedral de Santa Sofia, em Kiev - Konoplytska/Getty Images - Konoplytska/Getty Images
Catedral de Santa Sofia, em Kiev
Imagem: Konoplytska/Getty Images

A Catedral de Santa Sofia foi batizada em homenagem à antiga Basílica de Santa Sofia (Hagia Sophia), construída no século 6 em Constantinopla, hoje conhecida como Istambul, na Turquia.

Suas obras teriam começado em 1037, mas foram necessárias duas décadas até que ela fosse finalizada. Há diversas teorias para os motivos da construção, mas sua grandeza atravessou séculos e, em 2011, no seu milésimo aniversário, ela foi reconhecida pelas Nações Unidas.

Interior da Catedral de Santa Sofia, em Kiev - diegograndi/Getty Images - diegograndi/Getty Images
Interior da Catedral de Santa Sofia, em Kiev
Imagem: diegograndi/Getty Images

A estrutura possui cinco naves, cinco absides e 13 cúpulas, uma raridade para a arquitetura bizantina. Ela é rodeada por galerias de dois andares em três de seus lados e seu interior conta com mosaicos e afrescos da época, incluindo um que retrata a família de Yaroslav, o Sábio, príncipe de Kiev e fundador da catedral.

Santa Sofia não é o único Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Unesco que pode deixar de existir em meio à guerra. A Ucrânia possui, no total, seis culturais e um natural. A maioria destas outras cinco construções, com rica história, está ameaçada por sua localização, próxima a regiões de conflito.

Centro Histórico de Lviv

O conjunto do Centro Histórico de Lviv - Tainar/Getty Images - Tainar/Getty Images
O conjunto do Centro Histórico de Lviv
Imagem: Tainar/Getty Images

O centro de Lviv foi construído nos séculos 5 e 6, durante a Idade Média, e ainda preserva a topografia e características estéticas e estruturais da época, com símbolos da presença de grupos cristãos — há inúmeras igrejas em seu complexo, católicas, armênias e ortodoxas —, além de muçulmanos e judeus que viveram na cidade ao longo dos séculos seguintes.

Além disso, suas praças e mercados ainda guardam traços da influência barroca e renascentistas advindas de Itália e Alemanha, segundo a própria Unesco, o que torna a área rica em uma combinação rara de influências.

Residência dos Metropolitanos da Bucovina e da Dalmácia

Residência dos Bispos Metropolitanos da Bucovina e da Dalmácia em Tchernivtsi - Shidlovski/Getty Images - Shidlovski/Getty Images
Residência dos Bispos Metropolitanos da Bucovina e da Dalmácia em Tchernivtsi
Imagem: Shidlovski/Getty Images

Hoje pertencentes à Universidade de Tchernivtsi, os prédios construídos para abrigar bispos ortodoxos no final do século 19, quando a região estava sob o controle da monarquia Habsburgo (a família da Imperatriz Leopoldina do Brasil) e seu Império Austro-Húngaro, combinam referências bizantinas, góticas e barrocas.

O design do complexo, que serviu para abrigar os líderes da Igreja Ortodoxa e seminaristas até a Segunda Guerra, foi concebido pelo arquiteto tcheco Josef Hlávka. No entanto, azulejos e outras peças estruturais foram importados da Áustria.

Cidade antiga de Quersoneso Táurico

Pilares das ruínas dóricas que compuseram a cidade de Quersoneso Táurico com a Catedral de São Vladimir ao fundo, em Sebastopol, na região ucraniana da Crimeia, que foi anexada pelos russos em 2014 - tverkhovinets/Getty Images/iStockphoto - tverkhovinets/Getty Images/iStockphoto
Pilares das ruínas dóricas que compuseram a cidade de Quersoneso Táurico com a Catedral de São Vladimir ao fundo, em Sebastopol, na região ucraniana da Crimeia, que foi anexada pelos russos em 2014
Imagem: tverkhovinets/Getty Images/iStockphoto

Fundada por gregos de origem dórica há cerca de 2.500 anos, a antiga cidade ocupa Sebastopol, na região ucraniana da Crimeia, que foi anexada pelos russos em 2014 e, desde então, continua sendo palco de conflitos armados.

Esta área possui, assim como outros Patrimônios reconhecidos pela Unesco em território da Ucrânia, uma mistura interessante de influências: de um lado, ruínas gregas de frente ao Mar Negro que contam a história das rotas comerciais da região, de outro, pérolas medievais como a Catedral bizantina de São Vladimir.

O terreno ainda inclui relíquias da Idade da Pedra e do Bronze e foi bastante importante devido à produção de vinhos. Ainda é possível ver resquícios de vinícolas de séculos bem preservados.

"Tserkvas" de madeira

A Igreja da Santíssima Trindade, em Zhovkva, é parte do complexo de "Tserkvas" - Tainar/Getty Images/iStockphoto - Tainar/Getty Images/iStockphoto
A Igreja da Santíssima Trindade, em Zhovkva, é parte do complexo de "Tserkvas"
Imagem: Tainar/Getty Images/iStockphoto

A porção da região dos Cárpatos que inclui partes da Ucrânia e da Polônia foi reconhecida como Patrimônio por suas 16 "Tserkvas", as igrejas de madeira que são características da cultura local. Oito delas estão dentro das fronteiras ucranianas e, portanto, sob risco de desaparecer atualmente.

Construídas entre os séculos 16 e 19 por comunidades de católicos gregos e ortodoxos, elas tiveram seus designs baseados nas tradições eclesiásticas ortodoxas e possuem torres de sinos em madeira, domos piramidais, cúpulas, decorações interiores policromáticas, jardins e cemitérios.

Segundo a Unesco, o trabalho distinto de carpintaria é um dos aspectos fundamentais para determinar sua raridade.

Arco Geodésico de Struve

Parte do Arco Geodésico de Struve, que corta o território ucraniano em um campo de trigo - Sergii ZyskÐ?/Getty Images/iStockphoto - Sergii ZyskÐ?/Getty Images/iStockphoto
Parte do Arco Geodésico de Struve, que corta o território ucraniano em um campo de trigo
Imagem: Sergii ZyskÐ?/Getty Images/iStockphoto

Geralmente reconhecido como um Patrimônio da Humanidade de origem norueguesa, parte deste arco corta o território ucraniano através de um campo de trigo. Mas, afinal, o que é esta construção?

Na verdade, o Arco Geodésico é uma série de pontos de triangulação demarcados ao longo de 2.820 quilômetros desde Hammerfest, na Noruega, até o Mar Negro, pelo astrônomo Friedrich Georg Wilhelm von Struve entre 1816 e 1855 com o objetivo de estabelecer de maneira precisa o formato e o tamanho da Terra.

Struve foi o primeiro pesquisador a alcançar este feito através deste meridiano que contava, originalmente, com 265 estações. Hoje, a Unesco reconhece 34 pontos em dez países: Noruega, Suécia, Finlândia, Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Moldávia, Ucrânia — sendo que quatro deles estão dentro do país atacado.

No entanto, segundo informações da agência Associated Press, estas não são as únicas grandes relíquias ucranianas que estão ameaçadas. O presidente Volodymyr Zelenskiy teria apontado na quarta-feira (2) riscos para outros três monumentos:

Igreja de Santo André

Igreja de Santo André, em Kiev - DmyTo/Getty Images/iStockphoto - DmyTo/Getty Images/iStockphoto
Igreja de Santo André, em Kiev
Imagem: DmyTo/Getty Images/iStockphoto

Um dos cartões-postais da capital, a Igreja de Santo André foi construída entre 1747 e 1754 pelo arquiteto italiano Bartolomeo Rastrelli, que assinou o Palácio de Inverno em São Petersburgo, e preserva um grande número de elementos do estilo rococó em seus cinco domos e sua estrutura em formato de cruz.

Entregue ao Patriarcado de Constantinopla em 2018, ela passou por recentes reformas e restaurações. Sua candidatura ao status de Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Unesco está atualmente sob avaliação.

Kyiv-Pechersk Lavra

Kyiv-Pechersk Lavra, complexo subterrâneo também conhecido como Monastério das Caves, em Kiev - Konoplytska/Getty Images - Konoplytska/Getty Images
Kyiv-Pechersk Lavra, complexo subterrâneo também conhecido como Mosteiro das Cavernas, em Kiev
Imagem: Konoplytska/Getty Images

Apelidado de Mosteiro das Cavernas, esta construção parcialmente subterrânea rodeia a Catedral de Santa Sofia e guarda alguns dos grandes tesouros bizantinos da Ucrânia e da história do cristianismo desde sua construção em 1051.

Justamente por fazer parte do conjunto da catedral, ele é considerado um Patrimônio da Humanidade pela Unesco, mas sua história, segundo a instituição, inclui incentivos por parte dos religiosos ao desenvolvimento da medicina, da educação e das artes.

Os antigos monges e atuais santos ortodoxos, como Santo Antônio de Kiev, construíram as cavernas ao longo do leito do Dniepre. Ao longo dos anos, elas passaram a ser conectadas entre si compondo um conjunto de igrejas e centros de preservação de relíquias cristãs subterrâneas.

Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas

Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas, em Kiev - Cavan Images/Getty Images/iStockphoto - Cavan Images/Getty Images/iStockphoto
Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas, em Kiev
Imagem: Cavan Images/Getty Images/iStockphoto

Já destruído pelos soviéticos uma vez em 1930, o mosteiro foi reconstruído após a independência da Ucrânia, declarada em 1991. Originalmente, a catedral havia sido erguida na Idade Média, em madeira e proporções significativamente menores.

Em 1093, o príncipe de Kiev, Sviatopolk ou Esvetopolco 2º, decidiu construir uma igreja ainda maior, em pedra, para honrar o batismo que havia recebido. O prédio original foi expandido ao longo de séculos, chegando a possuir hotéis para abrigar peregrinos dentro do seu perímetro.

Diante das alterações, o governo soviético considerou que a Catedral não merecia conservação, já que apenas uma pequena parte teria mesmo sido construída no período bizantino. Mosaicos foram removidos e ela foi derrubada para, em seu lugar, ser construído em 1934 o centro administrativo da República Socialista Soviética da Ucrânia.

As obras que compunham seu exterior chegaram a ser levadas para museus russos durante boa parte do século 20. Sua história, portanto, conta um pouco também da história do país.

Esforços de preservação

Diante do potencial de destruição, o Getty Trust, importante fundo que financia a manutenção das artes e arquitetura nos EUA, manifestou sua solidariedade e preocupação com o patrimônio ucraniano.

"Condenamos as atrocidades culturais sendo cometidas agora na Ucrânia, juntas às insondáveis perdas humanas e ambientais. Nos posicionamos em solidariedade com nossos colegas ucranianos. Proteger e preservar nossa herança cultural é um valor fundamental de sociedades civilizadas. O que está acontecendo na Ucrânia é uma tragédia de proporções monumentais", ponderou o fundo.

Fedir Androshchuk, diretor do Museu Nacional da História da Ucrânia, em Kiev, informou o jornal britânico The Guardian na terça (1º) que quatro museus ucranianos em Vinnytsia, Zhytomyr, Sumy and Tchernihiv já trabalham na tentativa de salvar suas obras, seja evacuando-as ou levando-as a estruturas subterrâneas para tentar livrá-las de danos físicos e de saques que podem ocorrer caso os prédios sejam violados.

  • Veja as últimas informações sobre a guerra na Ucrânia e mais notícias no UOL News com Fabíola Cidral: