Tem gosto, cheiro e cor de café... mas não leva um grão sequer. Como pode?
"E se dissermos que o melhor café não precisa vir dos grãos?" A provocativa pergunta é a primeira coisa que aparece para quem acessa o site da Atomo Coffee, uma startup de Seattle que apresentou há algumas semanas o seu café produzido sem grãos.
Isso mesmo: trata-se de uma bebida que, para ser produzida, não precisa de nenhum grão de café sequer. O novo café usa substâncias que "replicam exatamente a estrutura molecular do café tradicional", como diz um comunicado.
Para isso, a Atomo identificou 28 compostos encontrados no café tradicional em outras alimentos naturais, como milho, limão, goiaba e até bicarbonato de sódio. Um dos ingredientes é a semente das tâmaras, que normalmente seria descartada.
A empresa, que conseguiu arrecadar de investidores mais de 50 milhões de dólares, apela a questões sustentáveis para produzir sua bebida.
Além de usar produtos que iriam para o lixo, o objetivo é reduzir o impacto climático da produção cafeeira, evitando questões de desflorestação e o consumo excessivo de água em todos os processos da cadeia de produção.
Não é a primeira vez que um produto assim chega ao mercado: leite feito sem nenhuma gota de líquido retirado de mamíferos e carnes feitas apenas com vegetais que lembram os sabores, texturas e aromas da carne já estão há algum tempo nas prateleiras dos mercados.
O que muda, agora, é que a tecnologia mais avançada e a inteligência artificial entraram na equação para permitir produzir alimentos alternativos muito mais próximos dos originais — mas sem os impactos destes.
Alguns deles, no caso das carnes, já são feitos em laboratório, a partir de células-tronco, sem necessidade de abate de animais.
Com a ajuda de análises de moléculas e um repertório de análise muito mais vasto, os computadores inteligentes conseguem cruzar dados e propor combinações que, em testes, levariam anos e anos — se acaso fossem consideradas.
Pense em leite que tenha o mesmo cheiro ou viscosidade daquele que sai da teta da vaca ou hambúrgueres que sejam capazes de sangrar sem nenhum grama de animal sequer — no primeiro caso, graças a leguminosas e cogumelos; no segundo às moléculas de beterraba.
Estamos entrando na era da "comida sem comida", ou seja, da tecnologia aplicada à alimentação que nos vai permitir desenvolver e produzir (brevemente em larga escala, espera-se), alimentos feitos a partir de substitutos.
A Planet A Foods, por exemplo, é uma marca de chocolate produzido sem cacau. Baseada na Alemanha, a empresa ostenta a fabricação de um produto "feito de ingredientes locais, veganos e 10 vezes mais sustentável
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Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberDe acordo com dados sobre o mercado de cacau, trata-se de uma produção agrícola que causa diversos problemas éticos e ambientais para o planeta — são necessários 24 mil litros de água para produzir 1kg de cacau.
Grande parte da produção do cacau no mundo também está ligada à exploração ou uso de mão de obra infantil. Os irmãos Max e Sara Marquart decidiram fundar a Planet A Foods para satisfazer o enorme apetite mundial por chocolate de uma forma mais ética.
Eles desenvolveram um método de fermentação de precisão que recria a composição do cacau usando outras bases alimentares.
O processo é semelhante ao de fazer cerveja (em tanques de fermentação) e utiliza até mesmo resíduos da produção de azeite, óleo de semente de uva ou girassol, que formam a base do "chocolate".
Hoje, a Planet A Foods já produz o equivalente a 10 quilos de chocolate sem cacau por dia. O que é muito pouco, claro, para atender um mercado cuja demanda é de mais de 7 milhões de toneladas de chocolate anualmente.
Os irmãos Marquart sabem disso, mas querem poder transformar, mesmo que muito reduzida, como consumimos chocolate. Ou pelo menos fazer as pessoas pensarem sobre isso.
O problema, dizem os irmãos, é gerir quantidades enormes de alimentos de uma forma sustentável. Os alimentos alternativos são uma forma de criar novas maneiras que ajudem a "desafogar" a produção de alimentos massivamente consumidos.
Já que é uma tarefa muito mais difícil tentar dissuadir as pessoas de consumirem chocolate, tomarem café ou comerem carne, os alimentos feitos a partir de substitutos podem diminuir a pressão ao planeta que muitos deles causam.
Mas só valem se não acabarem, ao final, criando novos problemas ambientais, como no caso de carros elétricos ou energia eólica. Que sejam alternativa apenas para novas soluções.
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