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Coluna do Veterinário

Não é certo considerar veterinários inaptos a cargos de saúde pública

Colaboração para o UOL, em Murcia (ESP)

29/09/2020 14h20

A recente nomeação de Laurício Monteiro Cruz para o cargo de diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis ligado à Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde pode ser contestada, mas não por ele ser veterinário. A polêmica escolha iniciou uma série de piadas das mais diversas nas redes sociais, já que foi considerado absurdo um profissional com essa formação ocupando um cargo relacionado à saúde humana.

Este tipo de situação não é um caso isolado. Há alguns anos, em quadro do programa CQC, Danilo Gentili fez piada com um projeto de lei proposto pelo vereador Jamil Murad que tinha como objetivo a atribuição de veterinários como responsáveis técnicos em açougues da capital paulista.

Mas, afinal, existe alguma coisa errada com essa nomeação e esse projeto de lei? Grande parte da população associa a atividade do médico veterinário exclusivamente a saúde dos animais, ou mais especificamente a saúde dos pets. No entanto, a área de clínica veterinária, como é chamada, é apenas uma das muitas funções que o médico veterinário está habilitado a exercer. Como bem disse o Conselho Regional de Medicina Veterinária de São PaulCRMV-SP), em nota divulgada depois da última polêmica, o médico veterinário tem em sua formação disciplinas nas áreas de "agentes zoonóticos, patologia, biossegurança, farmacologia, imunologia, epidemiologia, virologia, intensivismo e saúde pública", o que os habilita a ter uma atuação muito diversificada dentro da área da saúde.

Com essa formação, os médicos veterinários estão inseridos no conceito de Saúde Única defendido pela Organização Mundial de Saúde, exercendo um importante papel. O CRMV-SP ainda nos lembra que os médicos veterinários integram o SUS atuando no controle de doenças que podem ser transmitidas a humanos por meio do monitoramento de fauna e vigilância em saúde.

Os médicos veterinários também são de extrema importância na saúde alimentar. Toda a cadeia produtiva animal, seu manejo, reprodução e bem-estar passa pelas mãos deles. Somos responsáveis ainda por assegurar a qualidade dos produtos de origem animal por meio da fiscalização, desde o momento da produção de produtos como leite e ovos até o abate de animais, seu posterior armazenamento, transporte e venda ao consumidor final.

Assim, notamos que a proposta de Jamil Murad não era absurda como o humorista levou a crer. A presença de um veterinário responsável em açougues proporciona a correta fiscalização deste ambiente, no qual são avaliados o armazenamento dos produtos e o manuseio da carne, observando presença de possíveis alterações que poderiam levar a algum risco no consumo. Tudo isso leva a um aumento na segurança dos produtos vendidos, diminuindo as chances de venda de carne contaminada.

Da mesma forma, no caso da nomeação de Laurício, ser veterinário não o desqualifica para exercer o cargo à qual foi nomeado. É claro que é necessário avaliar se possui experiência na área e se sua indicação é adequada do ponto de vista técnico. Eu, por exemplo, sou formado em medicina veterinária, mas com uma especialização totalmente dentro da área de clínica, não tendo contato com as demais áreas desde a graduação. Assim, não me sentiria capaz de exercer este cargo, mas não diria o mesmo de muitos de meus colegas que estudam as áreas de epidemiologia, zoonoses e saúde pública e que atuam nesse ramo.

Resumindo, é possível que esta indicação não seja apropriada por inúmeras razões, mas definitivamente ser veterinário não é uma delas.