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Boxeadores cadeirantes sonham em representar o Quênia nos Jogos Paralímpicos

23/11/2018 10h03

Irene Escudero.

Nairóbi, 23 nov (EFE).- Cleantone, Karanja e George acabam de chegar à quadra de basquete onde treinam e já estão checando a calibragem de suas cadeiras de rodas. Ao invés de pegarem uma bola, colocam as luvas de boxe e começam a treinar com a esperança de representar o Quênia nos próximos Jogos Paralímpicos.

O "paraboxe", ou seja, o boxe praticado por pessoas com deficiência, na realidade "não se diferencia tanto" da sua versão original, explica à Agência Efe o treinador queniano Daniel Oyombe.

"A única diferença é que estão sentados", comenta Oyombe, que até 1993 foi boxeador profissional e agora treina a primeira equipe de paraboxe do Quênia, a Westie Paraboxing Club de Nairóbi, integrada por seis pessoas.

Na falta de um ringue adaptado às suas cadeiras de rodas, os quenianos lutam em uma quadra de basquete da Associação Cristã de Moços (ACM), como uma metáfora de que um novo esporte pode se popularizar no Quênia.

Treinam cedo pela manhã, antes de irem trabalhar, duas vezes por semana.

Na equipe também há uma mulher, mas hoje uma greve de "matatus" (os micro-ônibus coloridos que compõem o transporte coletivo em Nairóbi) a impediu se deslocar pelos 30 quilômetros que separam sua casa do local de treinamento.

Seus quatro colegas, que conseguiram participar do treino, impulsionam suas cadeiras com as forças dos braços de um lado para outro da quadra para aquecer, e depois se amarram a treliças, desgastadas e com várias barras quebradas, para começar a praticar golpes diretos, ganchos e todo tipo de socos.

O paraboxe é praticado com velcros presos à cadeira do oponente, o que faz com que a defesa seja mais importante que o ataque.

"É o meu amigo, mas quando lutamos tem que parecer real, como se nos odiássemos", brinca Cleantone Werema, membro da equipe e diretor da Kenyan Paraboxing Club, a Seleção de Paraboxe queniana.

Werema, de 57 anos, trabalha em uma gráfica e seu colega, Austin Kamau, que se incorporou mais tarde ao treino, além de ser o capitão da equipe é vendedor ambulante no centro de Nairóbi.

"Há muitos ladrões e batedores de carteira e que se te veem desatento... Você pode acabar voltando para casa até nu!", descreve Kamau, apesar de parecer difícil crer que com seu aspecto de pessoa dura e robusta alguém se atreva a repreendê-lo.

A equipe está há dois anos treinando e, algum dia, espera que o paraboxe seja um dos esportes do quadro dos Jogos Paralímpicos.

Outro dos seus objetivos é popularizar o esporte em todo o país, e para isso realizam excursões por diferentes condados do Quênia a fim de demonstrar que essa atividade pode ser uma via para lutar contra a exclusão social.

Em alguns casos, os pais acreditam que seus filhos com deficiência estão enfeitiçados e que é preciso isolá-los pelo seu bem e o dos demais.

"Algumas famílias deixam suas crianças em casa e, desta forma, lhes ensinamos que podem sair", diz Werema.

Tanto Werema e Kamau como seu colega de equipe Duncan Karanja tiveram poliomielite, doença virótica muito contagiosa que invade o sistema nervoso e pode causar paralisia.

Apesar de incurável, a poliomielite pode ser prevenida com uma simples vacina, à qual nenhum deles teve acesso, por isso Werema também dedica parte do seu tempo a conscientizar sobre esta doença e tenta convencer as famílias a vacinarem seus filhos.

Oyombe, de 58 anos, os treina como se fossem profissionais, sem fazer distinções entre esta equipe e outra de pugilistas sem incapacidade.

Seu irmão, que o ensinou a lutar boxe, também teve poliomielite e, por isso, sabe que "não há uma grande diferença" entre estas duas formas de praticar o esporte.

Ao fim do treinamento, os atletas devolvem as cadeiras de rodas, já que pertencem à equipe de basquete.

Werema coloca então suas próteses e George Otito, que perdeu a perna por conta de um câncer, pega suas muletas, e ambos partem rumo ao trabalho.

"Somos todos trabalhadores autônomos. Temos que trabalhar para pôr comida na mesa", resume Werema, sem renunciar ao sonho de, algum dia, lutar sobre rodas em um ringue olímpico.