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Em busca de primeira vitória no UFC, Talita Bernardo se equilibra como professora, mãe e atleta

Felipe Paranhos, em Salvador (BA)

Ag. Fight

26/10/2018 09h00

Talita Bernardo fará, no UFC Moncton, neste sábado (27), a sua terceira luta como contratada do Ultimate. Mas o fato de ser atleta da maior organização de MMA do mundo não faz dela imune a muitos dos problemas de grande parte dos brasileiros - sobretudo para equilibrar as finanças enquanto tenta se qualificar para objetivos profissionais maiores. Em entrevista exclusiva à reportagem da Ag. Fight, a adversária da canadense Sarah Moras contou como concilia a vida de professora, mãe e atleta de alto nível na pequena cidade de Barra de São João (RJ).

A faixa-preta de jiu-jitsu estreou no UFC contra Marion Reneau, em setembro do ano passado, pegando a luta de última hora. Com muito pouco tempo de preparação, Talita ganhou o primeiro round e assustou a veterana, mas acabou se cansando nos assaltos seguintes e perdendo o duelo de virada. Para seu segundo compromisso na organização, diante de Irene Aldana, em janeiro deste ano, a atleta pediu demissão da escola onde ensinava Educação Física para se dedicar integralmente ao camp.

Mas, depois da derrota por decisão unânime, apesar dos esforços para conseguir dedicar-se somente aos treinamentos, ela continuou dando aulas. Por outro lado, a brasileira considera que a conciliação foi bem feita.

"Mesmo eu tendo saído do meu antigo emprego, eu tive que continuar trabalhando dando aula, exatamente por causa da falta de apoio, de patrocínios. Eu continuei trabalhando somente com o jiu-jitsu, numa academia e em uma outra escola. Mas eu não pude parar totalmente de dar aula, porque eu precisava me manter. Diferente do que as pessoas acham, a gente não tem uma renda mensal, então tem de correr atrás. Mas, para esta luta, eu consegui equilibrar muito melhor, porque a rotina diária foi bem menor de trabalho, então eu pude conciliar bem com os treinos e o descanso", explicou.

O fato de competir no UFC faz com que, em Barra de São João, muita gente acredite que os holofotes do MMA transformaram a vida econômica de Talita. Segundo a lutadora, poucos conhecem as incertezas financeiras do mundo das lutas e a planilha de gastos de uma atleta de alto nível - que também é mãe da pequena Dominique, de 5 anos.

"Eu moro em uma cidade minúscula, uma cidadezinha do interior bem pequenininha mesmo. Todo mundo acha que porque eu cheguei no UFC eu sou rica. Acham que você ganha uma grana mensal e pode viver bem. A verdade não é essa. Eu lutei em janeiro e tive que me virar até agora, outubro, com a grana de janeiro. E eu tenho também todas aquelas despesas familiares: filho, escola, material escolar, essas coisas todas de pessoas normais que também tenho que custear. Então, esse dinheiro tem de ser muito bem dividido. Claro que eu não fiquei pobre, mas é muito diferente do que as pessoas acham. Não tenho um patrocínio mensal, uma pessoa que chegue junto na parte financeira. Quando a gente fica um pouco mais conhecido, a gente faz algumas parcerias, algumas pessoas que querem nos ajudar com alguns serviços, mas é tudo em troca. Ainda não tem alguém que chegue junto, mas Deus proverá", afirmou.

A rotina puxada de atleta atraiu, desde cedo, Dominique para o esporte. A filha de Talita começou a acompanhá-la nos treinos ainda bebê, sem tanta consciência do que acontecia nos tatames da IF Team. Hoje, porém, a pequena já compete no jiu-jitsu e quer seguir a profissão da mãe. A lutadora, contudo, explicou à Ag. Fight que em muitos momentos, mesmo vendo os benefícios que as artes marciais trouxeram para a menina, ressente-se de não oferecer a ela uma infância mais... Infância.

"A Dominique me acompanha desde que ela tinha 4 meses de vida. Ela já frequentava a academia. Eu voltei a treinar jiu-jitsu, então ela já ia comigo no 'bebê conforto', ficava lá. Ela já é super disciplinada, adora competir, já competiu em alguns eventos de jiu-jitsu, já é faixa-cinza, adora. Nessa parte ela é supertranquila, fala que quer ser lutadora igual à mamãe. Mas eu, como mãe, sinto um pouco pesado para ela, porque acabo privando algumas coisas da infância dela, por ela ter que me acompanhar, por não ter com quem deixá-la para eu ir treinar, para ir à academia. Então ela acaba indo comigo e vivendo um pouco da minha vida", desabafou.

"Eu fico feliz por ela estar vivendo o esporte, ser disciplinada, ser educada dessa maneira, mas às vezes eu me culpo por não poder proporcionar mais coisas para a infância dela. De vez em quando ela fala: 'Mamãe, vamos para a praia', e eu tenho que dizer 'Não, filha, mamãe não pode ir porque a gente vai treinar'. Então, em certas coisas eu me culpo um pouco como mãe, mas ela entende. Eu falei que após a luta agora, neste próximo mês, é de férias todo dela", disse.

A vida de professora também trouxe para a brasileira uma experiência marcante que ela carrega para sua passagem no Ultimate: a de aproveitar oportunidades. Talita contou que, ao ensinar artes marciais para jovens de comunidades da região, conseguiu, junto com os outros profissionais da academia, salvar garotos do vício em drogas. No entanto, o encerramento de um projeto por falta de apoio fez com que o esporte perdesse alguns dos adolescentes para o crime.

"Há outras maneiras, mas a principal maneira de a gente salvar vidas é o esporte. Eu tenho exemplos bem fortes na minha academia, nos quais a gente salvou vidas, salvou adolescentes das drogas, livrou das mortes, e quando a gente precisou acabar o projeto por falta de patrocínio, dois desses adolescentes faleceram no mundo das drogas. O esporte consegue dar pelo menos uma esperança de uma vida um pouco melhor, tirando das ruas, das drogas. A gente consegue salvar, precisa de apoio para isso. Mas com certeza o esporte é o melhor caminho para poder disciplinar, educar, salvar", falou à Ag. Fight.

Talita enfrenta Sarah Moras na quarta luta do card preliminar do UFC Moncton, que terá transmissão do canal Combate, a partir das 19h30 deste sábado (27). 'Cheesecake' é especialista no wrestling e, apesar de já ter entrado no octógono quatro vezes, continua com dificuldades na trocação. Por isso, a brasileira, que tem origem na luta de solo, pretende manter o duelo em pé e se aproveitar das brechas da adversária.

"A gente procurou fazer uma estratégia um pouco diferente, porque ela, realmente, busca mais a queda. Até mais do que eu. O jogo dela é um pouco mais agarrado. Eu vou procurar ficar um pouco mais no alto, porque foi a parte que eu melhorei, e acho que vou conseguir sobressair, até ela buscar o chão. E se for para o chão, a gente vai fazer o que tem de ser feito", declarou, antes de deixar claro que, se for derrubada, vai tentar reverter a posição como puder.

"Eu não tenho esse pensamento de cair por baixo. Não tenho uma guarda ativa, agressiva, por baixo. Sou melhor por cima: no ground and pound, buscando a finalização. Acho que mesmo que ela consiga me derrubar, eu vou buscar a raspagem, vou buscar inverter a posição para poder ficar em uma posição que eu me sinta mais confortável", analisou.

Confira o card completo do UFC Moncton:

Card principal
Meio-pesado (93 kg) | Volkan Oezdemir vs. Anthony Smith
Pena (66 kg) | Michael Johnson vs. Artem Lobov
Meio-pesado (93 kg) | Misha Cirkunov vs. Patrick Cummins
Galo (61 kg) | Andre Soukhamthath vs. Jonathan Martinez
Meio-pesado (93 kg) | Gian Villante vs. Ed Herman
Meio-médio (77 kg) | Alex Garcia vs. Court McGee

Card preliminar
Meio-médio (77 kg) | Nordine Taleb vs. Sean Strickland
Leve (70 kg) | Thibault Gouti vs. Nasrat Haqparast
Pena (66 kg) | Calvin Kattar vs. Chris Fishgold
Galo feminino (61 kg) | Sarah Moras vs. Talita Bernardo
Leve (70 kg) | Te'Jovan Edwards vs. Don Madge
Pesado |Arjan Bhullar vs. Marcelo Golm
Leve (70 kg) | Stevie Ray vs. Jessin Ayari