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Esporte só aparece nos planos de 6 dos 13 candidatos para Presidência

AP Photo/Marcio Jose Sanchez
Imagem: AP Photo/Marcio Jose Sanchez

Napoleão de Almeida

Colaboração para o UOL

25/08/2018 04h00

No último dia de competições na Olimpíada Rio-2016, um surpreendente Maicon Andrade apareceu para decidir o bronze no taekwondo. Como tantos heróis invisíveis do esporte brasileiro, Maicon era pedreiro e garçom e a paixão pelo esporte o obrigou a largar os estudos, por falta de tempo. Foi por meio do Bolsa Atleta que Maicon pôde mudar de patamar na carreira. Os rendimentos de cerca de R$ 5 mil prometidos o ajudaram também a manter a família – Maicon reclamou de atrasos nos pagamentos.

Se o esporte mudou a vida de Maicon, essa ideia de que ele pode ser uma saída para o desenvolvimento social do Brasil não é levada a sério, a princípio, por mais da metade dos candidatos à Presidência da República em 2018. Um levantamento feito nos 13 planos de governo registrados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que valem como documento de intenções de gestão, mostra que apenas Ciro Gomes (PDT), Eymael (DC), Guilherme Boulos (PSOL), João Amoêdo (Novo), Lula (PT) e Marina Silva (Rede) se importam, pelo menos oficialmente, com o segmento.

Boulos, Lula e Marina, pela ordem, são os que dedicam mais espaço ao tema em seus planos de governo. Ciro e Eymael citam em tópicos a necessidade de investimento no esporte. Amoêdo, por sua vez, cita o segmento em uma linha com cultura e ciência.

Projetos falam pouco sobre investimento como educação

Com 53 menções à palavra-chave, o projeto de Guilherme Boulos sugere ao esporte brasileiro o rompimento com a “política de conciliação com a cartolagem dos clubes, federações e confederações esportivas”, prometendo auditoria em todas. Também propõe a “Lei Prata da Casa”, na qual pretende-se taxar de forma decrescente as transferências internacionais de jogadores até 23 anos, “garantindo maior qualidade técnica para o futebol disputado no País”, no texto do projeto do PSOL.

O plano de Boulos apresenta uma espécie de tese acadêmica sobre o Esporte no Brasil e ainda aponta outros 34 pontos de melhoria ou interferência no segmento profissional, como a regulamentação das cotas de TV no modelo similar ao inglês (50% igualitariamente, 25% por classificação técnica e 25% por audiência), assim como a destinação de 5% das verbas das cotas de TV para o futebol feminino. Para o esporte amador, o projeto fala em fomentar a prática de forma associada ao ensino fundamental, médio e superior.

Presidente de 2003 a 2010, Lula dedica quatro páginas – e 27 menções – ao esporte em seu plano de governo. O ex-presidente cita o Bolsa Atleta e o uso das instalações militares para treinamento esportivo como trunfos no segmento. Cita também a vinda da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 como mostra do que seu governo fez pelo esporte. Para o futuro, se eleito, promete mudanças também no futebol profissional com um “programa de modernização da gestão do futebol”, no qual propõe um calendário unificado com atividade anual permanente para todas as séries e campeonatos.

O PT ainda propõe relançar o Plano Brasil Medalhas, com investimentos para os demais esportes. Ao longo do restante do texto do projeto, Lula critica constantemente os cortes do presidente Michel Temer (PMDB) no setor, como a redução em 87% dos investimentos via Bolsa Atleta.

Candidata da Rede, Marina Silva cita “esporte” por 13 vezes em seu plano, dedicando um capítulo com uma página para o tema. Insere ainda o conceito de esporte como parte fundamental das propostas por segurança. Especificamente sobre o esporte, ao contrário de Boulos e Lula, não cita o futebol profissional como uma preocupação. Enumera que adotará “políticas de estímulo à prática da educação física nas escolas do ensino básico”. Promete ainda apoiar que municípios com mais de 100 mil habitantes implementem ciclovias e pistas de corridas e caminhadas.

De maneira sucinta e objetiva, Ciro Gomes dedicou um tópico do plano de governo ao esporte (três citações), prometendo programas de incentivo ao esporte como o Bolsa Atleta, “qualificação do Esporte nas escolas como ferramenta de entretenimento e amparo dos jovens estudantes” e promover espaços de lazer nas cidades.

Também de forma objetiva, Eymael promete a criação do “Pró-Amador”, um plano nacional de apoio ao esporte amador competitivo, colocando o projeto como “fundamental para a formação de caráter dos jovens e no combate às drogas”. Ainda coloca em letras destacadas o lema: “fazer do Brasil, uma nação olímpica!”. São três citações da palavra “esporte” no projeto.

Por fim, também de maneira sucinta, João Amoêdo, do Novo, citou “esporte” uma única vez no plano de governo, colocando em um mesmo tópico a ideia de conseguir “novas formas de financiamento de cultura, do esporte e da ciência com fundos patrimoniais de doações”. Amoêdo tem contado em sua campanha com a presença constante de Bernardinho, ex-técnico das seleções brasileiras masculina e feminina de vôlei.

7 candidatos não citaram o esporte em seus planos de governo

Nos planos de governo registrados no TSE pelos outros sete candidatos, Álvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriota), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), João Goulart Filho (PPL) e Vera (PSTU), não houve nenhuma menção a palavra “esporte” em todo o texto. Dias foi relator da CPI da CBF/Nike e o ex-capitão do exército se declara como formado em educação física.

O UOL Esporte entrou em contato com as assessorias das candidaturas dos que não citaram nenhum plano para o segmento. Foram enviadas perguntas por e-mail, formulários no sites das candidaturas, nas fanpages do Facebook para as campanhas e até pelo WhatsApp das assessorias. As questões enviadas em 20 de agosto foram:

- Como o senhor (a) pretende tratar o Esporte?

- Como devemos interpretar a ausência de propostas no documento oficial registrado no TSE?

- Quais políticas seriam prioritárias em relação à essa necessidade social, ausente do plano, e por qual razão o esporte não está no plano de governo?

- Por fim, como o senhor enxerga o esporte na relação social com o Brasil?

Dois candidatos responderam às questões enviadas pela reportagem.

Vera (PSTU) abordou as questões de forma genérica. Em texto enviado pela assessoria, argumentou que “optamos por protocolar no TSE um resumo programático de nossas propostas a fim de facilitar sua leitura. Por esta razão, ele contém as bases do que pensamos para o país, mas não é possível detalhá-lo”.

A candidata ainda criticou os “cabides de empregos” em ministérios e secretarias, o sucateamento do ensino público, especialmente na educação física e os grandes eventos, que “serviram aos lucros das grandes empreiteiras e multinacionais, além do corrupto COI e os governos.” Sobre os planos em si, Vera afirmou que pretende “investir no esporte amador em bairros e periferias”.

Já Álvaro Dias (Podemos) não explicou a ausência do tema no plano de governo, mas respondeu as demais questões afirmando que pretende “aumentar significativamente o número de escolas em tempo integral e, nesses casos, oferecer diversas práticas esportivas como opção para o segundo período escolar, tais como: futebol, vôlei, balé, dança de rua, além de aulas de teatro e inglês” e enxerga a relação social com a necessidade de “fortalecer os programas de formação e capacitação de jovens atletas nas mais diversas modalidades”.

Nenhum dos demais candidatos procurados pela reportagem retornou o contato antes da publicação desta reportagem.

Entretanto, a reportagem resgatou uma série de entrevistas de oito candidatos que participaram do debate da TV Bandeirantes e, após o debate, foram convidados a falar sobre seus planos para o esporte.

Álvaro Dias preferiu dizer que “criou uma secretaria de esportes” enquanto governador do Paraná, dizendo ainda que “planos para o esporte só tem quem gosta do esporte”. Marina Silva reafirmou a intenção de fomentar o esporte no meio acadêmico, dizendo que “a nossa juventude sem perspectiva de vida, é porque elas chegam a uma idade em que precisam ser suportadas, estimuladas para alguma atividade em que elas possam adquirir disciplina, convivência através de regras e isso o esporte pode dar”.

Já Ciro Gomes lembrou que “o Brasil só considera esporte em alto desempenho. Para ter atenção em alto desempenho você precisa ter massa e isso você consegue trazendo esporte para prática regular em uma escola pública”.

Líder nas pesquisas quando o nome de Lula é retirado, Jair Bolsonaro disse que cogita “juntar lá o Esporte ao Ministério da Saúde, né?”. Cabo Daciolo reclamou do sucateamento da Vila Olímpica no Rio: “se quisermos mudar a nação brasileira, nós vamos valorizar o profissional da educação, levando junto com o esporte”. Por fim, o último a ser questionado pela reportagem da emissora foi Henrique Meirelles, que respondeu genericamente: “uma política de formação esportiva, começando no ensino básico, depois no ensino médio, porque é muito importante para as crianças”.

Especialista lamenta política “míope” e espera por cobranças do segmento

Pedro Trengrouse, professor de Direito Esportivo e coordenador do programa de Gestão do Esporte da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com a Fifa e CIES (Centro Internacional de Estudos do Esporte), é uma das vozes que reclamam do desdém dos candidatos para com o Esporte.

“Miopia. Isso é o que significa esse lapso”, argumenta. “Porque claramente os candidatos não têm a percepção de que o esporte seja uma ferramenta importante para políticas públicas. De saúde, educação, segurança; representa ainda um descuido histórico, porque o Brasil é um dos países que mais investiu em esporte nos últimos 20 anos. E o retorno social desse investimento precisa da continuidade, do uso do esporte na formação do caráter na nossa juventude”.

Trengrouse divulgou um estudo comparando o aporte da Islândia no segmento como saída para problemas de saúde e segurança e citou uma pesquisa que mostra que islandeses entre 14 e 16 anos diminuíram o consumo de álcool e drogas depois de uma política pública esportiva.

No texto, aponta que “o percentual dos que dizem ter bebido nos últimos 30 dias foi de 5%, contra o percentual de 42%, aferido na mesma pesquisa realizada há 20 anos; a taxa dos que fumam cigarros diariamente, na comparação entre esses dois períodos, caiu de 23% para 3%; e a dos que usaram maconha, de 17% para 7%. As médias de uso dessas drogas na Europa são hoje de 47%, 13% e 7%, respectivamente. Na América Latina, 35% dos jovens na mesma idade dizem ter consumido álcool no último mês e 17% fumam diariamente, segundo dados da Unicef”.

A ausência de projetos dedicados ao esporte nos planos da maioria dos candidatos é um sintoma. “É triste ver que o Brasil retrocede nessa perspectiva. O Brasil deveria ser o primeiro a avançar. É triste ver que a maioria sequer menciona”, atesta, para depois fazer outra crítica. “Mas isso não significa que os candidatos não tenham propostas. Nós não temos uma tradição de seguirmos planos de governo. Eu apostaria que a maioria dos candidatos não tem nem ideia do que está ali, que é tratado de forma protocolar”.

Separadamente, o analista da FGV detalhou o que encontrou nos planos dos candidatos. O plano de Boulos, o que mais cita esporte, foi criticado por pensar em interferir no mercado de cotas de TV. “Mostra um profundo desconhecimento do papel do Estado na sociedade e no esporte. Mais importante que se preocupar com o topo da pirâmide e com o futebol, é preciso se preocupar com o esporte na base, nas escolas. O papel do Estado é prioritariamente na formação escolar”, avaliou.

Na opinião dele, o projeto do ex-presidente Lula é o mais completo, mas ainda imperfeito. “Lula trata do esporte com uma dimensão mais ampla que os demais. Ele fala na compreensão do futebol como atividade econômica, faz uma autocrítica do baixo legado dos eventos e uma crítica dizendo que ficou ainda pior com Temer. Demonstra uma compreensão mais ampla, mas também deixa muito a desejar naquilo que deve ser a prioridade para o Estado: a utilização do esporte como instrumento de educação, saúde, segurança”.

Já com Marina Silva os elogios cessam pela falta de profundidade nas propostas, que não envolvem o esporte de alto rendimento, mas ficam na superficialidade. “A questão maior em relação ao plano da Marina é que é preciso ser mais assertivo. O conceito está ali, mas qual é o próximo passo? Como isso avança? Com tanta experiência internacional a buscar, acho que o esporte merecia um detalhamento”.

Para Trengrouse, Eymael e João Amoêdo só foram melhores que os que não citaram nada sobre Esporte porque comentaram algo. “Bem pouco. É bem curta a parte dele (Eymael). E depois dele, o Amoêdo junta tudo, esporte e cultura, com investimento privado. Não diz de onde vai vir, qual o papel do Estado...”, cobra.

O analista ainda faz um alerta para o próprio segmento. “Os interessados no esporte precisam se articular, se apresentar. O esporte tem que se organizar, de forma mais participativa, dentro dos segmentos que fazem parte do setor. Em relação à nomeação de políticos que não tem relação com o esporte para o Ministério, é uma característica da política brasileira. Porém nessa campanha estamos vendo algumas indicações prévias de pessoas que não estão no segmento político. O momento de cobrar que o esporte tenha alguém ligado ao esporte é agora. Esse é o melhor momento, aproveitar que estão indicando nomes técnicos na campanha, que já possam indicar um ao esporte, por que não?”

Números:

11 – números de ministros que o Esporte teve desde a criação da pasta em 1995. O único atleta a ocupar o cargo foi Pelé.

33 – número de atletas olímpicos/paraolímpicos contemplados no último edital do Bolsa Atleta. Cada um receberá R$ 3.100,00 mensais como auxílio

87% -  foi a redução imposta pelo presidente Michel Temer para o orçamento do esporte olímpico em 2018