Fé no futebol

Quem são os torcedores que apoiam clubes e ídolos de maneira irrestrita, a qualquer custo, onde quer que seja

Matheus Godoy e Nathalia Costa Colaboração para o UOL Esporte, em São Paulo Ettore Chiereguini/AGIF

O que seria de cada clube sem seus torcedores mais apaixonados? São eles que apoiam de forma irrestrita, seja qual for o resultado. Sim, esse tipo de torcedor ainda existe — e esta reportagem está aqui para provar.

Há torcedores de diversos tipos, dos mais loucos aos mais tímidos, dos que vão a todos os jogos no estádio àqueles que moram longe e nem sempre têm a chance de ver seus ídolos de perto. Todos são movidos por paixão e fé.

Esses apaixonados não medem esforços para apoiar suas equipes ou conhecer algum ídolo, mesmo que por poucos segundos. Sob sol ou chuva, eles estão lá, na porta de centro de treinamento, de estádios, de clubes sociais ou até nos aeroportos.

A reportagem do UOL Esporte acompanhou a rotina de alguns torcedores que fazem de tudo pelo seu time de coração. E constatou que esse tipo de torcedor, apegado à paixão e à fé, ainda se faz presente no dia a dia de um clube.

Ettore Chiereguini/AGIF
Ettore Chiereguini/AGIF Ettore Chiereguini/AGIF

Um minuto com o ídolo

De um lado os jogadores, que treinam para a próxima partida. Do outro, torcedores fanáticos que aguardam o elenco na entrada ou na saída dos centros de treinamentos. O sonho é encontrar seus ídolos e realizar sonhos. Mesmo que seja pela janela do carro.

Desde a segunda semana de fevereiro, a equipe do UOL Esporte tem feito uma cobertura diária na porta dos centros de treinamento dos três maiores clubes de São Paulo. Encontramos idosos que acompanham o time desde a juventude, pais e filhos que partilham da mesma paixão, pessoas que atravessam cidades andando, de bicicleta ou barco no desejo de encontrar um atleta que marcou a sua vida.

900 km de carona até o São Paulo FC

Para um torcedor do São Paulo, a paixão pelo futebol foi a porta de entrada para a esperança de uma vida melhor. Conhecido como Picolé, Edimar Ramos de Macedo saiu de Novo Horizonte do Sul, no Mato Grosso do Sul, e percorreu mais de 900 km até chegar à região da Barra Funda, onde está o CT do São Paulo. O objetivo era ousado: angariar fundos para realizar uma cirurgia nos ligamentos do joelho esquerdo. Sem a operação, o vendedor de picolé, como o apelido sugere, não consegue trabalhar. Do centro-oeste à capital paulista foram três dias de viagem. O homem de 30 anos pegou sete caronas até chegar ao destino.

Não foi só a longa distância. O são-paulino dormiu nas ruas e enfrentou chuvas, frio, fome e a violência da cidade. Com apoio de pessoas da região do centro de treinamento, de outros torcedores, de funcionários do clube e também de jogadores, o sul-mato-grossense conseguiu se manter na capital paulista por seis dias.

Edimar Picolé ficou por lá até conseguir camisas para rifas em suas cidade. Quando alcançou a meta, ainda realizou um sonho: recebeu das mãos de Tiago Volpi, seu ídolo, um par de luvas e uma camisa oficial do Tricolor Paulista. O arqueiro ainda o ajudou com alimentação e uma quantia em dinheiro. O período na capital paulista também rendeu uma camisa do jovem Gabriel Sara, que diariamente atendia o são-paulino na entrada do CT.

Acervo pessoal

Não vim aqui atrás de dinheiro. Eu vim porque eu amo esse clube de coração, de paixão. Eu faria tudo de novo se tivesse outra chance. Quero agradecer a todos que me ajudaram aqui. Desde a primeira pessoa que me deu carona. Quem sabe eu possa voltar aqui um dia, de uma forma melhor. Quero visitar o Morumbi, que infelizmente é um sonho que não consegui realizar."

, Edimar Ramos, o Picolé, torcedor do São Paulo

Matheus Godoy

12 horas de barco até o Palmeiras

A distância muitas vezes pode ser um obstáculo na vida de um torcedor. Não para os paraenses Jairo e Gesiel Prata, que, ao lado das esposas, vieram até a capital paulista para acompanhar a decisão da Recopa Sul-Americana entre Palmeiras e Athletico. O Palmeiras garantiu mais um título. Os torcedores, uma experiência incrível.

Ambos tiveram de enfrentar uma longa estrada para chegar na Barra Funda. Gesiel, líder de uma torcida do Palmeiras em sua cidade, começou a peregrinação no município de Breves, que pertence à messoregião do Marajó, uma das mais importantes do norte do Brasil. O primeiro desafio foi enfrentar doze horas de barco até Belém, capital do estado nortista. De lá até São Paulo foram mais dois voos. O primeiro até Brasília, o segundo, até o território paulista.

"Chegar até aqui não é de um dia para o outro. É um planejamento grandioso, de alto custo. Então, a viagem começou a ser planejada quando o Deyverson entrou e fez o gol contra o Flamengo", disse o torcedor.

Jairo saiu do município de Afuá, popularmente conhecido como a Veneza Marajoara, para percorrer dois dias de viagem. Ele e a esposa primeiro foram para Macapá, capital do estado do Amapá, em um trajeto de barco. Depois seguiram até Belém, desta vez de avião. Também por vias aéreas, chegaram até a cidade de São Paulo.

Eu, particularmente, nunca tinha vindo até São Paulo, nunca tinha tido a oportunidade de conhecer o sudeste. A gente não vem apenas em nome do Palmeiras, mas também para trazer a paixão do povo do norte, que é um povo muito distante. Os palmeirenses daqui da capital não têm noção do que é a paixão do povo marajoara, do povo que é do interior."

Jairo, torcedor do Palmeiras

Nathalia Fanti/UOL

Seis anos na espera por Cássio

A paixão de Rodrigo de Jesus pelo Corinthians está estampada em seus olhos. E em suas mãos. O torcedor, de 22 anos, tem o sonho de se tornar goleiro profissional e sua maior inspiração é Cássio, goleiro do Timão. Ele visitou o CT Joaquim Grava no último dia 21 de fevereiro. Saiu sem conhecer o ídolo.

"Vim ao CT para tentar encontrar o Cássio, eu sou muito fã dele e só queria um autógrafo na minha luva. Eu estou tentando realizar esse sonho desde 2016, eu só queria conhecer ele pessoalmente e fazer um treino de goleiro com ele, seria incrível", disse o torcedor.

Há seis anos, Rodrigo fez uma loucura pelo grande ídolo: "Quando eu tinha 16 anos, saí de Itaquaquecetuba e vim até o CT do Corinthians para tentar conseguir um autógrafo do Cássio. Eu andei por três horas, mas não consegui encontrá-lo. Fiquei o dia todo e voltei para casa sem conseguir o autógrafo na minha luva. Eu nunca vi o Cássio pessoalmente, mas segue sendo o meu sonho", disse o torcedor, que ao longo dos anos segue acompanhando a equipe no CT Joaquim Grava, mas ainda não falou com o goleiro.

Quero deixar um recado para quem está tentando realizar o sonho de ser jogador: não desista. Sei que é difícil, mas você tem que acreditar em você mesmo. Independentemente se tem pai ou não para apoiar, mãe ou não pra apoiar, não desista dos seus sonhos".

Emocionado ao contar a sua história, Rodrigo disse que a ausência física e afetiva do pai atrapalhou a sua caminhada no futebol. "Eu comecei a jogar futebol com 12 ou 13 anos, sempre treinei de goleiro e não consegui seguir meu sonho. Crescer sem pai é ruim, mas crescer com pai e ele ser ausente da sua vida é pior ainda. Eu treinava muito, mas nunca tive o apoio do meu pai, que era um amigo que eu precisava", conta.

"Meu pai nunca foi assistir um treino meu, então isso me desmotivou muito, mas eu tentei. Com 16 anos, eu tive que começar a trabalhar, porque minha família não tinha condições e eu precisava comprar luva e chuteira. Quando eu comecei a trabalhar, parei de treinar".

"Agora, que estou no seguro-desemprego, voltei a treinar e estudar. Meu maior sonho é treinar com o Cássio", reforçou o torcedor do Corinthians. "Eu nunca cheguei a fazer teste em nenhum clube porque, quando tinha oportunidade, meu pai não queria pagar as taxas. Ele falava que era tudo roubada, então a minha vida inteira eu só treinei. Se um dia o Cássio me desse a oportunidade de treinar com ele, seria meu maior sonho", completou.

RONALDO SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO RONALDO SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO
  • De pai para filha

    O torcedor Leandro Maciel visitou o CT Joaquim Grava para realizar um dos seus sonhos: apresentar o local para a filha Dara, de apenas um ano. "É a primeira vez da Dara aqui no CT. Nós moramos em Uberlândia há 14 anos, e dessa vez eu pude trazer ela pra conhecer. É uma felicidade muito grande", disse.

    Imagem: Nathalia Fanti/UOL
  • Mudança de rota

    Do município de Palmares, no Pernambuco, o torcedor Tiago Rodrigo estava no Rio de Janeiro a trabalho quando decidiu mudar o trajeto somente para conhecer o Centro de Treinamento do São Paulo. Nas dependências da Barra Funda, ele conseguiu tirar fotos com vários jogadores e ainda visitou o estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.

    Imagem: Matheus Godoy/UOL Esporte
  • Encontro com os ídolos

    O palestrino Renan levou o filho Lorenzo para conhecer alguns dos jogadores do Verdão. Roubando a cena em frente à Academia de Futebol, o pequeno alviverde conseguiu tirar fotos com Rony, Jorge, Danilo, Luan e Marcos Rocha. De quebra, ainda ganhou um par de luvas do arqueiro Vinicius Silvestre.

    Imagem: Matheus Godoy
  • Paixão que une

    Luciano Pereira, que mora em Vitória, no Espírito Santo, viajou até São Paulo acompanhado da filha Thayná Pereira para ver o duelo entre Corinthians e Red Bull Bragantino, pelo Paulistão. A visita ganhou um "toque especial" quando eles resolveram conhecer o CT Joaquim Grava e encontraram alguns jogadores do Timão.

    Imagem: Nathalia Fanti/UOL
  • De Minas ao Morumbi

    Denis Andrade aproveitou o período de folga para apoiar o Tricolor no clássico Majestoso. O são-paulino saiu de Pouso Alegre, em Minas Gerais, para percorrer aproximadamente 200 km de ônibus até o Terminal do Tietê. Ele saiu da rodoviária e foi direto para o CT. Por lá conseguiu fotos com jogadores e ainda conheceu o ídolo e atual coordenador de futebol Muricy Ramalho.

    Imagem: Matheus Godoy/UOL Esporte
  • Camisa para o pai

    Fundadora do fã clube "Te Cuido, Menino" dedicado ao meio-campista Gabriel Menino, a palmeirense Paola passou o dia inteiro em frente ao CT do Palmeiras para recolher alguns autógrafos. Ela explicou que a camisa com as assinaturas seria destinada ao seu pai, que é membro de uma torcida organizada alviverde e que mora no Mato Grosso do Sul.

    Imagem: Matheus Godoy/UOL
  • De geração a geração

    O Corinthians sempre esteve presente na família de Hassen Saidah. Ele visitou o CT do Corinthians com a avó Cida Grecco, que, ao lado de seu falecido marido, passou esse amor pelo clube de geração para geração. Agora, neto e avó mantém as tradições e sempre que podem prestigiam juntos o clube de coração de toda uma família.

    Imagem: Nathalia Fanti/UOL
  • Autógrafo na bag

    No meio do expediente, o motoboy Fabrício, do bairro do Grajaú, parou em frente ao CT do São Paulo e conseguiu chamar a atenção de alguns atletas. Sem camisa para receber os autógrafos, o torcedor deu a bag de trabalho aos jogadores e retornou para casa com várias assinaturas, como a do centroavante Jonathan Calleri.

    Imagem: Matheus Godoy/UOL
  • Apoio incondicional

    Talita Cristina, de 30 anos, faz questão de exaltar o meia Luan, do Corinthians. Ao falar sobre a sua paixão pelo ídolo, ela chegou a chorar na frente do CT Joaquim Grava: "Pode ser o mais criticado, mas eu amo ele. Demorou dois anos para eu conseguir ver pela primeira vez. Eu só queria encontrar ele outra vez e foi por isso que eu vim aqui no CT", revelou.

    Imagem: Nathalia Fanti/UOL Esporte
Nathalia Fanti/UOL

Muitos desses torcedores veem seus sonhos virarem realidade no momento em que encontram seus ídolos dentro de um carro, mesmo que por poucos segundos. Isso acontece na porta de CTs, que muitas vezes parecem locais em que nada vai acontecer.

Esses torcedores apaixonados encaram sol, chuva, longa espera e até viagem perdidas. Tudo isso faz parte desse enredo, cuja a maior realização é uma foto, um autógrafo ou um simples cumprimento.

Muitas vezes, principalmente nesse período do ano, a chuva se torna uma grande vilã, depois de o sol forte se fazer presente por várias horas. E os torcedores precisam fugir dela, sem ter muito para onde ir - isso, claro, também acomete os repórteres. Diante dessas dificuldades, as poucas sombras e guias de calçada se tornam bons ajudantes desses apaixonados, que os utilizam para driblar também o cansaço.

No Corinthians, por exemplo, há poucas (ou quase nenhuma) alternativas para comprar comida ou água, ao contrário de Palmeiras e São Paulo, localizados na Barra Funda, onde há muitos pontos de comércio. Apesar das muitas dificuldades, os clubes costumam auxiliar de uma maneira ou de outra. Em todos os casos, nos intervalos entre os treinos realizados na parte da manhã ou à tarde, os torcedores costumam chegar até três horas antes das atividades.

Os profissionais da segurança geralmente fornecem copos de água aos torcedores sempre que solicitados. Acostumados com a presença de torcedores, eles até informam quantos jogadores faltam para chegar, ou se todos já chegaram para que ninguém fique aguardando sem necessidade.

Há também relatos de jogadores ajudando os apaixonados, como no caso do goleiro Tiago Volpi que, por mais de uma vez, comprou comida para o fã Edimar Picolé.

Além disso, quem já foi ao CT outras vezes costuma ir mais preparado. Eles carregam consigo lanches, águas, guarda-chuva e, principalmente, muita disposição para esperar os atletas. Alguns até preparam cartazes para chamar a atenção dos jogadores.

+ Especiais

Caio Guatelli/Folhapress

De repente 30: Neymar chega aos 30 anos como craque de sua geração e pode não jogar mais por um clube brasileiro.

Ler mais
Rubens Chiri / saopaulofc.net

Inquisição: torcedores do São Paulo relatam violência e ameaças por usar brincos, alargadores de orelha ou camisetas rosas.

Ler mais
Staff Images

Toda a força de Edu: atacante recorda o tempo em que contemplou suicídio. Aos 28, faz gols e sorri no Cruzeiro de Ronaldo.

Ler mais
Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images

Não me vejo como adulto: Rodrygo amadurece no Real e na seleção, mas ainda reclama de comparações; "Sacanagem ser comparado ao seu ídolo".

Ler mais
Topo