Topo

Brasil quebra escrita olímpica mundial e evolui em relação a Jogos em casa

03.ago.2021 - Martine Grael e Kahena Kunze no pódio olímpico da vela - Huang Zongzhi/Xinhua
03.ago.2021 - Martine Grael e Kahena Kunze no pódio olímpico da vela Imagem: Huang Zongzhi/Xinhua

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em Tóquio

07/08/2021 14h00

O Brasil conseguiu em Tóquio um fato raro: um número maior de medalhas nas Olimpíadas seguintes a que foi anfitrião, na comparação com a disputa em casa. Desde 1988, só a Grã-Bretanha, sede em 2012, havia conseguido esse feito. Mas o grande impacto da Rio-2016 no desempenho esportivo do Brasil não está só no número de medalhas, mas também no número de modalidades que foram ao pódio.

Em Tóquio, o Brasil bateu seu recorde no número de disciplinas com medalha: 13, uma a mais do que no Rio. Mesmo se forem excluídos da conta os esportes estreantes (skate e surfe), foram 11 modalidades no pódio no Japão, ante nove em Londres-2012, oito em Pequim-2008, e sete em Atenas-2004. Há uma progressão contínua.

"O alcance desse resultado em Tóquio, com mais modalidades medalhistas, só confirma o potencial de evolução que o Brasil possui. Tínhamos uma média entre seis e oito modalidades medalhistas e chegamos a 13 hoje, após as 12 de 2016 competindo em casa", comentou Jorge Bichara, diretor de Esportes do Comitê Olímpico do Brasil.

Até ser escolhido em outubro de 2009 como sede das Olimpíadas de 2016, o Brasil só havia conquistado medalhas em 11 modalidades, com uma alta concentração em sete: vôlei, vôlei de praia, judô, atletismo, natação, vela e futebol. Eram os nossos "carros-chefes". Nos demais, era torcer para os brasileiros não serem eliminados logo de cara.

De 2012 para cá, em três edições, o país já somou mais sete esportes a essa conta: maratona aquática, skate, surfe, ginástica artística, tênis, canoagem e pentatlo moderno. Exceto esse último, em todos o Brasil ganhou medalha em Tóquio.

"Temos enormes problemas internos e grandes dificuldades na competitividade internacional, cada vez mais acirrada, mas o que foi alcançado em Tóquio foi um feito enorme para o esporte olímpico brasileiro", avaliou Bichara.

Mais do que se tornar uma novidade, há o fator continuidade. A ginástica artística medalhou em Tóquio pela terceira Olimpíada seguida, com seis pódios no total. O mesmo fez o boxe, que tinha como "filho único" o longínquo bronze de Servílio de Oliveira em 1968. Desde Londres-2012, são sete láureas na modalidade.

É com base no mesmo argumento que se pode concluir que o vôlei de praia protagonizou um dos maiores golpes negativos do Brasil em Tóquio, senão o maior. Após medalhar em todas as Olimpíadas desde Atlanta-1996, o país não só passou em branco no Japão, como não passou das quartas de final com suas quatro duplas.

Isaquias Queiroz - Adam Pretty/Getty Images - Adam Pretty/Getty Images
Imagem: Adam Pretty/Getty Images

Diversificação começou na base

A partir de uma análise de países que deram um salto no quadro de medalhas, o COB e, antes, o governo federal, passaram a investir na diversificação de chances de medalha. Só sobe ao pódio quem, antes, demonstra possibilidades de evolução. Esse trabalho de prospecção de talentos e investimento permitiu, por exemplo, que Isaquias Queiroz fosse lapidado para o ciclo olímpico da Rio-2016 e, em Tóquio, conquistasse mais uma medalha.

Um dos fatos novos no universo esportivo, e que colaborou no monitoramento de atletas, foi a criação dos Jogos Olímpicos da Juventude. A primeira edição foi realizada em 2010 em Cingapura, apenas um ano depois de o COI eleger o Rio de Janeiro como sede olímpica. O evento, que é a versão para adolescentes das Olimpíadas, tornou-se uma espécie de vitrine. O próprio COB passou a descobrir ali suas joias e apostar neles para o futuro.

Foi em Cingapura que Isaquias Queiroz, Thiago Braz, Felipe Wu e Arthur Nory exibiram ao mundo e ao próprio Brasil seus potenciais atléticos. Quatro anos depois, em Nanquim (China), Flávia Saraiva, Duda, Ana Patrícia, Hugo Calderano, Edival Marques, Marcus Vinicius D'Almeida e Luiz Altamir mostraram seus cartões de visita. Na última edição, em Buenos Aires-2018, Diogo Soares e Keno Marley estiveram entre os expoentes.

Desta turma, curiosamente, apenas Isaquias e Nory, medalhistas olímpicos na versão adulta atualmente, não subiram no pódio entre os juvenis. Os outros mencionados voltaram para casa com pelo menos uma láurea no peito.

E o melhor: todos eles, sem exceção, fizeram parte da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio em nove modalidades diferentes (atletismo, natação, boxe, ginástica artística, vôlei de praia, tiro esportivo, tiro com arco, taekwondo e canoagem), seja ganhando mais medalhas, como Isaquias e Thiago Braz, ou quebrando barreiras com resultados inéditos.

Calderano foi o primeiro brasileiro da história a chegar nas quartas de final do tênis de mesa no Japão. Marcus Vinicius botou o país nas oitavas de final do tiro com arco masculino, também pela primeira vez. E Flavia Saraiva foi finalista na trave na ginástica artística pela segunda vez consecutiva. Isso sem contar Felipe Wu que, se não conseguiu um bom resultado no tiro esportivo em Tóquio, foi medalhista de prata na Rio-2016.

"O número de praticantes de esportes de alto rendimento no Brasil ainda é pequeno em relação ao tamanho da nossa população. A estratégia então passa a ser a identificação de modalidades que tenham capacidade de evolução a médio prazo e do suporte ao desenvolvimento de potenciais valores esportivos através de programas e projetos em parcerias do COB com confederações e clubes", explica Bichara.

Continuidade olímpica conta, e muito

Thiago Braz - WAGNER CARMO/CBAt - WAGNER CARMO/CBAt
Imagem: WAGNER CARMO/CBAt

Uma láurea olímpica não cai do céu. Boa parte dos medalhistas brasileiros em Tóquio estavam presentes na Rio-2016. Isaquias Queiroz, Thiago Braz, Mayra Aguiar e a dupla Martine Grael/Kahena Kunze, além do futebol, foram os únicos a subir no pódio nas duas Olimpíadas. Outros, como Rebeca Andrade, Bruno Fratus, Ana Marcela Cunha e o vôlei feminino, ficaram de mãos vazias no Rio de Janeiro, mas deram a volta por cima do outro lado do planeta. Todos eles representam, de certa forma, o legado que os Jogos Olímpicos deixaram no país no altíssimo rendimento.

Eles são o retrato de que o trabalho no esporte não acontece de um dia para o outro, mas leva anos para dar certo — quando dá. Treinar duro todos os dias não é o suficiente para a glória olímpica, mas sem ela o objetivo também não é alcançado. Sem continuidade e planejamento a longo prazo, é impossível alcançar o sucesso. A não ser que um novo fenômeno apareça no meio do caminho, ou então uma conquista completamente imprevisível venha para surpreender.

É o caso, por exemplo, de Alison dos Santos. Nos Jogos Rio-2016, o corredor tinha apenas 16 anos e vivia sua fase de desenvolvimento. Hoje, aos 21, já tem um bronze olímpico no peito, com uma das melhores marcas da história nos 400m com barreiras. Em cinco anos, Alison passou de um atleta em potencial para um dos maiores fenômenos do esporte brasileiro nos últimos tempos.

Já no tênis, Luisa Stefani e Laura Pigossi tornaram-se as primeiras brasileiras com uma medalha olímpica na modalidade, um feito que nem o ídolo Gustavo Kuerten conseguiu. Por muito pouco elas não competiram nos Jogos Olímpicos de Tóquio, já que foram beneficiadas pela desistência de outras duplas. Com a oportunidade em mãos e em uma semana iluminada, elas ganharam uma das medalhas mais inesperadas da delegação nacional.

No entanto, estes dois bronzes mencionados acima costumam ser a exceção, e não a regra. Em Jogos Olímpicos, o que conta mesmo é a construção e o desenvolvimento de anos ou até décadas dentro de uma modalidade. Para se alcançar o topo, a continuidade conta. Para quebrar um recorde de medalhas, como o Brasil fez em Tóquio em relação à Rio-2016, é preciso ter os "carros-chefe", como são o judô, vela, atletismo, natação, vôlei e futebol. E também evoluir em outras modalidades, como vem acontecendo na ginástica artística, boxe e maratona aquática.

Por isso, não se surpreenda se, daqui a três anos em Paris, o Brasil quebrar novas barreiras olímpicas.