Topo

Islândia tem esporte como aliado na luta contra uso de álcool entre jovens

28/08/2018 17h15

A Islândia tornou-se queridinha do público com suas palmas vikings em sua primeira participação na história da Copa do Mundo de 2018, mas engana-se quem pensa que a vaga no Mundial foi fruto do acaso. O país, que é o de menor população a disputar o torneio da Fifa (são pouco mais de 300 mil habitantes), tem investido há décadas em políticas públicas de incentivo ao esporte - e o motivo envolve diretamente o estilo de vida dos adolescentes.

Vidar Halldórsson foi um dos palestrantes em seminário promovido pela FGV no Rio de Janeiro, no último sábado, sobre funções sociais do esporte. O professor é membro do Centro Islandês de Pesquisa e Análise Social e coleciona, entre outras, duas obras de maior destaque na carreira: "O Contexto Social da Excelência no Esporte" e "Esporte na Islândia: como países pequenos alcançam sucesso internacional".

Ao LANCE!, o pesquisador abordou a mudança no estilo de vida dos jovens da Islândia no curto cenário dos últimos 20 anos, influenciado diretamente pelo projeto Youth In Iceland (Juventude na Islândia). O programa mapeou os comportamentos e hábitos de consumo nos adolescentes do país nórdico que, em 1997, estavam entre os maiores usuários de bebidas alcoólicas e drogas em toda a Europa.

- O programa Juventude na Islândia foi uma colaboração entre muitas pessoas interessadas no estilo de vida de jovens adolescentes. Foram associações municipais, escolas, organizações, clubes esportivos, escolas de música e pais. Todos juntaram as mãos e tentaram fazer a vida das crianças melhor - revelou.

Youth In Iceland surge em contexto caótico dentre adolescentes islandeses

A iniciativa do Youth In Iceland partiu de um grupo de cientistas sociais do Centro Islandês de Pesquisa Social e Análise (ISCRA, na sigla original em inglês) na década de 1990. Com uma abordagem "de baixo para cima", o grupo se baseou em pesquisas ao redor do globo para incentivar a criação de uma rede de apoio local. Diversas comunidades pela Islândia foram visitadas e analisadas, e todas tinham um objetivo em comum: deter o uso de substâncias por adolescentes.

Um ponto a ser destacado nas pesquisas eram as dimensões geográficas do país. Por possuir um território muito pequeno, de apenas 10.775 km² - a título de comparação, o Brasil tem 8.516.000 km² - é comum que novos hábitos e costumes se difundam em uma velocidade recorde na Islândia.

Entre os anos de 1984 e 1986, questionários foram enviados a grupos aleatórios de jovens estudantes de 15 a 20 anos. Após a coleta de mais de 2 mil respostas, ficou claro que 85% e 87% dos alunos consumiram bebidas alcoólicas nos dois anos da pesquisa, respectivamente. Em ambas as situações, cerca de 90% dos usuários tinham sofrido uma recorrente intoxicação, além da perda de consciência associada ao uso de substâncias com teor alcoólico.

No ano de 1997, a porcentagem de jovens entre 15 e 16 anos que já tinha se embriagado com 13 anos ou menos era de 17%, conforme dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde.

Já em 1999, 14% do total de jovens de 15 anos na Islândia alegaram fazer uso contínuo de bebidas alcoólicas (mais de 40 vezes no mês). 17% admitiram ter feito binge-drinking, termo usado pela organização para descrever o consumo de cinco ou mais drinks consecutivos.

- Quando todos uniram suas forças e começaram a tomar atitudes, começamos a fazer extensos questionários dentre a população sobre aspectos como estilo de vida, bem-estar, saúde e relacionamentos sociais dos jovens - complementou Halldórsson.

Em 1995, a porcentagem de alunos do primeiro ano do Ensino Médio que tinham se embriagado em mais de dez ocasiões nos 12 meses prévios à pesquisa era de 21%. O índice caiu para 14% apenas oito anos depois, em 2003.

A diminuição no uso de outras substâncias além do álcool, como cigarros, também foi comprovada: a porcentagem de jovens que fumava diariamente baixou de 1% para 10% entre os anos de 1997 e 2007. O consumo de maconha teve uma diminuição menos expressiva, passando de 13% a 7%.

Família é fundamental para sucesso do projeto

Os dados das pesquisas mostram avanço, mas influenciar jovens a levar um estilo de vida saudável foi mais difícil do que simplesmente "pendurar pôsteres dizendo 'não fume'", como disse Vidar. O trabalho de prevenção passou por um entendimento completo da vida dos adolescentes - e os pais possuem um papel central nas estratégias voltadas a essa faixa etária.

Fundada em 1992, a ONG Casa e Escola trabalha em conjunto com as associações de pais ao redor da Islândia para direcionar os rumos do estilo de vida dos adolescentes. Pesquisas mostram que, quanto mais os pais estão envolvidos no cotidiano dos filhos, menor é o consumo de substâncias tais quais álcool e cigarros.

- É necessário trabalhar com prevenção, tentando melhorar seus relacionamentos com amigos e família, fazendo-os participar de atividades extracurriculares. Envolver pais e professores também era importante. Por isso, unimos todos nessas comunidades para entender o estilo de vida dos adolescentes, os fatores de risco e as origens do problema. Um exemplo que funcionou bem é que se os pais de um adolescente conhecem os pais de seus amigos, isso servia como uma espécie de ferramenta de controle social - enfatizou Vidar Halldórsson.

O papel do esporte enquanto ferramenta social

As estratégias de mapeamento fundamentaram toda a pesquisa, mas na hora da prática, o esporte também teve um papel essencial para o sucesso do projeto. Uma das questões abordadas durante a coleta de dados foi justamente 'quão frequentemente você pratica esportes além de aulas obrigatórias na escola?'.

Atualmente, quase metade da população da Islândia é integrante de alguma espécie de clube esportivo, conforme divulgado pelo governo do país. Visando incentivar o estilo de vida mais saudável entre os jovens, o país nórdico aumentou os recursos destinados à manutenção de instalações de treinamento. As comunidades também têm o hábito de contratar professores e técnicos para atender a todas as idades; quase todas as cidades possuem seus próprios centros esportivos.

Os efeitos do álcool no cérebro incluem a liberação de serotonina, um dos hormônios do chamado "quarteto da felicidade" junto com a dopamina, oxitocina e endorfina. Se a ideia dos jovens com as drogas é apenas melhorar os ânimos, isso também seria possível de alcançar naturalmente, certo? E é aí que entra o esporte. Professor de psicologia atuando na Universidade de Reykjavik, Harvey Milkman detalhou ao El País o plano de incluir o esporte no cotidiano como método de relaxamento e diversão.

- Por que não organizar um movimento social baseado na embriaguez natural, em que as pessoas 'sintam barato' com a química de seu cérebro - porque me parece evidente que as pessoas desejam mudar seu estado de consciência - sem os efeitos prejudiciais das drogas? - contou.

Funcionaria no Brasil?

Os preceitos do Youth in Iceland já estão sendo exportados para o restante do planeta - em 2006, foi criado o Youth in Europe (Juventude na Europa), seguindo os mesmos preceitos do método islandês para prevenção no uso de substâncias no Velho Mundo. Itália, França, Portugal e Espanha são alguns dos países que já participam do projeto, mesmo que ainda em fases iniciais.

Todavia, será que uma estratégia como essas daria certo no Brasil? Um país de dimensões continentais teria que ter um outro olhar na hora de aplicar políticas de prevenção. Para Vidar, o método menos suscetível ao fracasso é o mesmo da Islândia: começar pequeno.

?- Em um país grande como o Brasil, acho que é importante caminhar a passos pequenos. Na Islândia, primeiro aplicamos isso a algumas cidades pequenas, trabalhando sempre a nível local com pessoas que trabalham com adolescentes. Começamos implementando em pequenas vizinhanças para ver se funcionava. Então, quando tudo corre bem, o costume se espalha - reforçou Vidar.

Vale lembrar que, no Brasil, uma das políticas públicas de incentivo ao esporte atua junto à esfera privada: a Lei de Incentivo ao Esporte (lei nº11.438/2006) permite que empresas e pessoas físicas direcionem uma parcela do que pagariam no Imposto de Renda a projetos aprovados pelo Ministério do Esporte. As empresas podem investir até 1% desse valor; para pessoas físicas, a porcentagem sobe para 6% do valor devido.

* Estagiária, sob supervisão de Jonas Moura