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Novgorod, belíssima por natureza, mas indiferente para a Copa

29/06/2018 23h57

Cheia de charme, lindíssima por natureza e, talvez por isso, com um ar blasé para a Copa. Um jeitão de não estou nem aí para o Mundial. Nijny Novgorod, que tem, ao lado de São Petersburgo, a fama de ser a cidade mais bonita da Rússia, tem um bom número de seus muitos habitantes (1,3 milhão, é a quinta maior cidade do país) frios para a maior competição do futebol .

Banners e cartazes? Um ou outro próximos dos pontos de maior movimento, como a estação ferroviária, fan fest, estádio e aeroporto. Cartazes? Se tiver algum está bem escondido.

- A cidade já é bonita. Não precisa de zabivakas em cada esquina. Mas tem uma estátua de mascote lá na principal rua do centro - diz Natasha, uma estudante de matemática. Pedi para ela escrever em caracteres latinos o tal nome impronunciável da rua: Bolshaya Pokrovskaya.

Nesta Bolshaya não entra carro e este boulevard esta sempre cheio. Começa no ponto final da principal das duas estações de metrô de NN (apelido que deram para facilitar) e termina em frente ao Kremlin da cidade, o cartão postal. Barzinhos, restaurantes, lojas de grife garantem a frequência. Mas não se vê quase torcedor algum, mesmo com alguns dos melhores hotéis e hostels.

- Tem muitos estudantes do exterior em nossas universidades, muitos latinos usaram nossa cidade como base, mas grande torcida somente no dia do jogo. Como não estamos muito longe de Moscou, os torcedores preferem ficar na capital, que é uma mega-cidade comparada com a nossa - diz Andriev Mikhalov, também ele um estudante que tomava uma cerveja com os amigos no único bar de todo o centro que indicava que está para rolar na cidade um jogo de eliminatórias neste domingo: o estabelecimento improvisou umas caixas com as cores de Croácia e Dinamarca. E uma bandeira da Croácia enfeitava a parede.

- Ganhamos de um turista - disse o garçom, que, assim como 98% das pessoas acima dos 40 anos, não consegue expressar o básico de inglês (Andriev deu uma ajudinha).

No fim da Bolshaya, uma estatuazinha do Zabivaka, aquele comentado por Natasha, fazia a alegria umas dez senhoras que tiravam fotos com a mascote, que fica numa posição privilegiada, como se apresentasse a todos a Fan Fest (onde quem não tem ingressos para os jogos podem ver as partidas, em dias sem jogos, ela fica fechada). Estaria ali os torcedores fanáticos por futebol de Novgorod?

Ledo engano. Nesta quinta-feira, durante o jogo entre Colômbia e Senegal, o espaço que pode receber 5 mil tinha no máximo 500 pessoas. Mais da metade de senegaleses ou colombianos. Como falara Andriev, muitos estudantes (100% dos senegaleses). Já os latinos eram torcedores-turistas, uns 100, a maioria colombiana.

Alguns de outras nacionalidades. Panamenhos, um pessoal da Costa Rica, um peruano. Três eram argentinos, Eric, Daniel e Bryan.

- Estamos aqui porque compramos ingressos para as oitavas pensando que a Argentina terminaria em primeiro no grupo e jogaria em Novgorod. Terminou em segundo e vamos nos contentar em ver este jogo - disse Eric.

- Estamos curtindo. Dizem que aqui tem uma vida noturna fantástica, casas de shows - comentou Bryan.

No meio de tudo, havia um brasileiro. Tiago Souza.

_ Moro em Londres e minha mulher é daqui de Novgorod, não tinha como não deixar de ficar aqui na Copa - disse Thiago, que viu os dois primeiros jogos do Brasil e espera ver o duelo das quartas de final se conseguir comprar um ingresso de última hora.

Belezas naturais e o estádio completando o cenário

Saindo da Fan fest por uma das laterais se dá de cara com a vista mais famosa da cidade: do alto do Kremlin se vê a parte baixa de Novgorod, uma orla de cair o queixo.

- Adoramos os turistas da Copa, eles vêm aqui ficam tirando fotos, passam mais tempo, aumentam a receita da cidade e podem ver os jogos tanto no nosso estádio quanto nos telões da fan fest - diz Ahmed, que apesar do nome é russo e uma espécie de relações publicas da fan fest e do Kremlin, pedindo para que todos aproveitem o dia bonito para tirar uma foto do alto da cidade que deixa boquiaberto o mais ranzinza dos turistas.

Não é para menos. Novgorod é cortada por dois rios, o Volga e o Oka. A parte nobre da cidade fica numa das margens do Volga que abre quando chega na cidade, dando a sensação de vermos uma enseada, algo como a Baía de Guabanara, já que a ligação para o outro lado é feito por uma ponte lembrado a Rio-Niterói. Só que o tal outro lado é uma floresta, com os bairros bem ao Sul ou ao Norte. Dá a sensação de estarmos no Amazonas.

O lado habitado conta com um calçadão como as praias da Zona Sul do Rio, sem as pedras portuguesas e sem a areia da praia, que no caso da cidade russa é um outro calção rebaixado. E há uma cerca trabalhada para que as pessoas se encostem e fiquem observando o rio sem pensar nas horas.

No Volga, passam barcos, escunas e mini-transatlânticos. Do outro lado da avenida, prédios com, no máximo, quatro andares, todos construções seculares.

Esta é a parte baixa da cidade, pois em seguida vem uma ladeira íngreme com o imponente Kremlin de Novgorod. Kremlin é a palavra russa para fortaleza. E o daqui deixa no chinelo o Kremlin de Moscou, que é um quadrilátero plano no meio da cidade. Como fica na região mais alta de Novgorod, este Kremlin (que contorna todo o centro, com seus tijolinhos vermelhos) dá a sensação de um pequena muralha da China. Para subir até o topo ou você pega um ônibus ou encara uma escadaria tão bonita quando danada de dura para subir: 445 degraus.

- Daqui dá pra ver tudo, diz Ahmed, apontando para o Sul. - Lá é o teleférico. As pessoas que não quiserem pegar a ponte para chegar no lado de cá da cidade pode usar este transporte.

Isso mesmo: o cidadão pega um teleférico e atravessa o Rio Volga. Claro que virou passeio obrigatório para qualquer um que aparece na cidade.

E se ao sul o teleférico surpreende, o que dizer do novo cartão postal ao norte, o Nizhny Novgorod Stadium, com capacidade para 45 mil e recém-construído? Ele lembra demais o estádio Mané Garrincha, em Brasília, com aquelas pilastras externas. A cor predominante é o azul e do lado tem a catedral Alexander Nevski, uma das centenas de igrejas ortodoxas da cidade. Esta é predominantemente amarela, dando contraste durante o dia com o azul do estádio.

De longe, a Arena parece uma continuação da orla. Mas o estádio fica outra margem do Rio Oka (vamos até ele pegando uma ponte que pode ser atravessada à pé) quando este se funde ao Volga.

Lembro o que me disse a estudante Natasha:

- O bom é que o estádio não enfeia a cidade, parece feito para preencher o que faltava, pois do lado de lá só tinha a catedral.

E neste domingo, o estádio receberá seu quinto jogo nesta Copa (restará mais um, nas quartas). Que a bela e fria Novgorod se agite um pouco mais com esta partida e deixe o seu ar indiferente para o Mundial um pouco de lado.