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Por que o técnico 'mais pedido' no Brasil foi demitido duas vezes em um ano

Miguel Ángel Ramírez comemora gol do Charlotte FC - Reprodução/Instagram
Miguel Ángel Ramírez comemora gol do Charlotte FC Imagem: Reprodução/Instagram

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

01/06/2022 04h00

Miguel Ángel Ramírez foi demitido pela segunda vez em um ano. Após cair do comando do Internacional, com apenas três meses de trabalho, o técnico espanhol viu se encerrar sua passagem pelo Charlotte FC, dos Estados Unidos, ontem (31). Depois de ser o treinador 'mais pedido' no Brasil, nos planos de vários clubes, ele acumula problemas internos e projetos interrompidos.

No Internacional o cenário de rescisão com Ramírez foi construído numa equação que contou com a expectativa alta gerada pelo vice no Brasileirão 2020, o 'fantasma' de Abel Braga, técnico histórico do clube e que tinha acabado de quase levar a equipe ao fim do jejum de títulos, a falta de bons resultados e, principalmente, a relação com o grupo de jogadores.

O treinador chegou ao Beira-Rio numa temporada diferente. Sem pré-temporada em razão dos reflexos da pandemia de covid-19 no calendário do futebol brasileiro, ele assumiu o time no início de março do ano passado com a responsabilidade de mudar a forma de jogar da equipe, premissa defendida pela direção eleita no início daquele ano.

De cara, não recebeu reforços e nem mesmo insistiu por isso. Em acordo com o comando do clube, queria, primeiro, observar os jogadores que tinha para entender quais se adaptariam ao modelo de jogo diferente do habitual. Até o início do Brasileiro, apenas Taison e Palacios tinham sido agregados ao grupo.

Ainda que convivesse com um comparativo alto gerado pelo vice recente e com a presença constante de Abel Braga nos debates sobre o time, Ramírez começou bem, conseguiu classificação para as oitavas de final da Libertadores e foi até a final do Gauchão perdendo para o Grêmio.

Ali, porém, ficou claro o problema maior que ocasionaria sua demissão. A relação distante com os jogadores. Relatos de bastidores contam que a falta de contato com o grupo prejudicava o ambiente e que a partir do momento que os resultados pioraram, o elenco virou as costas para o comando. A direção, então, ficou ao lado dos atletas e optou pela troca tão logo o Brasileiro começou distante do desejado e a Copa do Brasil terminou em eliminação para o Vitória.

Foram exatos 101 dias de trabalho no Brasil, país onde antes de comandar o Inter ele havia sido cogitado por Palmeiras, Flamengo, Santos e Corinthians. Além de um interesse mais forte do São Paulo.

'O mais pedido no Brasil'

Antes de assumir o Inter, Miguel Ángel Ramírez foi cogitado internamente pelo Corinthians, pelo Flamengo e pelo Santos. Tudo reflexo do bom trabalho executado no Independiente del Valle, do Equador.

O Palmeiras, em 2020, chegou a enviar o diretor de futebol Anderson Barros e o vice-presidente Paulo Buosi ao Equador para uma reunião com o objetivo de fechar o acordo com o treinador, que substituiria Vanderlei Luxemburgo. O técnico, na ocasião, recusou a proposta e permaneceu no Independiente.

Miguel Ángel Ramírez dá autógrafos a torcedores do Charlotte FC - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

"A decisão nunca é fácil. Muito menos quando te chamam gigantes, porque treme o chão, tremem as pernas, é muito difícil tomar uma decisão assim", disse após recusar o Alviverde. "Estou começando agora a minha carreira no futebol profissional, tenho que medir bem os passos que dou. E pisar sobre solo firme, onde eu possa seguir avançando adiante", completou.

Foi o 'não' de Ramírez que abriu caminho para a chegada do português Abel Ferreira, que conquistou duas Libertadores, uma Copa do Brasil, uma Recopa e o Paulistão.

No São Paulo, o interesse surgiu após a saída de Fernando Diniz, em fevereiro de 2021. O espanhol, contudo, já estava apalavrado com o Inter e manteve sua postura intacta. Hernán Crespo acabou sendo contratado em seguida.

Novos problemas, mesmo cenário

Problemas com o grupo ou falta de resultados não foram os motivos da queda nos Estados Unidos. O desgaste interno veio por outros causas. Ramírez assumiu o Charlotte FC em julho do ano passado e seu time nem estava em atividade. Ele participou da montagem toda do elenco do clube que disputa sua temporada inaugural na MLS neste ano.

Levou para lá jogadores como o equatoriano Alcívar, indicado por ele no clube gaúcho, e o brasileiro Vinicius Mello, que comandou no Inter. Além de estar presente em todo processo de formação de time.

Ramírez ouviu do diretor esportivo Zoran Krneta e do presidente Joe LaBue que o objetivo era apenas fazer "uma temporada de início", sem grandes pretensões. É comum entre os times que debutam na MLS disputem posições intermediárias, distantes do topo. Mas os resultados foram acima do esperado.

Sua equipe estava colada na zona de classificação para os playoffs da MLS e classificada para a fase seguinte da US Open Cup. Mas da porta do clube para dentro o cenário não era o mesmo do campo.

Desta vez, o treinador, diferente do que houve no Inter, contava com total apreço do grupo de atletas e da torcida, que reclamou bastante da demissão. Mas o contato com a direção do clube nunca foi o ideal.

Há algumas semanas, Ramírez fez uma cobrança forte durante reunião, alegando que não estava sendo atendido em seus pedidos. A falta de reforços para qualificar o time e as instalações de treinamento foram alvos de críticas do técnico. Apesar de não receber qualquer indicação de que seria considerado, o espanhol seguiu seu trabalho. Entretanto, a relação com o comando, que já era distante e fria, se tornou insustentável.

Ontem, o profissional se apresentou para trabalhar normalmente, mas de cara foi chamado para uma reunião. Segundo apurou o UOL Esporte, o contato durou menos de dez minutos. Ele entrou na sala, foi informado que estava demitido, e que poderia deixar o clube. Mal conseguiu se despedir do grupo de jogadores.

Ainda de acordo com apuração da reportagem, a saída de Ramírez foi estudada pela direção do clube em silêncio. Krneta, responsável pelo futebol do Charlotte, já nutria interesse em fixar o auxiliar Christian Lattanzio no comando. Segundo comunicado do clube, ele seguirá como interino até o fim da temporada.

"Esta é uma decisão difícil, mas achamos que é a melhor para a equipe neste momento", disse o proprietário da franquia, David Tepper. "Quero agradecer a Miguel e sua equipe pelo trabalho duro durante nossa primeira temporada e desejar a eles o melhor na sequência de suas carreiras", completou. O auxiliar Mikel Antía, o preparador físico Francisco Cristóbal e o analista de desempenho Luis Pedrahita também foram demitidos com Ramírez.

"Estamos empolgados com esta oportunidade para Christian. Ele é um treinador muito experiente que causou um tremendo impacto em nosso elenco nesta temporada", pontuou Krneta. Lattanzio, o substituto, tem experiências no futebol francês, inglês e dos Estados Unidos.

Ramírez, ainda surpreso com os acontecimentos, não tem planos imediatos. Por enquanto, assimila a segunda demissão por problemas internos em um ano. A do Inter em junho de 2021, a do Charlotte FC em maio de 2022.