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Corinthians quer código de conduta para diminuir riscos e perdas ao clube

Bandeira de escanteio da Neo Química Arena, casa do Corinthians - Ettore Chiereguini/AGIF
Bandeira de escanteio da Neo Química Arena, casa do Corinthians Imagem: Ettore Chiereguini/AGIF

Thiago Braga

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/02/2022 04h00

Com uma dívida próxima a R$ 1 bilhão - sem contar a Neo Química Arena -, o Corinthians sentiu a necessidade de cortar gastos desnecessários em todos os setores do clube.

O escrutínio maior será no departamento de futebol, líder em volume de dinheiro investido. Para coibir prejuízos, o Timão está investindo em ferramentas e espera criar um código de conduta para identificar os riscos e assim evitar, por exemplo, que os débitos sigam crescendo, ou que o clube deixe de lucrar com a venda de jogadores por erros contratuais.

O processo é conduzido pelo advogado Herói Vicente. Um dos líderes do pedido de afastamento do ex-presidente Andrés Sanchez, Herói foi nomeado diretor jurídico do Corinthians no início do ano passado por Duílio Monteiro Alves, atual presidente e aliado de Andrés.

Para minimizar perdas, contratou um escritório especializado em compliance e quer rever processos para evitar irregularidades que possam lesar o Corinthians. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Herói Vicente detalhou como serão os esforços para proteger o Corinthians, sobre a reforma do estatuto, sobre o caso de machismo recente ocorrido entre conselheiros do Timão, e também a respeito do acordo com a Caixa para resolver o problema da dívida da Neo Química Arena com o banco estatal. Confira abaixo a entrevista (feita antes do caso Robson Bambu):

UOL: Qual é o andamento da mudança estatutária do Corinthians?

Herói Vicente: As propostas foram apresentadas pelos conselheiros; reuniões futuras para votação das mesmas serão realizadas. As aprovadas serão submetidas ao escrutínio dos sócios em assembleia.

UOL: Para o código de conduta ser implantado é prioritário que seja criada uma diretoria de compliance no clube?

Herói Vicente: A criação da diretoria de compliance autônoma é desejável, mas não imprescindível. O Corinthians hoje conta com um compliance externo, independente, que já está funcionando com muita eficiência e implantando todos os processos necessários. Essa criação poderá ocorrer, de acordo com a decisão do Conselho e da assembleia dos sócios, conforme as premissas que já citei.

UOL: O compliance, por si só, pode indicar que um negócio não é vantajoso para o clube, mas não tem poder de impedir que o negócio seja feito, apenas recomendar. Como você pretende fazer com que a indicação seja obedecida?

Herói Vicente: O parecer do compliance é remetido ao julgamento da diretoria executiva, que sopesa os maiores interesses do clube e adota a decisão final sempre favorável à instituição. É preciso entender que o papel do compliance é reunir as melhores informações para que a tomada de decisão seja feita com consciência dos riscos e das oportunidades envolvidas, permitindo identificar de forma transparente a contribuição de cada participante no processo decisório.

UOL: Você diz que já tem atuado na checagem dos contratos. Quais os cuidados que o clube têm tido?

Herói Vicente: Controle amplo e criterioso da legalidade dos dispositivos contratuais; estamos em processo de aquisição de ferramentas de monitoramento contínuo de riscos para identificar potenciais vulnerabilidades e nos anteciparmos a eventuais impactos na imagem, na reputação e nas finanças.

UOL: Como funciona a análise dos contratos hoje e como você espera que ela seja feita depois que este código de conduta estiver em funcionamento?

Herói Vicente: O clube conta com assessoria especializada, responsável pela análise dos contratos. Independentemente da instrumentalização do novo código de conduta, estamos nos esforçando para imprimir exatamente os mesmos padrões que serão exteriorizados no documento atualizado.

UOL: Há no projeto alguma cláusula que passaria a impedir o Corinthians de fazer negócios com empresas ou empresários ligados ao corpo de conselheiros do clube? Como seria feita a barração de negócios como este?

Herói Vicente: O assunto exige deliberação pelo conselho. Enquanto não ocorrer mudança estatutária, prevalece o que já existe. O art. 43 do Estatuto é claro, ao dispor o princípio geral de que "não poderá fazer parte de qualquer poder social do clube, com exceção da AG (Assembleia Geral), o associado que seja arrendatário do Corinthians ou exerça atividade remunerada nas dependências do Corinthians", não podendo receber qualquer tipo de remuneração, como prestador de serviço, assalariado, profissional liberal, empresário, gerente de atletas e/ou congêneres. O parágrafo único do acima citado art. 43 é enfático: "o Conselheiro ou Diretor que, no decorrer do seu mandato, se enquadrar em qualquer dos itens deste artigo, perderá seu mandato ou cargo, mesmo que vitalício, e será substituído na forma deste estatuto."

UOL: Com o compliance não permitindo a contratação de empresas ou prestadores de serviços com alguma ligação com conselheiros, diretores ou sócios do clube, o Corinthians não pode ficar prejudicado, deixando de contratar os melhores profissionais em razão desta ligação?

Herói Vicente: O papel do compliance não é o de permitir ou não contratações de empresas ou prestadores de serviços. O que se pode ou não fazer está expresso no estatuto. Sendo esse papel do estatuto, é verdade, essa situação pode ocorrer sim, caso o estatuto não venha a ser alterado.

UOL: Quais os tipos de ligações, até que grau, devem impedir a contratação de uma empresa ou pessoa?

Herói Vicente: Deve existir uma correlação entre as leis específicas vigentes e o estatuto, para que os melhores interesses do clube sejam preservados.

UOL: Em grande parte dos clubes brasileiros, as negociações nas categorias de base apresentam problemas. Há no projeto do código de conduta artigos para coibir "negociatas" envolvendo jogadores da base?

Herói Vicente: Já existe na legislação vigente essa coibição. A ideia é reforçar todos os dispositivos através de um processo claro de verificação de riscos e de um código de conduta rigoroso. Eventuais irregularidades devem ser comunicadas pelos canais competentes, para apuração cabal e independente da denúncia.

UOL: Qual o projeto para proteger o clube de perder jogadores e também para que o clube não descubra no futuro que só detém uma pequena porcentagem dos direitos econômicos dos atletas?

Herói Vicente: Não existe essa possibilidade de "descobrir no futuro". Os gestores têm responsabilidade por aquilo que determinam e todos os percentuais de direitos econômicos de atletas são comunicados nos balanços do clube.

UOL: Você trabalhou intensamente pelo afastamento do Andrés Sanchez (último presidente do Corinthians). A presidência da comissão estatutária é ocupada por um aliado do Andrés (André Luiz de Oliveira). Se o clube quer implementar o compliance, e até contratou uma empresa para implantar o compliance, ter uma pessoa investigada presidindo a comissão da reforma estatutária não desacredita o próprio compliance?

Herói Vicente: A comissão foi nomeada em consonância com as regras vigentes. Há que se respeitar a autonomia e a competência funcional de cada um dos integrantes dos poderes do Clube, eleitos democraticamente. Sobre compliance, a pergunta insere um equívoco: o compliance não tem qualquer ingerência sobre os processos de eleição e nomeação do clube, a não ser de verificar se foram realizados em conformidade com o estatuto e com as normas vigentes. Complemento que não posso à guisa de opiniões particulares eventualmente divergentes, refugir da aplicação da Lei.

UOL: Recentemente o Conselho de Ética arquivou a denúncia da conselheira Analu Tomé contra o também conselheiro Mané da Carne. Embora encontre respaldo jurídico, a decisão não compromete a imagem do clube ao absolver quem falou que ela precisava "arrumar um tanque de roupa para se divertir"?

Herói Vicente: Não compete ao departamento Jurídico realizar o controle das decisões autônomas do conselho ou suas comissões, senão quando instado pela provocação judicial. De novo: Em um regime democrático, respeitam-se as regras vigentes.

UOL: Como fazer com que casos como esse não fiquem mais impunes? Haverá previsão no estatuto de punição a quem cometer agressões ou ofender sócios e conselheiros em ambientes virtuais, como redes sociais?

Herói Vicente: Caso o conselho debata essa proposta e a aprove pelos canais competentes, sim.

UOL: Você é a favor de que quem faz parte do Fiel-Torcedor tenha direito a voto nas eleições do Corinthians?

Herói Vicente: Eu sou favorável, desde que o Fiel Torcedor cumpra determinados requisitos para legitimar seu direito a voto. Por exemplo, o sócio do Corinthians precisa ser sócio há cinco anos, estando com os pagamentos em dia. Mas isso é uma posição individual minha. O assunto precisa ser debatido, analisado, proposto e votado pelos membros do Conselho Deliberativo, para posterior apreciação da assembleia de sócios.

UOL: Sobre a Arena, por que o Corinthians diz que está acordado com a Caixa e o negócio não sai logo? O que falta para o acordo ser anunciado? Quais as bases do acordo?

Herói Vicente: Faltam detalhes operacionais. Os termos do acordo dependem de previsão contratual para serem divulgados publicamente, respeitando-se sempre a confidencialidade imposta em negócios desse jaez.

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